Toda vez que houver quebradeira por causa de uma vítima com pedigree racial, anotem: acontecerá em área urbana do Sudeste ou no Sul, e o defunto não foi vitimado por traficante nem ladrão. Quem não olhar dados sobre violência achará que o Nordeste e o Norte são uma maravilha, uma vez que concentram muito mais negros e pardos do que o Sudeste e o Sul, mas os mortos só aparecem aí. Os rincões rurais deve ser tranquilos, e os soldados do tráfico, que se matam uns aos outros, devem ser todos alemães de Blumenau. Afinal, olhando os progressistas da TV e do Twitter, parece até que uma morte violenta de um adulto violento é uma coisa excepcional, em vez de rotineira.
Dizem que quebram tudo por se importarem com “vidas negras”. Aspas, porque eu não estou disposta a dizer que tenho uma “vida branca”, nem uma “vida baixinha”, nem uma “vida de cabelo liso escorrido”, nem uma “vida com sangue negro”, muito embora eu seja branca, baixinha, com cabelo liso escorrido e tenha sangue negro. Se eu não me chamo de vida branca, vou chamar o negro de vida negra por quê? E se eu me chamar de vida branca, por que não vou me chamar de vida baixinha?
Algum filósofo do Iluminismo escocês, não me lembro se David Hume ou se Adam Smith, fez uma consideração muito astuta sobre a natureza humana e suas paixões: se soubéssemos que uma catástrofe abateu muitas vidas do outro lado do mundo, ficaríamos tristes, mas não perderíamos o sono por isso. Por outro lado, se fôssemos para a cama com a notícia de que no dia seguinte iriam amputar um dedinho nosso, ficaríamos aflitíssimos, e dormiríamos muito mal. Mesmo considerando que nosso dedinho vale muito menos do que as muitas vidas do outro lado do mundo.
É da constituição humana, afinal de contas, termos nossas emoções muito afetadas por coisas que nos são próximas, independentemente do quão humanistas e universalistas sejam os nossos valores. E como ficar chorando aqui não muda a vida de ninguém do outro lado do mundo, não há nada de errado nisso. Que bom que conseguimos ler estatísticas e notícias de homicídios sem ficar pranteando; do contrário, ficaríamos ou muito mal informados, ou muito deprimidos… Ou as duas coisas!
Assim, quando o puxadinho brasileiro do Black Lives Matter diz que está em prantos por causa do “marido errático” falecido, é claro que mente. Está procurando um pretexto para a quebradeira, e deve ter até ficado feliz quando encontrou um George Floyd para chamar de seu. Melhor, só se o marido errático fosse preto retinto, e o segurança fosse um louro.
Paixões e valores
Ainda que durmamos tranquilamente após um maremoto na Indonésia, temos toda a certeza de que aquelas vidas todas valem mais do que um dedinho nosso. Se houvesse um Deus dos mares que suspendesse o maremoto mediante um dedinho nosso em oferenda, perderíamos o sono e daríamos o dedinho. Independentemente do nosso estado de espírito, temos valores e convicções acerca dos quais raciocinamos, e com os quais embasamos os nossos raciocínios. Assim, embora não fiquemos arrasados com a morte do “marido errático”, como se fosse um conhecido nosso, temos toda presteza em admitir que é uma ótima ideia cobrar do Carrefour uma responsabilidade maior na contratação de seguranças, porque aquilo que aconteceu é errado. Sai algo de útil da pressão? Não.
Eis que o representante do Carrefour se defende em idioma progressista, reconhecendo-se um homem branco opressor e garantindo que vai ampliar a “diversidade” da empresa (o que, em progressistês, é o mesmo que cota racial). Então ficamos assim: na próxima vez que morrer alguém espancado por um segurança despreparado do Carrefour, vamos aferir a quantidade de melanina. Sendo branco, ok, bota na conta da dívida histórica. Sendo negro, ao menos ele terá sido morto com “diversidade”. Como “representatividade” importa, o assassinado ficará muito feliz ao ver que seu assassino o representa, pois tem uma quantidade satisfatória de melanina assim como ele. As pessoas serão rotuladas brancas ou negras, negro mata negro, e branco mata branco. Não é uma beleza? Muito antirracista e empático!
Enquanto isso, o Carrefour continua na sua branquitude irremediavelmente opressora — conformismo é isso — e a ONG do Frei David ganha uma oportunidade de encher os bolsos. Deixa o Carrefour contratar negros para matar negros. Se nenhum negro for assassinado, de onde a Educafro tirará dinheiro? Viva a justiça social!
Efeitos práticos
Não é necessário ser nenhum Sherlock Holmes, nem doutor em ciências sociais, para saber que muita morte é causada no Brasil pelas drogas. Há o drogado que mata por uma ninharia para sustentar o vício, e há um sem número de guerrilhas urbanas, com facções disputando na bala as bocas de fumo nas favelas, matando policiais e espalhando balas perdidas.
Tribunal do tráfico, Estado paralelo, lei do silêncio: tudo isso é conhecido. O que não é enfatizado é que esse Estado paralelo não é uma democracia. É uma ditadura. Impõe toque de recolher, controla que entra no território, oprime o cidadão das favelas. O narcotráfico tem um custo humano exorbitante.
O progressista até concorda com isso, mas daí infere que é preciso descriminalizar todas as drogas, e então, magicamente, o tráfico não terá mais controle territorial, e escolherá pagar impostos de bom grado. Isso sem nem mencionarmos que não está ao alcance do Brasil descriminalizar a cocaína, pois ela é produzida em países onde é ilegal. Mais em específico, a cocaína e o crack têm sido usados pelo chavismo para sustentar a sua ditadura.
Podemos focar na maconha: de fato, é pensável um comércio legal no Brasil, porque nasce em nosso país e em democracias onde é legalizada. Digamos que a maconha deva ser legalizada. Ainda assim, o fato incontornável é que ela é ilegal agora, e que cada centavo gasto com maconha agora equivale a um centavo dado às ditaduras das favelas. Cadê o amor às “vidas negras” e à democracia?
O consumo de carne não é criminalizado, mas um sem-número de progressistas vira vegano ou vegetariano por razões alegadamente éticas. Parar de comprar drogas enquanto elas significarem o financiamento do narcotráfico, porém, está fora de cogitação. Há mais piedade para uma galinha do que para um favelado.