Ouça este conteúdo
Resumo da reportagem
- Quase 60% dos estudantes universitários de graduação e quase 40% dos pós-graduandos concordaram com frases do ditador nazista Adolf Hitler quando a palavra "judeus" foi substituída por "brancos".
- Os autores do estudo, os psicólogos americanos Michael Berstein e April Bleske-Rechek, compararam as respostas dos estudantes às frases de Hitler e Robin DiAngelo, autora do best-seller "White Fragility", e encontraram maior concordância com as frases de DiAngelo.
- O estudo também revelou que a concordância com as frases de Hitler e DiAngelo varia de acordo com a ideologia política, com os progressistas mostrando maior concordância com as frases antibrancos.
Um trabalho publicado em fevereiro em uma conferência da Sociedade pela Investigação Aberta na Ciência do Comportamento (SOIBS) descobriu que quase 60% dos estudantes universitários de graduação, e quase 40% dos pós-graduandos, concordam com frases do ditador nazista Adolf Hitler, se for feito um ajuste: trocar “judeus” nos ataques do genocida alemão por “brancos”. Entre os universitários americanos como um todo, 55% concordam com ao menos uma frase de Hitler.
As frases alteradas com as quais os universitários concordaram foram: “a linguagem das pessoas brancas, que falam para ocultar, ou ao menos expressar de forma velada, os seus pensamentos. Seu propósito verdadeiro está muitas vezes não no próprio texto, mas dormindo confortavelmente nas entrelinhas”; “Por razões que logo ficarão aparentes, os brancos nunca possuíram uma cultura própria e a base para o conhecimento sempre foi fornecida pelas civilizações alheias”; “Para atingir os seus objetivos, os brancos fazem o seguinte: se aproximam sorrateiramente dos trabalhadores para ganhar a sua confiança, fingindo que têm compaixão” (traduções livres a partir do inglês, trocas indicadas em itálico).
Os autores do trabalho são os psicólogos americanos Michael Berstein (Universidade Brown) e April Bleske-Rechek (Universidade de Wisconsin em Eau Claire). Eles escolheram três frases antissemitas de Adolf Hitler, três frases antibrancos de Robin DiAngelo, autora atual de best-seller em identitarismo de raça que enriqueceu após a explosão do movimento Black Lives Matter em 2020; e três frases antinegros de Stephen Douglas, um político americano contra a abolição da escravidão que fez oposição a Abraham Lincoln no século XIX. Depois, fizeram três versões das três frases, cada versão contrária a um dos três grupos (judeus, brancos e negros). Foram, portanto, nove frases ao todo.
Para cada frase, os psicólogos pediram aos 428 universitários participantes (72% deles brancos) que imaginassem que foi proferida por um intelectual ou líder político, e que indicassem se concordavam e declarassem a firmeza de concordância entre “provavelmente” e “definitivamente”. Para sete das nove frases, a concordância dependeu de qual era o grupo alvo da frase. “A maior concordância foi contra os brancos”, concluíram os autores. As frases inalteradas de DiAngelo contra brancos ganharam ainda mais concordância que as frases de Hitler, atingindo 60% (juntando ambos os graus de firmeza) entre graduandos e 45% entre pós-graduandos.
Contudo, as frases de Douglas alteradas ganharam menos concordância, em torno de 10%. São mais inflamatórias e explícitas: “considero que brancos não devem ser cidadãos dos EUA”, “não considero o branco o meu igual, e nego que ele seja meu irmão”, e “brancos são uma raça inferior que, em todas as eras, e em toda parte do globo, mostrou-se incapaz de autogoverno”. Houve uma minoria de racistas antinegros de cerca de 5% que concordaram com as frases originais do antiabolicionista.
Sentimento antibrancos
Robin DiAngelo é a única entre os três autores que está viva e em atividade. Berstein e Bleske-Recheck justificam a escolha da autora: “ambos DiAngelo e Hitler estão defendendo uma abordagem que reduz o comportamento à membresia de grupo”, ou seja, ambos desenfatizam a autonomia do indivíduo. “Eles descrevem o comportamento de todos os brancos e de todos os judeus em termos bastante críticos e concluem que esta é a natureza da branquitude ou da identidade judaica”, acrescentam os psicólogos.
DiAngelo, com 66 anos de idade, acadêmica, palestrante e autora americana, trabalha na área de diversidade e inclusão, especificamente em treinamento de sensibilidade racial, desde o final dos anos 1990. Ela tem formação em sociologia e recebeu seu doutorado em educação multicultural pela Universidade de Washington em 2004. Ela própria é o que os americanos convencionalmente chamam de “branco”. Seu livro “Fragilidade Branca: Por que é tão difícil para os brancos falar sobre racismo” (Edita_X, 2020), lançado originalmente em 2018, explodiu em vendas após a morte de George Floyd em maio de 2020. Segundo o serviço de análise de mercado editorial NPD BookScan, o livro vendeu menos de 18500 cópias até o mês anterior. Até setembro do mesmo ano, chegou a 1,6 milhão de cópias.
O que a acadêmica prega pode ser resumido com uma declaração que ela fez no mês passado em um “webinário” de título “Justiça Racial: A Próxima Fronteira”: “As pessoas de cor precisam se afastar dos brancos e criar comunidades umas com as outras”. Em outras palavras, segregação e desconfiança. Algo similar foi dito semanas antes contra os negros, em conselho aos brancos, pelo cartunista Scott Adams.
Interação com ideologia política
Os psicólogos isolaram as respostas dos estudantes às frases de Hitler e DiAngelo para encontrar alguma associação com ideologia política. Os progressistas (chamados de “liberals” nos EUA) foram o grupo que mais concordou com Hitler: mais da metade deles assentiram ao sentimento antibrancos das frases. A concordância com DiAngelo nesse sentimento atingiu 60% no grupo ideológico. Centristas (moderados) e conservadores estiveram abaixo da marca de 40%.
Quando as frases de Hitler foram adaptadas para atacar os negros, todos os três grupos ideológicos desaprovaram, a concordância ficou em torno de 10%. Porém, quando Robin DiAngelo foi adaptada contra negros, obteve forte desaprovação somente entre progressistas, e uma concordância expressiva, mas minoritária, entre 30 e 40%, entre centristas e conservadores.
O antissemitismo foi baixo em todas as três posições políticas, atingindo um máximo de 30% entre conservadores. Por causa da amostra limitada de 71 conservadores, quando a amostra total foi dividida entre as três posições políticas, essas porcentagens devem ser vistas como indicativos, não necessariamente como a proporção dos sentimentos negativos contra os três grupos na população em geral.
“Em certo sentido”, dizem os cientistas, “nossos resultados não são coisa nova: simplesmente observamos o que existe há milênios: as pessoas tratam alguns grupos com mais favoritismo que outros”. Eles se preocupam, no entanto, que generalizações negativas sobre grupos inteiros pareçam estar crescendo em alguns bolsões culturais, e que são poucas as pessoas na mídia americana que usam o argumento contrafactual: “imagine se dissessem isso a respeito dos negros”. A própria rejeição a argumentos contrafactuais ilustra a disposição de muitos a insistir nas generalizações e não aplicar a mesma regra para todos.
Precedentes
Quanto à atitude racista contra brancos vir de estudantes que são na maioria brancos, Berstein e Bleske-Rechek lembram que há precedentes: “Na Alemanha nazista, os kapos, como eram chamados prisioneiros que também atuavam como guardas da SS, eram muitas vezes ainda mais cruéis contra seus colegas de prisão (e frequentemente contra colegas da comunidade judaica) do que os próprios nazistas”. Eles deixam claro que seu estudo não significa que estão dizendo que Robin DiAngelo “é uma pessoa tão malvada quanto Hitler, ou malvada de alguma outra forma”, e que a concordância com as frases não significa que os estudantes concordariam com o genocídio promovido pela figura histórica.
Em 2018, o filósofo Peter Boghossian, o matemático James Lindsay e a crítica cultural Helen Pluckrose armaram uma série de pegadinhas para demonstrar que revistas acadêmicas estavam baixando seus critérios de rigor em nome do identitarismo. Eles submeteram, sob pseudônimos, artigos propositalmente exagerados e falsos para publicação. A revista feminista Affilia aceitou o artigo com título “Nossa Luta é Minha Luta: Feminismo da Solidariedade como uma Resposta Interseccional ao Feminismo Neoliberal e de Escolha”.
O artigo era parte do Capítulo 12 do livro “Minha Luta”, de Hitler, reescrita com artifícios como trocar “judeus” por “homens” e “raça ariana” por “mulheres”. Após a primeira revisão favorável, uma das pessoas responsáveis pela edição da revista comentou que “os pareceristas apoiam o trabalho e notam seu potencial de gerar diálogos importantes para o serviço social e acadêmicas feministas”. O processo de publicação foi interrompido quando a pegadinha foi desmascarada pela imprensa.