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Surto da varíola de macaco

Varíola de macaco: cinco motivos para ter calma

Homem segura um rato gigante africano, conhecido como joaquim-doido, no Camboja em 2016. O roedor é um dos possíveis vetores da varíola de macaco e foi a fonte do surto da doença em 2003 nos Estados Unidos.
Joaquim-doido, como chamam na Guiné Bissau este rato gigante africano, foi o vetor da varíola de macaco em um surto no meio-oeste americano em 2003. Na foto, estava sendo empregado para farejar minas no Camboja em 2016. (Foto: Bigstock/noelbynature)

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Detectada pela primeira vez na República Democrática do Congo nos anos 1970 durante a campanha que erradicou a varíola humana, a varíola de macaco ou varíola símia ressurgiu este mês após o registro de casos na Europa, Estados Unidos, Austrália e Argentina. O vírus causador da doença foi descrito nos anos 1950, quando infectou macacos usados em laboratório. No surto atual, está em torno de cem casos, a maior parte no Reino Unido, com 57 confirmados. Portugal relata 37.

O governo britânico não planeja chamar seu comitê governamental de emergência a respeito, está seguro de que conterá o surto e não planeja restringir viagens. O país tem um estoque de cerca de três mil vacinas no mercado e comprou mil para reagir ao surto.

A varíola de macaco, como a já erradicada varíola humana, causa erupções que viram pústulas com menos de cinco milímetros de diâmetro pelo corpo. A doença também partilha semelhanças com a catapora. Eis a progressão da doença desde o contágio:

  •  Sete a 17 dias: período de incubação, sem sintomas. 
  •   Um a quatro dias: período de início de sintomas como a febre. 
  •  Quatorze a 28 dias: período de erupções na pele até secarem. Outros sintomas: febre de 38,5 a 40,5°C, mal-estar, dor de cabeça, inflamação de nódulos linfáticos, lesões na palma da mão e na sola dos pés. 

A febre costuma retroceder no mesmo dia de aparecimento de erupções ou até três dias depois. As erupções com frequência aparecem no rosto. Em 19% dos pacientes não vacinados, infecções secundárias com bactérias podem acontecer. Complicações e sequelas são mais comuns entre não vacinados (74%) do que entre vacinados (39,5%), como informam Andrea McCollum e Inger Damon, patologistas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) americano, em um artigo de 2014.

As varíolas ganham nomes populares baseados em animais que lhes servem de reservatório. Seus vírus são parte da família dos poxvirídeos e do gênero dos ortopoxvírus. O gênero contém 12 espécies, incluindo o da extinta varíola humana, e os vírus das varíolas de macaco, de camelo, de cavalo, de vaca, de búfalo, de guaxinim, de gambá, e de arganaz (roedor). A maioria não infecta humanos.

Além desses, está no grupo também o vírus vaccínia, que não tem hospedeiros naturais e deriva de mais de cem anos de uso em pesquisa na ciência das vacinas desde os tempos de Louis Pasteur. Evidências indicam que este vírus, que foi usado na produção da vacina que erradicou a varíola humana, veio originalmente da varíola de cavalo.

A varíola de macaco não é uma doença inofensiva, pelo contrário, mas está longe de ser a “nova Covid”. Não há motivo para essa preocupação, pelos motivos a seguir.

O vírus é menos eficiente em transmissão do que o novo coronavírus 

O vírus da varíola de macaco precisa de contato próximo para ser transmitido por fluidos corporais, incluindo gotículas de saliva. Mas ele não é transmissível pelo ar, como é o novo coronavírus, causador da pandemia de Covid-19. Suspeita-se que a maioria dos casos na Europa foram transmitidos sexualmente.

A estratégia de sobrevivência do vírus é diferente 

Debate-se entre historiadores dos Estados Unidos se é verdade que o general britânico Jeffrey Amherst (1717-1797) ordenou soldados a infectar de propósito indígenas americanos com a varíola com o uso de cobertores contagiados. Isso é possível porque os ortopoxvírus são capazes de sobreviver por períodos longos nas roupas, lençóis e cobertores de pessoas infectadas e com pústulas. Isso é chamado pelo especialista em evolução de patógenos Paul Ewald, de 69 anos, da Universidade de Louisville no Kentucky, de “estratégia de sentar e esperar”. Como essa estratégia depende do ambiente, o controle do ambiente com estratégias de higiene e quarentena é altamente eficaz. Além disso, como mostrou a erradicação da varíola humana, esses vírus são muito vulneráveis às defesas imunológicas conferidas pela vacina com a tecnologia antiga de vírus inativado. A comparação com a Covid-19, cujo vírus mais se assemelha em estratégia ao da gripe por durar pouco no ambiente e evoluir rápido contra defesas vacinais, é descabida.

Já houve surto nos Estados Unidos há vinte anos e não houve epidemia 

Em 2003 houve um surto de varíola símia no meio-oeste americano, envolvendo 71 casos espalhados desigualmente por seis estados, a maioria (39) no Wisconsin. Houve zero morte e a transmissão teve como intermediários cães-da-pradaria, roedores comuns na região usados como animais de estimação. Os cães-da-pradaria por sua vez foram infectados por joaquins-doidos, que são ratos gigantes, importados da África por comerciantes de animais exóticos do Texas. O nome joaquim-doido é da Guiné Bissau, onde se fala português. Um distribuidor colocou as duas espécies juntas e 50% dos cães-da-pradaria se infectaram e mais tarde passaram o ortopoxvírus para alguns dos donos. Parte do carregamento original de 762 joaquins-doidos foi mandado para o Japão, onde nenhum caso de varíola de macaco foi detectado na época.

Além desse surto nos Estados Unidos, houve historicamente casos isolados na Nigéria (2017-2019), Reino Unido (2018 e 2021), Singapura (2019), nenhum resultando em grandes surtos. Os casos suspeitos são postos em quarentena de 21 dias, para evitar possíveis transmissões e observar progressão no quadro, se há infecção incubada.

Já temos vacina e até antiviral 

Enquanto a variante ômicron do coronavírus escapa bem das defesas adquiridas com as vacinas criadas para outras variantes, é importante lembrar que a varíola humana foi extinta com o uso de um vírus que é considerado até de outra espécie entre os ortopoxvírus. Uma vacina que pode ser usada para inocular os jovens demais para terem sido imunizados na campanha de erradicação de quatro décadas atrás é a Imvanex, fabricada pela empresa Bavarian Nordic. Esta vacina já é indicada especificamente para a varíola de macaco. Há também a vacina ACAM2000, da empresa Acambis, aprovada pela Administração de Alimentos e Drogas (FDA) americana em 2007. O CDC informa que, além dessas vacinas e aguardando testes, há ao menos três tratamentos sendo considerados, como o uso do antiviral Tecovirimat.

Os brasileiros podem estar bem protegidos 

O vírus vaccínia que forma a base para essas vacinas já causou surtos de uma doença leve em roedores e humanos no Brasil. Alguns pesquisadores acreditam que essa doença já é endêmica no país e isolaram cepas de locais como Belo Horizonte, Araçatuba e Passatempo, como informa um artigo de 2007 com autoria de Giliane Trindade, também do CDC, e colegas. A depender do número real de infectados, isso já forma uma base de imunidade natural adicional às pessoas mais velhas já vacinadas caso a varíola de macaco venha para cá.

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