No ensaio anterior, examinei a forma pela qual três grandes poetas – Homero, Virgílio e Dante – mergulharam na vida após a morte e a sondaram, perguntando e instigando questões sobre o destino da alma humana. Vimos como Homero e Virgílio percebiam os espíritos dos mortos como menos substanciais que os seres mortais que haviam sido. Em Odisseia e Eneida, os mortos são representados como meros contornos ou sombras dos seus seres anteriores e a terra dos mortos como uma terra de sombras. Dante, por sua vez, viu algo mais que sombras além do aperto do túmulo. Somente as almas dos condenados são menos do que eram na vida mortal, meras sombras passando pela paisagem infernal, mas as almas no Purgatório estão se tornando mais sólidas com cada ato de penitência e, no Paraíso, as almas são mais sólidas e reais do que eram na sua vida mortal porque estão usufruindo agora da Presença da Própria Realidade.
C. S. Lewis era bem versado nesses três poetas, emulando-os em duas de suas obras, "O Grande Abismo" e "A Última Batalha", em ambas somos levados ao reino do além.
"O Grande Abismo" move-se do inferno ao purgatório, o qual é visto como um movimento da ilusão egocêntrica para um lugar onde o ego é forçado a enfrentar a realidade.
O inferno é representado em "O Grande Abismo" como a Cidade Cinza, um lugar onde o orgulho recebe corda suficiente para passar a eternidade se enforcando. Os condenados conseguem tudo o que querem apenas imaginando-o, o que se parece com o “céu”, por isso eles não desejam sair. O problema é que a imaginação orgulhosa está corrompida pela perspectiva preconceituosa que ela projeta sobre a realidade. É esta imaginação corrompida, perdida em seus delírios autocentrados e autoimpostos, que consegue o que quer. Em consequência, o que ela quer a torna miserável.
As almas na cidade infernal vivem um sonho que na verdade é um pesadelo. Eles viveram na mentira por tanto tempo que são escravos dela. Tornaram-se viciados em seu próprio egoísmo e, como todo vício, o viciado se torna um escravo de sua droga de preferência. Ele não pode escapar porque escapar requer enfrentar a realidade que entra em conflito com seus desejos corrompidos.
A moral da história é que a escapada requer o auto-sacrifício que o orgulho recusa. Uma vez que o orgulho é a liberdade de escolher a negação do nosso sacrifício pelos outros, ele sempre resulta em escolher a sacrificar os outros por nós. É por isso que a cidade infernal é desprovida de amor ao próximo que é essencial para toda a comunidade; é por isso que as almas da cidade infernal, detestando o próximo, vivem muito distantes uma das outras num autoimposto e miserável isolamento. Eles fizeram de sua vida um inferno e não poderia ser de outra maneira.
Na história de Lewis, a algumas almas da cidade infernal é dada a oportunidade de fazer uma viagem de um dia para o País Brilhante sabendo que podem ficar, se quiserem. Neste país, os espíritos são meras sombras porque estão na presença da realidade objetiva além do subjetivismo orgulhoso de sua imaginação. Eles são transparentes, quase invisíveis, e a grama sob os pés é dura como o diamante e dolorosa de atravessar. Eles são visitados por espíritos brilhantes, emanando luz, que são pessoas que eles conheceram na vida antes da morte. Cada espírito brilhante atrasou seu progresso montanha acima, visitando as almas perdidas que eles haviam conhecido como um ato de penitência, indicando que o País Brilhante é o purgatório. Se alguma das almas da cidade decidisse ficar, a Cidade Cinza não teria sido um inferno para elas, mas uma parte inferior do purgatório. Na caso, com uma possível exceção, todas as almas optam por retornar "ao lar" para a monotonia de seus próprios mundos de fantasia, rejeitando a realidade.
Quanto ao “lar” que escolheram, é tão pequeno e insubstancial quanto elas. Pode ser encontrado numa fenda no chão do País Brilhante. É somente uma sombra, a ausência da realidade. Ficamos sabendo que qualquer uma das almas no purgatório é maior que o inferno inteiro e tudo que há nele. Nenhuma alma penitente poderá jamais ser tragada pela boca do inferno. “O inferno não pode abrir sua boca o suficiente”. Quanto às almas dos condenados, elas se desvaneceram em invenções de sua própria imaginação orgulhosa:
Pois uma alma danada é quase nada: está encolhida, fechada em si mesma. O bem bate incessantemente sobre os condenados como as ondas sonoras batem nos ouvidos dos surdos, mas eles não podem recebê-lo. Seus punhos estão cerrados, seus dentes estão cerrados, seus olhos estão bem fechados. Primeiro eles não vão, no final, eles não podem, abrir suas mãos para presentes, ou sua boca para comer, ou seus olhos para ver.
Tendo feito uma viagem de advertência do inferno ao purgatório, explorando com C. S. Lewis, o "grande divórcio" que separa um do outro, nós iremos continuar no próximo ensaio com uma viagem alegre com Lewis para o céu que aguarda as almas de quem escolhe amar. E então, concluindo nosso tour literário pela vida após a morte, exploraremos o além com J. R. R. Tolkien.
Joseph Pearce é colaborador sênior do The Imaginative Conservative. Nascido na Inglaterra, Pearce é diretor de publicação de livros do Instituto Augustine e autor de várias obras, incluindo “The Quest for Shakespeare”, “Tolkien: Man and Myth”, “Literary Converts”, “Wisdom and Innocence: A Life of G.K. Chesterton”.
©2020 Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês.
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