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O que aconteceu com a nossa vergonha?

Neste artigo, John Horvat II explora a necessária sensação de vergonha, uma das responsáveis por dominar nossos instintos mais primitivos e reprováveis.
Neste artigo, John Horvat II explora a necessária sensação de vergonha, uma das responsáveis por dominar nossos instintos mais primitivos e reprováveis. (Foto: Pixabay)

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Antigamente, sentíamos vergonha, e isso influenciava nosso comportamento. Ao refletirmos sobre uma palavra ou feito errado, sentíamos a vergonha se apoderar de nós. Ao ouvirmos uma repreensão por usarmos uma roupa indiscreta ou imprópria, sentíamos vergonha. Trair a fé, a família ou princípios já foi considerado um ato vergonhoso a ser evitado a todo custo. Sentíamos vergonha quando nos percebíamos incapazes de alcançar padrões elevados de comportamento.

Essa vergonha desapareceu. As pessoas ainda fazem coisas reprováveis e essas atitudes são até mais comuns hoje em dia. Na verdade, atitudes deploráveis já não despertam no coração vergonha ou remorso.

O motivo para isso é que já não tentamos alcançar padrões elevados de comportamento. A busca pela vergonha não faz sentido se não resolvermos como esses padrões surgem.

Falta de perspectiva metafísica

A vergonha surge de uma perspectiva metafísica do mundo. Essa perspectiva defende que a única forma de interpretar a realidade é olhar para além da existência material das coisas. Nas tradições clássica e cristã, as pessoas faziam isso na busca pelos princípios e causas das coisas.

Isso quer dizer que elas tentavam compreender a natureza das coisas e, a partir disso, extraíam princípios e formas de lidar com o mundo ao seu redor. Assim, elas desenvolveram os valores da alma encontrados na arte, filosofia e religião. Elas valorizavam essas coisas espirituais mais do que as materiais; a beleza mais do que o vulgar; a virtude mais do que o pecado.

Essa “sociedade metafísica” criou todo um exuberante corpo de ideias filosóficas, leis e princípios. As pessoas aplicaram esses ideais à cultura e costumem de suas terras. Essa visão deu origem a padrões elevados de comportamento que todos deveriam respeitar. Ela considerava vergonhosas as condutas baixas inaceitáveis, imorais ou vulgares.

A vergonha como mecanismo de defesa

A vergonha é produto de uma sociedade que prioriza a alma sobre o corpo. É um mecanismo de defesa contra tudo o que é baixo, vulgar e pecaminoso.

Em seu livro The Cunning of Freedom: Saving the Self in an Age of False Idols [A astúcia da liberdade: salvando o eu na era dos falsos ídolos], o filósofo polonês Ryszard Legutko explica como a vergonha é “a reação dos elementos mais leves da natureza humana à investida de seus instintos mais primitivos”.

A alma contida naturalmente se revolta contra seus apetites desprezíveis. Instintivamente percebemos que estamos cedendo a tentações, fraquezas e desejos maus. Nossos sentimentos se rebelam contra essas investidas. A vergonha pode até ter manifestações físicas, na forma de rubor ou de constrangimento.

Assim, quando não vivemos sob padrões elevados de conduta, sentimos vergonha por nossos feitos ou palavras ignóbeis. Quando traímos nossa fé ou família, isso deveria despertar em nós sentimentos de vergonha por nossa perfídia. Quando cometemos um pecado grave, isso dói em nossa consciência e nos faz buscarmos a penitência e o perdão.

Os benefícios da vergonha

A vergonha funciona como um sistema de alerta primitivo. Quando acionado, ele nos leva a mudar nosso comportamento. Ele representa uma luta incrível entre o certo e o errado. Essa sensação nos faz perceber a malícia de nossos atos e as consequências disso para nossa reputação.

Assim, a existência da vergonha é benéfica para a sociedade. Ela não se limita à reflexão individual; ela se estende ao que os outros pensam de nós. Muitos se sentem persuadidos a abandonarem o mau comportamento por temer a vergonha que se abaterá sobre eles, suas comunidades e famílias.

Com as barreiras da vergonha devidamente instaladas, a sociedade pode criar padrões elevados de conduta. Esses padrões acabam por criar perspectivas igualmente elevadas e feitos nobres. O medo da vergonha dá origem a costumes, modas e comportamentos que nos protegem das piores tolices de nossa natureza caída.

Essa perspectiva só é possível num mundo metafísico. O bom, o verdadeiro e o belo ocupam nele lugar de honra porque as pessoas reconhecem que existem coisas mais importantes do que o conforto.

Um mundo de materialismo vazio

Assim, a perda da sensação de vergonha hoje surge de uma mudança profunda nos valores. Nosso mundo materialista passa por cima da alma e busca apenas o conforto e os prazeres máximos.

Nosso mundo individualista transforma tudo numa obsessão pelo bem-estar e pela gratificação, a tal ponto que nos identificamos com qualquer coisa.

Nosso mundo metafísico está esvaziado, e tudo o que resta são ruínas do passado. Assim, a vergonha está moribunda e sufocada por uma terra arrasada pós-moderna, sem narrativas ou ideais. A vergonha às vezes retorna, em épocas de depressão e tédio. Mas ela é rapidamente varrida por uma cultura ruidosa e incansável que nos tenta a sermos felizes em meio ao nosso vazio.

Não é porque perdemos certos costumes ou usamos roupas diferentes que não sentimos mais vergonha. Perdemos os padrões elevados e os princípios nobres que antes controlavam nossas ações. Não vivemos mais num mundo metafísico que dá suporte à ideia de vergonha. Nossa uma rejeição da mentalidade materialista e um retorno à fé serão capazes de restaurar nossa necessária vergonha.

John Horvat II é pesquisador, educador, palestrante internacional e escritor.

© 2021 The Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês 

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