Manifestantes querem realização de novas eleições, a libertação dos presos políticos e uma solução para a escassez de produtos básicos na Venezuela.| Foto: Alejandro Cegarra/The Washington Post

Nuvens de gás lacrimogêneo, chuva de pedras, queima de barricadas e lojas saqueadas: a Venezuela completa na segunda-feira um mês de turbulência nas ruas com grandes protestos contra o presidente Nicolás Maduro, sem que uma solução para a crise esteja à vista. Desde 1.º de abril, 28 morreram e centenas ficaram feridas em incidentes violentos vinculados às manifestações, pelos quais o governo e a oposição se acusam mutuamente.

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“Participo há um mês de todos os protestos porque quero que meu país se livre desta ditadura. Quero que Maduro vá embora. Queremos comida, remédios, segurança”, resumiu a cabeleireira Yoleida Viloria, 42 anos, que vive no popular bairro Petare, a leste de Caracas.

As manifestações ocorrem em uma situação muito complexa. O país com as maiores reservas de petróleo do mundo sofre uma profunda crise econômica, com escassez de alimentos e remédios, e uma inflação, a mais alta do mundo, que o FMI estimou em 720% para este ano.

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Maduro diz que seus adversários fazem “terrorismo” para provocar um golpe de Estado e uma intervenção estrangeira. A oposição acusa o governo de reprimir violentamente as manifestações. Nesta troca de acusações, a alta tensão na Venezuela complicou ainda mais as relações com vários países do continente e da Europa, além das organizações internacionais. Acusando a Organização dos Estados Americanos (OEA) de apoiar a “intervenção” e de “interferência”, a Venezuela iniciou na sexta-feira o processo de retirada do corpo e se prepara para buscar apoios na terça-feira, em uma reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em El Salvador.

Pressão nas ruas

Os protestos começaram depois que a corte suprema do país assumiu, no fim de março, as funções da Assembleia Nacional, único dos poderes controlado pela oposição. Embora o tribunal tenha voltado atrás na decisão devido à forte pressão internacional, a centelha foi acesa.

Para lembrar o primeiro mês de manifestações, os opositores desafiarão o governo com uma “grande marcha” no dia 1.º de maio, uma data que sempre foi de grandes concentrações chavistas. “Não vamos esfriar a rua. Na segunda-feira devemos demonstrar força, mostrar que os que querem se expressar nas urnas são maioria, deixar claro ao ditador que não poderá conosco”, disse Freddy Guevara, vice-presidente do Parlamento.

A pressão nas ruas não diminui. Um grupo de estudantes começará na noite deste sábado uma vigília, com velas e flores, em uma praça de Chacao – considerado reduto da oposição – que terminará na madrugada de domingo. “Eleições já” é o slogan dos protestos. Mas os opositores também exigem respeito à autonomia do parlamento, a libertação de seus ativistas presos e um canal humanitário que alivie a grave escassez que atinge o país.

Maduro, cuja gestão é rejeitada por sete em cada dez venezuelanos, de acordo com pesquisas, pediu diálogo e diz que deseja eleições, embora esteja se referindo às de governadores (que deveriam ter sido realizadas em 2016) e descartando uma antecipação das presidenciais de dezembro de 2018.

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Os pontos-chave para entender as manifestações na Venezuela

A faísca: o Supremo Tribunal – Em 29 de março, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), próximo ao poder, retirou o foro privilegiado dos deputados da Assembleia Nacional, o que os deixou expostos a possíveis penalizações. Essa decisão representou uma sanção contra o Poder Legislativo, o único controlado desde o fim de 2015 pela oposição antichavista, assim nomeada por causa do presidente falecido Hugo Chávez, que governou o país de 1999 a 2013. O Supremo Tribunal reforçou os poderes do chefe de Estado, que poderia intervir utilizando todas as medidas necessárias, sob a justificativa de assegurar a “estabilidade democrática”. No dia seguinte, o STJ decidiu assumir as prerrogativas da Assembleia Nacional, permitindo assim ao regime presidencial venezuelano a concentração de todos os poderes: executivo, militar, judiciário e legislativo. A decisão foi qualificada pela oposição como “golpe de Estado”, e culminou em tamanha indignação diplomática que o tribunal recuou em sua resolução após 48 horas da deliberação.

O objetivo: eleições antecipadas – a oposição se fixou em um objetivo principal: conseguir a saída de Nicolás Maduro do poder antes do fim do seu mandato, em dezembro de 2018. A oposição solicitou eleições gerais antecipadas por não ter conseguido realizar um referendo revogatório como era esperado inicialmente – a Justiça eleitoral do país, controlada pelo chavismo, impugnou as assinaturas conseguidas pela oposição, que eram em número suficiente para o referendo que podia encerrar o mandato de Maduro. A oposição espera, em caso de novas eleições, repetir o êxito eleitoral das últimas eleições legislativas, sob o pretexto do descontentamento atual da população em relação à política na Venezuela, um país de economia petrolífera que entrou em profunda crise econômica após a queda na cotação do produto. De acordo com pesquisas do Venebarometro, sete em cada dez venezuelanos querem a saída do presidente em exercício.

O custo: mortos e prisioneiros – quase todas as manifestações resultaram em confrontos, roubos, chuva de gás lacrimogêneo e coquetéis Molotov, envolvendo os manifestantes e as forças de ordem, que se somam à violência exercida por milícias armadas de civis encapuzados. Há registros de 28 mortes, de acordo com informações da Procuradoria, que também informa sobre centenas de feridos e detidos por distúrbios e saques. “Essas ações de resistência em relação ao ditador (Maduro) têm um custo muito elevado: mortos e prisioneiros”, declarou o vice-presidente parlamentar Freddy Guevara, cujo partido Vontade Popular tem seu líder, Leopoldo López, encarcerado desde 2014.

O futuro: negociações ou eleições – Maduro convidou a oposição a retomar o diálogo que estava congelado desde dezembro, chamando o papa Francisco para “acompanhar” essa discussão, mesmo após o fracasso da mediação do ano passado, sob auspício da Santa Sé. Para os analistas da consultoria Eurasia, “a oposição está mais unida em torno da estratégia de ir às ruas e mostra-se revigorada (...) As divisões existentes no chavismo provavelmente se aprofundaram, sobretudo perante as eleições regionais e presidenciais. As pressões vindas das ruas e da comunidade internacional têm o potencial de aumentar suas fissuras”, ressalta a consultoria. No curto prazo, os especialistas apostam em um pronunciamento do Executivo, em sinal de reconciliação, além da divulgação de uma data para as eleições regionais – que deveriam ter acontecido em dezembro e foram adiadas sem prazo final – e as eleições municipais previstas para esse ano. “Não acho possível que ocorram eleições gerais”, considerou o analista Carlos Raúl Hernández.