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O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), Jorge Venâncio
O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), Jorge Venâncio| Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, abriu uma vaquinha digital dizendo que precisa de recursos para custear a sua defesa em um processo, mas entre os doadores constam pessoas com estudos recentemente aprovados pela Conep e pessoas investigadas pelo órgão. Especialistas dizem que o ato pode incorrer em crimes.

Desde o início do ano, a Conep, na figura de Venâncio, trava uma guerra com o médico endocrinologista Flávio Cadegiani, pesquisador responsável pelo estudo do medicamento proxalutamida no tratamento da Covid-19. A Conep acusa a equipe de não ter seguido os preceitos éticos que são estabelecidos pela instituição: como a realização do estudo em local diferente do anteriormente aprovado e a não comunicação de mortes de pacientes. A partir de denúncias da Conep, os pesquisadores também estão sendo investigados pelo Ministério Público (MP) Estadual do Amazonas e Federal, e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Cadegiani, por sua vez, diz que a Conep está promovendo uma investigação indevida, possivelmente com motivação ideológica. Além disso, estariam ocorrendo vazamentos seletivos à imprensa do conteúdo desta investigação e dos procedimentos relativos à pesquisa, que deveriam ser mantidos em sigilo.

O endocrinologista entrou na justiça pedindo esclarecimentos sobre as declarações dadas por Venâncio à imprensa, como uma entrevista ao portal UOL onde dizia que o estudo "faz parte do desprezo de Bolsonaro à ciência" e que a estratégia era utilizar o medicamento para descredibilizar as vacinas. Além disso, o pesquisador questiona qual hospital em Brasília foi autorizado a pesquisa — os pesquisadores realizaram o estudo em hospitais do Amazonas e do Rio Grande do Sul, mas a Conep diz que foi autorizado apenas um hospital em Brasília.

O pedido de Cadegiani foi aceito pelo Procurador da República do DF, Pablo Coutinho Barreto, apresentou parecer para que o coordenador da Conep dê explicações em juízo sobre os vazamentos de informação e sobre as declarações difamatórias, segundo Cadegiani, dadas por ele à imprensa. Em resposta, Venâncio pediu prazo adicional devido a um “elevado grau de complexidade técnica demandada”. Para Cadegiani, fica claro que a “versão oficial” não se sustenta nem aos primeiros questionamentos e que tudo ruirá como um castelo de cartas.

Um doador investigado

“Sou Jorge Venâncio, coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Estou sendo processado pelo pesquisador responsável pela pesquisa em que morreram 200 participantes no Amazonas. Peço a colaboração dos compatriotas para custear uma defesa que possa enfrentar a disparidade financeira existente entre as partes”, diz a introdução da vaquinha que tinha proposta de arrecadar R$ 29 mil, mas ultrapassou a marca e já chegou a R$ 44 mil reais.

Entre os doadores da vaquinha se encontram pessoas que possuem estudos aprovados recentemente pela Conep, e pessoas que trabalham dentro da instituição. Um doador que chama a atenção é o médico Marcus Lacerda, pesquisador que está sendo investigado por um estudo realizado pela Fiocruz de Manaus por uma superdosagem de cloroquina, no qual morreram 22 pessoas.

Na época, Lacerda foi convocado a dar explicações para a Conep, que diz não ter enviado denúncia ao Ministério Público por não ter constatado relação dos óbitos com a medicação. No entanto, em entrevista à Gazeta do Povo, Venâncio confessou que a Conep não sabia sobre a diferença da dosagem utilizada pela equipe de Lacerda, e a dosagem chinesa, que o grupo se inspirou, e que foi denunciada pelo médico infectologista Francisco Cardoso em seu depoimento na CPI da pandemia.

Venâncio confessou também que chegou à conclusão sobre os óbitos sem ter visto nenhuma necropsia, exame feito para determinar a causa de uma morte, dos pacientes que morreram no estudo e que a conclusão foi feita a partir das fichas médicas. Entretanto, em sua fala, Venâncio também disse que enviou à Anvisa que havia lacunas nas doses previstas aos pacientes.

À Gazeta do Povo, familiares de pessoas que participaram do estudo denunciaram dizendo que integrantes da equipe de pesquisa foram em suas casas para que assinassem uma nova ficha de autorização para que seus familiares participassem do estudo, mas uma semana depois das mortes, e supostamente pedindo para que fosse autorizada uma dose menor de cloroquina.

Sobre esta suspeita de fraude, não recebemos explicações de Lacerda, da Conep ou de qualquer outra instituição envolvida no estudo, como a Fiocruz Amazonas e a Fundação de Medicina Tropical do Amazonas Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD). Além disso, familiares que são da área médica denunciam a superdosagem, dizendo que havia claros sinais de intoxicação, mas que os pesquisadores mantiveram a dosagem.

A investigação sobre a superdosagem de cloroquina segue em curso sob responsabilidade da 10ª Promotoria Criminal de Manaus. Entramos em contato com a instituição e não obtivemos retorno.

Doadores com pesquisas aprovadas

A Conep é um órgão que tem atribuição de avaliar os aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos no Brasil. A comissão elabora normas, mas também avalia projetos de pesquisa. Tudo gerenciado através do sistema informatizado “Plataforma Brasil”. Consultando os nomes dos doadores no sistema encontramos diversos com estudos em andamento aprovados pela Conep.

Um deles é o médico infectologista Alexandre Zavascki, filho do falecido ministro do STF, Teori Zavascki, que é chefe da infectologia do Hospital Moinhos de Vento (HMV), em Porto Alegre, e que proibiu o uso de medicamentos do chamado “tratamento precoce” no hospital. Alexandre, que também é pesquisador, recebeu no último dia 20, segundo informação da Plataforma Brasil, autorização da Conep para realizar estudo no HMV, e consta no documento como “pesquisador responsável pelo estudo”.

Outros doadores que têm estudos aprovados pela Conep são as pesquisadoras Maria Clara Galhardo, Gina Torres Monteiro, Valdiléa Veloso dos Santos, Dulcinéia Ghizoni Schneider e Sérgio de Almeida Rego, Maria Cristina Paganini, Edson Umeda e Maria Cristina Paganini.

Além disso, constam integrantes da própria Conep e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão ao qual a Conep é ligada, como a coordenadora adjunta do Conep, Laís Alves de Souza Bonilha, o presidente do CNS, Fernando Zasso Pigatto, e a conselheira do CNS, Shirley Diaz Morales. Além disso, consta também na lista a pesquisadora e também integrante da Conep Ana Paula Corona, que possui projeto de pesquisa aprovado pela Conep recentemente.

Na lista constam também Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff, e o deputado estadual Gilberto Spier Vargas (PT-RS), conhecido como Pepe Vargas.

Possíveis crimes

Um dos crimes que este pedido de doação pode se enquadrar é o crime de corrupção passiva, tipificado pelo artigo 317 do Código Penal: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.

Para o advogado especialista em direito administrativo Jaques Reolon, Venâncio se enquadra como agente público e, portanto, é vedado a ele como servidor utilizar-se do cargo para obter qualquer favorecimento. Ele explica que Venâncio, mesmo que não ocupe cargo ou emprego público, também pode ser enquadrado na Lei de Conflito de Interesses, de 2014.

“Há uma situação de conflito de interesses porque as atribuições do Coordenador da Conep estão vinculadas à redação de diretrizes e normas que afetam a atuação dos pesquisadores; ocorrendo certa confusão entre os interesses públicos da coordenadoria e privados da doação, de modo a comprometer o interesse coletivo ou influenciar — de maneira imprópria —, o desempenho da função pública”, afirma.

Além disso, Reolon também explica que sob o aspecto penal, com base no Código Penal, Venâncio pode ser considerado “funcionário público”, e responder penalmente, se houver indícios de atuação dolosa e se a sua conduta for tipificada como algum ilícito penal.

“Em síntese, o exercício da função pública de coordenador é abrangido pelo conceito de agente público e de funcionário público, acolhidos pela lei de improbidade e pelo Código Penal”, diz Reolon.

Para Amanda Costa, advogada especialista em Direito Médico e Direito Penal, é preciso identificar se Venâncio concedeu as entrevistas comentando sobre o caso da proxalutamida apenas como médico ou se estaria ali representando a instituição revestido de suas atribuições como coordenador.

“A Constituição da República é clara no artigo 37 ao dizer que os agentes não respondem pelos seus danos, e sim a pessoa jurídica de direito público, tendo, posteriormente direito a ação de regresso contra o agente”, disse Costa.

Para o advogado Lucas Cherem Rodrigues, sócio do escritório Manesco Advogados, no caso de Venâncio receber doações de pessoas ou empresas que tenham relação com as suas funções como coordenador da Conep, o mesmo deverá se abster de deliberar sobre qualquer matéria que envolva os doadores, pois não terá a isenção necessária. Não agindo assim, diz Rodrigues, ele poderá perder o mandato.

O que dizem os envolvidos

Jorge Venâncio e a Conep não responderam os contatos da reportagem. O CNS afirmou que divulgou uma moção de repúdio à uma tentativa de “intimidação ao trabalho da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa” por parte do pesquisador do estudo da proxalutamida; e que a vaquinha é iniciativa individual de Jorge Venâncio. Insistimos para que a assessoria respondesse os diversos questionamentos feitos, mas afirmaram ser esta a resposta do CNS sobre o assunto: "A moção é a posição do CNS. A vaquinha é uma iniciativa dele. Essas contribuições são individuais.”

Entramos em contato com a Advocacia Geral da União (AGU) questionando por que Venâncio não está sendo representado por esta e precisa buscar financiamento privado para pagamento de advogados que irão o representar em face de ação que envolve as suas atividades na Conep. A AGU nos informou que ela atende agentes públicos que requeiram e atendam a todos os requisitos legais. No entanto, a AGU diz que não consta registro de apresentação de pedido por parte de Venâncio para defesa em sede judicial.

Entramos em contato com a assessoria do médico Marcus Lacerda, mas ela não respondeu o nosso contato. Também entramos em contato com Alexandre Zavascki, que foi surpreendido com a informação de que seu nome constava na lista, ele diz que acreditava que a doação fosse anônima.

“Não conheço Jorge Venâncio, mas achei dramático o presidente da Conep solicitar este tipo de ajuda A Conep é uma instituição fundamental para regulação da pesquisa no país”, disse.

Sobre o questionamento acerca dos projetos aprovados recentemente pela Conep onde ele consta como pesquisador responsável, Zavascki disse que a maioria destes projetos são aprovados diretamente pelos Centros de Ética em Pesquisa locais, e posteriormente são encaminhados à Conep. Ele diz acreditar que não seja atribuição do presidente da Conep avaliar todos os projetos que passam ali.

O médico Flávio Cadegiani nos informou que a interpelação judicial movida por ele tem apenas dois questionamentos à Conep, baseados nas denúncias feitas pelo seu coordenador.

“Ele alega que aprovou a pesquisa com proxalutamida em pacientes hospitalizados somente em Brasília. Pergunto na interpelação qual foi, então, o hospital aprovado e quem vistoriou o local. Na autorização que eu obtive da Conep para fazer a minha pesquisa, não há local algum definido”, afirma.

“É lamentável que duas simples perguntas não respondidas tenham se transformado em moção de repúdio no CNS, que, ao meu ver, questiona também o parecer favorável do Ministério Público Federal”, diz.

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