Como americanos, é raro participarmos de uma discussão nacional enquanto deixamos de lado as nossas crenças políticas. Assassinatos em massa como o massacre de Columbine e o 11 de setembro nos uniam. Mas na era de Donald Trump, eles aprofundaram as nossas divisões.
É por isso que o debate sobre o movimento #MeToo (#EuTambém, em português, hashtag criada para mulheres compartilharem casos de assédio sexual) é tão único. Democratas, republicanas, liberais e conservadoras têm – em sua maioria – colocado suas crenças políticas de lado para se posicionar contra a violência sexual.
Mas só porque pessoas com perspectivas tão diversas estão participando do movimento não significa que #MeToo está livre de inspirações ou objetivos políticos. Democratas já usaram o movimento para pressionar Donald Trump a renunciar.
Seja motivadas por julgamento moral ou um desgosto pela sua presidência, essas atitudes são perigosas e ameaçam prejudicar um debate que já é frágil. Sim, o presidente enfrentou algumas acusações sérias e elas devem ser discutidas.
Mas em 2016, os americanos já conheciam o seu comportamento e escolheram votar nele apesar disso. Usar o #MeToo como uma arma política contra o presidente corre o risco de afastar as republicanas.
Então, as mulheres de direita deveriam abraçar o movimento #MeToo ou ficar longe dele? Até o momento, algumas estabeleceram uma distância segura. Outras entraram de cabeça, enquanto algumas se sentem ofendidas. Por quê? Porque o movimento #MeToo não é perfeito e as mulheres conservadoras estão acostumadas a serem ignoradas.
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#MeToo não é perfeito
O #MeToo tem vários problemas. O jornalismo preguiçoso confundiu assédio sexual com abuso sexual. Os homens acusados nem sempre são processados de modo adequado.
Em todas as direções, a mídia faz acreditar que o movimento existe graças ao progressismo de Hollywood e à Marcha das Mulheres, da extrema-esquerda, apesar de mulheres conservadoras, como a apresentadora de TV e escritora Gretchen Carlson, terem lançado as bases.
Mesmo tendo suas falhas, eu diria que o #MeToo fez mais bem do que mal. Outras pessoas podem discordar, mas quando 51% das mulheres americanas relataram ter sofrido um contato sexual não consensual e 30% relataram casos de exibicionismo ou terem visto genitália masculina contra a sua vontade, é claro que o debate acerca de assédio e abuso sexual deveria acontecer.
Mulheres conservadoras sabem disso, mas algumas, incluindo eu, ainda são céticas. Em vez de reagir ao nosso ceticismo com ressentimento, considere tirar um momento para entender por que as mulheres conservadoras respondem com cautela a um movimento que está tão associado ao feminismo moderno como é definido pela esquerda.
Lições da Marcha das Mulheres
Em novembro de 2016, após Trump ser eleito presidente, uma avó do Havaí teve a ideia inovadora de lançar uma “Marcha de Um Milhão de Mulheres”, que depois passou a ser conhecida como Marcha das Mulheres. Apesar de inspiradas pela retórica da campanha presidencial de 2016, as organizadoras prometeram que a marcha não seria um protesto contra Trump – seria sobre como “os direitos das mulheres são direitos humanos”, uma mensagem que todas nós poderíamos apoiar.
Essa mensagem era ampla o suficiente para atrair quem jamais votaria em Trump, feministas pró-vida e sobreviventes de estupro que apoiam a Segunda Emenda (direito dos cidadãos de possuir armas).
Mas rapidamente descobrimos que essas visões se tornaram muito problemáticas.
Alguns meses depois de lançar uma grande rede em busca por apoio, com mulheres protestando para conquistar reformas que elas ainda não conheciam, as organizadoras da Marcha das Mulheres divulgaram as suas posições políticas, revelando o quão radical a sua agenda feminista realmente é:
- Aborto financiado pelo governo sem quaisquer restrições.
- Licença familiar pós-natal remunerada e obrigatória.
- Direitos para refugiados e imigrantes ilegais independentemente da situação ou do país de origem.
É seguro afirmar que muitas de nós se sentiram deixadas de lado ou, pior do que isso, mal representadas por um movimento que alegava representar todas.
Mas não foi apenas a plataforma progressista que deixou um sabor amargo na boca de muitas mulheres conservadoras, nem somente a decisão das organizadoras da marcha de excluir a diversidade de pensamento. Foi também a sua falta de ação quanto às violações de direitos humanos em todo o mundo que levou as conservadoras a dizerem “já chega”.
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É assim que é o feminismo?
Diversas vezes a Marcha das Mulheres fracassou em cumprir um dos seus temas mais importantes: “Os direitos das mulheres são direitos humanos, e os direitos humanos são direitos das mulheres”.
Um dos primeiros exemplos foi a decisão de roubar atenção do Dia Internacional da Mulher e transformar em mais um protesto contra Trump.
“Um Dia Sem Mulher” foi um grande fracasso, e negligenciou o que deveria ser o foco do Dia Internacional da Mulher.
A Marcha das Mulheres não falou nada quando as mulheres sauditas ganharam o direito de dirigir. Por quê? Provavelmente porque uma das líderes, a ativista política palestino-americana Linda Sarsour, uma mulher muçulmana, é defensora da xaria, a lei islâmica.
Mais recentemente a Marcha das Mulheres ignorou protestos no Irã, onde as mulheres tiraram seus hijabs em público sob o risco de prisão. Em vez de demonstrar apoio a um movimento que protestou contra desigualdades reais, a Marcha das Mulheres tweetou sobre a loja Macy’s decidir vender hijabs em lojas de departamento.
A Marcha das Mulheres é uma entidade que serve a si mesma e exclui não apenas mulheres que discordam politicamente das organizadoras, mas também mulheres que realmente precisam da nossa ajuda.
Ainda assim, a maior parte da mídia permitiu que a Marcha das Mulheres definisse o feminismo na era Trump, deixando as conservadoras em uma posição desconfortável.
O #MeToo também é #UsToo (#NósTambém, em português)? Essa foi a questão levantada por Marji Ross, do Regnery Publishing, para Ashley McGuire, da Catholic Association, Mona Charen, do Ethics and Public Policy Center e eu durante a Conferência Conservadora de Ação Política em National Harbor, Maryland.
#UsToo: Deixada de lado pela esquerda
Se você perguntar a mulheres conservadoras se elas se identificam como feministas, provavelmente terá respostas mistas. Algumas, como a assessora sênior da Casa Branca, Kellyanne Conway, resistem ao termo porque está muito associado com “anti-homem” e “pró-aborto”.
“É difícil eu me chamar de feminista no sentido clássico porque parece ser muito anti-homem, e certamente é muito pró-aborto, e eu não sou anti-homem nem pró-aborto”, disse Conway na CPAC no ano passado. “Eu me vejo como um produto das minhas escolhas, não uma vítima das circunstâncias.”
(Se você não acredita em Conway sobre a visão da esquerda em relação ao aborto como um teste decisivo para o feminismo, então acredite na ativista Erin Matson. “Não existe um feminismo que tolere oposição ao aborto”, anunciou Matson em meio a aplausos na convenção da Marcha das Mulheres de Detroit. “É simplesmente impossível ser feminista e se opor ao direito da mulher sobre o seu próprio corpo.”)
O termo “feminismo” sem dúvidas foi furtado por extremistas anti-homem e pró-aborto. Mas entre as mulheres de direita, você encontrará uma diversidade de pensamentos em relação a isso. (Essa diversidade de pensamento nunca seria permitida na esquerda feminista.)
Feministas da primeira onda, como Susan B. Anthony, fizeram avanços significativos para as mulheres que nunca deveríamos desconsiderar. Rejeitar totalmente o termo “feminismo” é um desserviço ao trabalho delas.
Mas como liquidamos a nossa dívida com elas quando feministas da segunda e terceira onda avançaram tanto até a diluição do termo para significar que você é caçoada por usar um vestido no frio? Isso, na minha opinião, é também um desserviço ao trabalho delas.
O verdadeiro feminismo exige diversidade de pensamento. Exige concordar em discordar ao mesmo tempo em que apoia todas as mulheres e ter a capacidade de olhar além de nós mesmas e procurar saber como todas as mulheres estão vivendo no nosso mundo. Quando vemos injustiças nos Estados Unidos, devemos denunciá-las. Mas feministas nunca devem confundir injustiças com desigualdades.
Fazer isso é ofensivo a 200 milhões de meninas e mulheres no Oriente Médio e na África que são submetidas e mutilação genital, em que sua genitália é parcialmente ou totalmente removida.
É ofensivo a 39 mil meninas que são obrigadas a entrar em casamentos arranjados todos os dias.
É ofensivo a milhões de mulheres no Oriente Médio que ainda não têm igualdade perante a lei, e são sufocadas por regimes opressores.
A primeira onda do feminismo ainda é necessária em muitos países. É fácil esquecer o quanto somos privilegiadas nos EUA por estarmos em um lugar em que podemos ter o debate #MeToo. Em outras partes do mundo, abuso sexual e físico ainda é parte da vida de muitas mulheres.
Feministas como as que apoiam a Marcha das Mulheres deveriam abrir os olhos e enxergar essas realidades e se juntar às mulheres conservadoras para dizer não apenas #MeToo, mas também #UsToo.
Em vez de limitar a definição de feminismo para incluir apenas as visões mais radicais, vamos ampliá-la. Com todas essas mulheres, eu já posso imaginar o que poderíamos fazer.
Kelsey Harkness é produtora sênior de notícias no Daily Signal e apresentadora de “Problematic Women”, um podcast e programa ao vivo via Facebook.
©2018 Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.