Imagine que você é um ditador que decide tudo acerca de todas as construções em São Francisco, e pediram seu parecer sobre o projeto de um novo edifício. Qual seria a sua principal preocupação?
Se você for razoavelmente competente e bondoso – o que é raro, considerando o histórico de ditadores que o mundo já viu! –, é provável que coloque o quesito de “preço acessível” no topo da sua lista. A população de São Francisco e região está carente de novos empreendimentos habitacionais a preços acessíveis: hoje, o preço médio de uma casa na cidade da costa oeste norte-americana é pouco mais de US$ 1,6 milhão, o que corresponde a mais de 16 vezes a renda familiar média.
Moradia a preços acessíveis é um grande problema não só para pessoas de classe média, mas também para os executivos de tecnologia do Vale do Silício, que temem que potenciais funcionários altamente produtivos estejam procurando outro lugar para construir uma carreira, sem mencionar o fato de que o mercado imobiliário os obriga a pagar salários mais altos para todos os funcionários.
Outros lugares do país têm enfrentado esses problemas, especialmente destinos de férias, como Aspen, no Colorado, mas não é comum que uma grande cidade se torne, por inteiro, tão inacessível. Até mesmo Nova York tem seus enclaves mais acessíveis, sem os quais muitos setores da economia – da alimentação ao mercado editorial – teriam problemas enormes de capital humano.
Mas se apresentassem a você, ditador dos edifícios de São Francisco, um projeto para a construção do condomínio mais barato que pudesseser construído (para fins do nosso exercício de imaginação, não existe uma lei específica sobre construção), você provavelmente teria que rejeitá-lo, porque faltariam alguns itens de segurança e saúde que a maioria de nós considera essenciais. O prédio provavelmente não seria muito atraente nem muito eficiente em termos de economia de energia. Tampouco seria muito confortável para se morar.
Para um outro ditador, talvez o item mais importante não fosse o preço, mas a eficiência energética. Porém, se lhe apresentassem um projeto do edifício mais eficiente em termos energéticos, ele provavelmente teria que rejeitá-lo, porque também ali faltariam coisas que a maioria de nós considera essencial, como janelas.
E se colocássemos a segurança e ou a saúde em primeiro lugar? Podemos dizer que queremos o preço mais acessível, desde que compatível com a segurança e a saúde. Entretanto, mesmo as preocupações aparentemente mais óbvias, como segurança, acabam nos colocando em um dilema: em algum momento haverá qualquer tipo de melhoria na segurança que nos obrigará a fazer concessões no custo, na eficiência energética ou em algum outro critério que, a nosso ver, parece excessivo ou não razoável.
Na verdade, esse imaginário ditador da habitação – que define uma série de coisas que são de fato importantes na concepção de um projeto como este – pode decidir arbitrariamente: preço, saúde ou segurança (que podem muito bem incluir preocupações que vão desde incêndio a terremotos, passando por assaltos e terrorismo); a eficiência energética; a acessibilidade para pessoas com deficiência; o conforto e a estética; ou ainda externalidades como o tráfego e o estacionamento, os possíveis efeitos colaterais sobre o comércio e os moradores da vizinhança, o acesso a serviços públicos e tantas outras coisas.
Algumas dessas preocupações são complementares: um edifício mais eficiente em termos energéticos vai exigir menos dos provedores de serviços públicos; um edifício que está bem integrado com a rede de transporte público vai precisar de menos estacionamento e causar menos impacto no tráfego; e assim por diante.
Mas outras preocupações não deixarão de existir: muitos edifícios bonitos sacrificam a eficiência energética em função da estética; alguns itens de segurança e acessibilidade consomem energia e dinheiro; a diferença de custo entre construir um edifício que seja muito durável em um terremoto e outro muito, muito durável mesmo em um terremoto pode ser alta demais.
Todas essas compensações impõem custos, alguns dos quais podem não ser óbvios até que você se depare com uma circunstância incomum ou extrema. Não havia nada defeituosono projeto das torres do World Trade Center, que muito provavelmente ainda estariam lá se tivesse ocorrido um incêndio comum ou outro tipo de ataque terrorista. No entanto, elas não foram projetadas para resistir a aviões voando em sua direção, mesmo que essa questão tenha sido, estranhamente, levantada quando o projeto estava sendo concebido na década de 1960.
Então, você quer que seu prédio seja acessível, mas também quer que ele seja seguro – contra o quê? Incêndios comuns? Ataques terroristas? Meteoros? Terremotos? Ok. Um terremoto em que escala? Você quer que ele seja ecologicamente sustentável, mas também quer que seja atraente e confortável. Você quer poucas entradas por questão de segurança, mas um número suficiente de saídas para as pessoas deixarem o prédio rapidamente durante um incêndio.
Trata-se de apenas um único prédio, e as questões se acumulam a ponto de torná-lo bastante complicado por si só. Quando consideramos todo o universo habitacional de uma cidade como São Francisco, o problema fica exponencialmente mais complexo. Como os moradores locais costumam nos lembrar, a Baía de São Francisco tem uma enorme concentração de inteligência, experiência em engenharia, capital humano e também capital financeiro.
Porém, se considerarmos todos esses recursos, a região não tem feito progressos em sua meta de tornar a moradia mais acessível. E não há nada absurdo por trás disso: trata-se de um problema complexo, que não deixaria de existir se todos tivessem exatamente as mesmas preferências e prioridades – o que, como se vê, não é o caso.
Tudo isso para dizer: as razões pelas quais pessoas querem colocar ditadores à frente de problemas difíceis e complicados são as mesmas que fazem com que seja uma péssima ideia colocar ditadores à frente de problemas difíceis e complicados.
Se projetar um prédio de apartamentos já é uma tarefa complexa, então qual seria o grau de complexidade da tarefa de conceber, por exemplo, um sistema nacional que regulamente e subsidie empresas de saúde, prestadores de serviços médicos, empregadores, governos estaduais e todos os 327,2 milhões de habitantes de um país do tamanho dos Estados Unidos, de uma maneira que otimize pelo menos algumas centenas de critérios principais que, em muitos casos, são incompatíveis entre si?
E o quanto mais complexo não seria tentar reorganizar a totalidade da atividade econômica humana na busca simultânea das metas de justiça social e preservação ambiental, envolvendo fatores concorrentes tão complexos que as relações entre eles são simplesmente incompreensíveis?
Os mesmos políticos e burocratas de quem esperamos a garantia de justiça para a totalidade da espécie humana, sem deixar de lado a otimização da vida material humana de acordo com certas metas ambientais vagamente definidas, não conseguem definir como construir um prédio de apartamentos em São Francisco – o que, na realidade, não implica solucionar o problema de habitação na cidade, mas definir como outras pessoas, que querem usar seu próprio dinheiro, devem construir esses prédios.
O governo federal não consegue nem mesmo garantir com alguma certeza quantos programas administra atualmente. Não pergunte aos auditores para onde foi o dinheiro.
Nenhuma pose no Instagram – queixo para cima e declarações de urgência moral – vai solucionar os problemas diante de nós ou tornar inoperante a máxima de Kant segundo a qual “dever implica poder”. Os adjetivos “ambicioso”, “inspirador” e “audacioso” deveriam ser vistos com receio por aqueles que valorizam coisas chatas como razão, responsabilidade – e realidade.
Tradução de Ana Peregrino.
©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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