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Christian Bale interpreta o ex-vice-presidente dos EUA Dick Cheney | Reprodução
Christian Bale interpreta o ex-vice-presidente dos EUA Dick Cheney| Foto: Reprodução

Biógrafos geralmente retratam os biografados ou de uma forma positiva ou como seres moralmente complexos. 

O diretor e roteirista Adam McKay optou por um caminho diferente em seu novo filme sobre Dick Cheney. Ele mostra seu biografado como um homem cruel e sem coração que personifica praticamente tudo o que há de errado com os Estados Unidos de hoje. 

“Vice” contém passagens verdadeiras o suficiente sobre Cheney para torná-lo um filme interessante. Mas minuto a minuto o filme amplia, exagera e inventa defeitos com uma leviandade quase alegre, de modo que o filme como um todo se resume a um assassinato por encomenda muito bem coreografado. 

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Na tela, vemos um homem aprisionado pelo poder e pela influência corrupta das grandes empresas petroleiras, dominado por um desejo de estar no mesmo nível da esposa e disposto a arriscar a vida e os interesses de outras pessoas em benefício próprio. É “House of Cards” sem confessar que é uma obra de ficção. 

“Vice” é quase que explicitamente não uma biografia, e sim um profundo exame da mentalidade da elite de Hollywood. O filme retrata um universo moral no qual tudo o que é ruim é republicano e que tem entre os principais pecados o petróleo, a guerra, a política masculina e a heteronormatividade. O título do filme, “Vice” (que em inglês significa também “pecado, vício, defeito”) é um sinal disso – a palavra significa muito mais do que simplesmente vice-presidente. 

O começo

A história começa em 1963, com Cheney como operário em Wyoming —um trabalho o mais distante possível da política presidencial. Ele também era um alcoólatra à beira do divórcio. Sua esposa lhe dá um ultimato: ou ele faz algo da vida ou ela vai embora. 

Esse é o momento decisivo. 

A partir daí, Cheney começa a subir lentamente no mundo da política em Washington, D.C., como funcionário do Congresso, onde ele aprende o caminho das pedras e se acostuma a dança do poder. Naquele mundo, ele se percebe surpreendentemente à vontade e alcança uma verdadeira redenção pessoal, sem levar em conta a nebulosidade moral da política. Ele recupera o respeito da esposa e sua família permanece intacta. 

A questão da redenção é o maior elogio que McKay faz a Cheney. Mas isso não dura muito. Esse tema é rapidamente ofuscado por outros temas negativos à medida que Cheney começa a perseguir as benesses do poder por si só. O filme avança repentinamente para a época em que Cheney trabalhou como Chefe da Casa Civil do presidente Gerald Ford, congressista e Secretário de Defesa. 

A essência do filme se revela quando Cheney entra para a chapa presidencial de George W. Bush, em 2000. É nesse momento que o retrato de Cheney se torna mais rude. 

Nesta época, Cheney é um CEO e um experiente operador político. Ele circula em torno de Bush, retratado como um ignorante alienado – um alvo fácil para Cheney. Aqui, o desprezo óbvio do diretor por Bush é tão evidente que dá vontade de rir. 

Numa cena decisiva antes da eleição, Cheney propõe um acordo: ele só entrará para a chapa se Bush o deixar gerenciar a burocracia federal, os militares, o setor de energia e a política externa. Bush concorda, praticamente cedendo toda as responsabilidades da presidência, aparentemente sem perceber o que fez. 

Essa cena expressa a imagem que a esquerda há muito tempo tem de Bush e Cheney: Bush como um idiota, Cheney como o espertalhão. Ainda que um retrato justo pudesse ter demonstrado alguma nuance, colocando os dois homens no mesmo nível, “Vice” cede à caricatura cansada da Bush como o menino gago do interior que não merecia ter se tornado presidente. 

Autobajulação

O filme é uma realização dos desejos de seus produtores. E é também, implicitamente, um exercício de autobajulação. Cheney é o rei dos defeitos. Todos os que a ele se opõe, portanto, são filhos da Luz. Quem diria, hein, Hollywood? 

É bem verdade que Cheney chegou a um “acordo diferente” e único com Bush quando foi vice-presidente – ele admitiu isso já no fim do mandato. Ele tinha mais poder que a maioria dos vice-presidentes e os críticos têm o direito de julgar isso. 

Mas o filme vai além e retrata Bush como um presidente-marionete que permite que Cheney exerça a autoridade real – tudo em nome da indústria petroleira. 

Esse olhar percorre o filme todo. Quando surge uma crise, é Cheney, não Bush, quem exerce o poder real. Nos atentados de 11 de setembro de 2001, Cheney assume a Sala de Emergência, controlando a situação “como um fantasma”, como diz o narrador.

“História oculta” 

Também vemos a invasão do Iraque da pior maneira possível: não baseada apenas num péssimo trabalho de inteligência, mas praticamente como uma conspiração criada por Cheney para abrir o petróleo iraquiano às empresas norte-americanas, supostamente para enriquecer. O filme menciona informações originalmente obtidas pela Vigilância Judicial por meio da Lei de Liberdade de Informação, que mostra que uma força-tarefa liderada por Cheney tinha um mapa dos campos petrolíferos do Iraque em março de 2001. Os detalhes são poucos e o contexto é limitado, mas, na mente do espectador, tudo aponta para Cheney. 

E essa é a verdadeira tragédia de “Vice”. Os espectadores não vão assistir ao filme só para se divertir, e sim para aprender “a verdadeira história oculta que mudou o rumo da história para sempre”, como promete o trailer do filme. 

Muitos chegarão às suas conclusões sozinhos. Mas se a maioria dos espectadores forem como os dois que se sentaram ao meu lado, eles resmungarão e lamentarão o mal que aparece na tela, horrorizados diante de tudo o que aconteceu. A interpretação de Christian Bale será vista como um Evangelho – ainda que o filme pareça muito mais interessado em arruinar a imagem de Cheney do que em contar a verdade sobre sua vida. 

O efeito em cadeia será uma visão para sempre alterada e distorcida de Cheney, graças ao esforço para retratar um funcionário público cheio de falhas como o próprio diabo. Isso é uma deturpação. 

Daniel Davis é o editor de opinião do Daily Signal e co-apresentador do podcast The Daily Signal. 

Tradução: Paulo Polzonoff Jr 

©2019 Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês 
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