Em maio de 2021, a atriz canadense Jennifer Gibson publicou um vídeo em sua conta no Instagram em que mostrava um lado da face paralisado. Ela derramava lágrimas e dizia que o problema, chamado paralisia de Bell, foi causado pela vacina contra Covid-19 da AstraZeneca. Gibson já atuou na série 'Homens de Terno' (“Suits”, 2011) e tem mais de 60 créditos por participações em produções audiovisuais.
Um motivo de o vídeo ter chamado a atenção, ressurgindo no mês passado nas redes sociais, é que ela, apesar do problema, defendia a vacina: “tenho que dizer que eu faria de novo, porque é o que temos que fazer”. Vídeos com centenas de milhares de visualizações compararam a atitude da atriz à “síndrome de Estocolmo”, que ocorre quando reféns de sequestradores passam a defendê-los. A atriz fechou sua conta no Instagram apenas para seguidores e continua trabalhando, um sinal de que o efeito colateral já passou. No dia 9 de outubro deste ano, outra atriz, a americana Susan Egan ('Hércules', 1997; 'A Viagem de Chihiro', 2001) também anunciou no Instagram que está com paralisia de Bell, mas atribuiu o problema a uma infecção viral.
A paralisia de Bell, que afeta apenas a face, é um termo guarda-chuva para esse problema, aplicado quando a causa é desconhecida. O cantor Justin Bieber teve suspeita em junho, mas seus médicos deram o diagnóstico de síndrome de Ramsay Hunt, que é causada por uma reativação do vírus da catapora e da herpes-zóster.
Efeito colateral das vacinas
Um estudo publicado em janeiro pela revista Lancet com primeira autoria de Eric Yuk Fai Wan, da Universidade de Hong Kong, estimou que a paralisia de Bell ocorre em 43 a cada 100 mil pessoas vacinadas com as nanopartículas de mRNA da Pfizer-BioNTech, e em 67 a cada 100 mil inoculados com a Coronavac, vacina de vírus inativado da empresa chinesa Sinovac. Comparando com a incidência de fundo de cerca de 25 casos em 100 mil pessoas, isso significa que as vacinas Pfizer e Coronavac contra Covid aumentam a incidência de paralisia de Bell em 1,7 e 2,6 vezes, respectivamente — os vacinados têm quase o dobro até quase o triplo de chance de ter a paralisia comparados aos não-vacinados, a depender da vacina. Em ambos os casos, o risco é ligeiramente maior em homens que em mulheres. O estudo considerou quase 800 mil doses de cada vacina.
Outro estudo de pesquisadores de Hong Kong, de autoria de Francisco Tsz Tsun Lai e colaboradores, comparou o risco de eventos adversos como a paralisia de Bell em pessoas com duas ou mais doenças crônicas entre vacinados e não-vacinados com Pfizer e Coronavac. Entre quase 900 mil participantes, os autores concluíram que 0,3% apresentavam algum evento adverso. Curiosamente, os eventos adversos foram mais comuns entre os não-vacinados (0,4%) que entre os vacinados (0,2% dos vacinados com Pfizer, 0,3% nos da Coronavac). Os autores especulam que esse resultado poderia ser explicado por um viés de os pacientes mais saudáveis serem também aqueles que preferem ser vacinados, mas de qualquer forma acentua que as duas vacinas contra Covid-19 são em geral muito seguras.
Essa segurança geral pode ser entendida como variável a depender do grupo de vacinados, e algo que depende de avaliações de efeitos colaterais que têm uma contraparte não causada por vacinas na população. Problemas que já são raros sem as vacinas contra Covid-19, como a paralisia de Bell, podem ter risco aumentado por elas, mas ainda raro apesar desse aumento, como indicou o estudo da Lancet.
Outro efeito colateral raro é a miocardite vacinal, que afeta especialmente adolescentes e jovens do sexo masculino. É problema raro neste grupo, mas que se torna menos raro após a administração das nanopartículas de mRNA das vacinas de empresas como a Pfizer e a Moderna, ao ponto de abalar certezas anteriores de que a Covid seria um agravante mais comum para o problema que essas vacinas. Alguns profissionais já acreditam que, para o caso específico dos rapazes, essas vacinas perdem na análise de custo e benefício.
A paralisia de Bell é a causa mais comum de inabilidade temporária de mover os músculos de um lado da face devido a uma provável inflamação ou compressão do sétimo nervo do crânio, que dá movimento e sensações ao rosto. Também é possível, mas infrequente, que a face inteira seja afetada. Os movimentos são recuperados geralmente após um mês, mas 30% dos afetados podem continuar com sequelas. Uma a cada 60 pessoas tem essa paralisia em algum momento da vida. Entre os fatores de risco estão a pressão alta, diabetes, problemas no sistema imunológico e problemas nos nervos como a síndrome de Guillain-Barré. Além desses fatores, está a genética. Uma revisão de estudos de genética publicada em 2021 descobriu que uma variante genética carregada por 80% da população aumenta em cerca de 20% o risco do problema.
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