Pouco mais de um ano e meio foi o tempo necessário para a chinesa China Tree Gorges, dona da maior hidrelétrica do mundo, a usina de 3 gargantas, adquirir usinas no Brasil que juntas a tornaram a maior produtora de energia privada no país, ultrapassando os franceses da antiga Tractabel, há décadas no país.
Casos como estes não são nem de longe uma exceção — pelo contrário. Os chineses, que já levaram o controle do aeroporto do Galeão, parte significativa da companhia aérea Azul, firmaram acordo para operar parte da Comperj, a maior refinaria do país, e se preparam para levar a operadora de telefonia Oi, têm feito cada vez mais negócios bilionários por aqui.
Apenas no Rio de Janeiro, sede da Oi e da Comperj, os chineses planejam investir R$ 30 bilhões. São outros R$ 10 bilhões em trens urbanos na região metropolitana de Porto Alegre, além de outras dezenas de bilhões país afora. Segundo o próprio governo chinês, serão US$ 20 bilhões em aquisições ao longo de 2017, volume igual a soma dos últimos 2 anos.
No agregado, tudo isso tem uma explicação muito simples: a China é hoje um dos países com maior liquidez no mundo (grana em caixa, em português claro), e tem se esforçado para utilizar estes recursos para ampliar sua presença no mundo e movimentar sua própria economia, fornecendo equipamentos para a construção de todas estas obras.
O que parece muito por aqui, porém, é apenas uma fração daquilo que os vizinhos do país asiáticos têm presenciado. A exceção do Japão, o sudeste asiático é hoje um canteiro de obras chinês por onde quer que se olhe. A nova rota da seda, referência a primeira grande ligação dos chineses com o Ocidente, é parte de um projeto ousado, que planeja investir US$ 1 trilhão para tornar o país ainda mais atuante no comércio global.
O resultado até aqui, tem sido uma espetacular demonstração de maturidade no desenvolvimento de uma logística interna, capaz de tornar as indústrias chinesas cada vez mais competitivas. Para se ter uma ideia, apenas o 8º maior porto chinês movimentou em 2015 mais carga que todos os portos brasileiros somados.
Infraestrutura esta que se manifesta sob diversos aspectos. Não apenas os chineses tem sua própria gigante do comércio internacional, capaz de rivalizar com a Amazon, o Alibaba, como também uma das start ups mais promissoras do mundo na área financeira.
Dona do app de mensagens mais conhecidos do país, o WeChat, a Tencent convenceu os chineses de que seria muito mais prático utilizarem o mesmo app para realizar pagamentos entre usuários.
Hoje, apenas este app gira US$ 1,8 trilhão por ano em ordens de pagamentos, coisa de duas vezes o total gasto no Brasil com cartões de crédito e débito. São pagamentos feitos até mesmo para as tradicionais barraquinhas de comida que ocupam os centros das grandes cidades.
Revolução
Você talvez esteja se perguntando no que tudo isso impacta a vida do cidadão médio, além do dono da barraquinha que agora pode vender muito mais com maior segurança de que irá receber, mas a realidade é que absolutamente tudo que ocorre em grande escala na economia chinesa tem tido impacto significativo nos seus cidadãos.
Do país que há cinco décadas enfrentou uma das piores crises de fome da história da humanidade para uma economia moderna acostumada a disputar de igual para igual o controle de grandes empresas internacionais produtoras de tecnologia e infraestrutura, os chineses percorreram um longo caminho, bastante similar àquilo que você deve se lembrar na escola como revolução industrial.
Assim como na mesma revolução industrial inglesa, as condições de trabalho dos chineses eram, e ainda são em alguns casos, bastante incompreensíveis para padrões brasileiros, acostumados a um estado sempre atuante e a padrões rígidos para dignificar o trabalho.
Ocorre que como naquele mesmo caso inglês, ou ocidental propriamente dito, o resultado tem sido uma brutal expansão de produtividade.
Há meras três décadas, um trabalhador brasileiro produzia nada menos do que cinco vezes mais riqueza que um trabalhador chinês. Hoje, este número é apenas 5% maior.
E como manda a regra na economia quando o assunto é salário: a produtividade sempre norteia os rendimentos. Isso não significa que todo ganho de produtividade se converta em salários maiores, há entretanto uma forte correlação que permite aos trabalhadores extraírem ganhos significativos.
Some a isto um fator primordial em qualquer equação de crescimento econômico, a educação, e você verá que não é difícil entender que até mesmo nisso pecamos — e muito.
Não mais do que quatro anos atrás, decidimos que importar iPhones e produtos eletrônicos não era uma boa ideia. Tínhamos grana para construir uma fábrica tal qual a maioria destas fábricas chinesas que produz o aparelho. Por que não fazer nosso próprio iPhone? Eis a dúvida que levou o governo brasileiro a convidar a gigante Foxxcon para instalar uma fábrica destas no interior de São Paulo.
O resultado? A fábrica fechou as portas por falta de engenheiros. Bilhões desperdiçados por construirmos uma casa sem fazer o alicerce.
Entre todos setores, a média de salários chineses saltou de US$ 1,5 por hora para US$ 3,3 por hora entre 2005 e 2015. No mesmo período, os salários brasileiros caíram de US$ 3,4 para para US$ 3.
Na média industrial, a situação é ainda mais complicada. Por aqui o que era US$ 2,9 em 2005, se tornou US$ 2,7 em 2015. No mesmo período, os chineses viram seus salários crescerem de US$ 1,2 para para US$ 3,6, ou 70% da média salarial de um português.
Ainda no mesmo espaço de tempo, os chineses se tornaram em média 8,7% mais produtivos, ao ano, contra 1,1 % da média dos brasileiros.
Estagnação brasileira
Como qualquer média, nossa produtividade tem alguns problemas. Por aqui, a indústria de extração sustenta praticamente todo ganho de produtividade industrial. Em outras palavras: nos tornamos mais produtivos (produzimos mais com a mesma quantidade de capital e trabalho), explorando minério de ferro do que produzindo bens de consumo por exemplo.
Estamos há quase quatro décadas sem saber o que é produzir mais. Nossos ganhos em crescimento econômico tem sido portanto uma mera alocação de pessoas que antes trabalhavam em setores menos produtivos, como agricultura, para setores mais produtivos como industria e serviços.
A despeito da aparente melhora porém, a situação geral no Brasil pouco muda há décadas, e nestes casos não há boa vontade de político que dê jeito em aumentar os ganhos reais dos trabalhadores.
Mesmo em períodos de bonança econômica, nos tornamos ricos por fatores alheios a nossa própria capacidade de produzir melhor os bens que nos dispomos a criar. Entre 1992 e 2002 por exemplo, a produtividade total dos fatores, que inclui acréscimos de capital por meio de poupança, não subiu mais do que 0,87%. Entre 2002 e 2011, ganhamos 0,47%.
Crescimento artificial
Afinal, o que explica então o fato de termos crescido muito na ultima década?
Na prática, nosso crescimento se deu por agregar mais capital, e colocarmos pessoas antes desempregadas para trabalhar.
Tudo isso apesar da aparente sensação de melhora nos mantém em uma mesma situação: é cada vez mais difícil melhorar a situação de cada indivíduo no chão de fábrica.
Para a propaganda oficial porém, isso gera certo ganho. Como temos pouca poupança interna e não temos um ambiente jurídico muito favorável ao investimento externo, acabamos tendo como saída para aumentar a produção apenas contratar mais pessoas. Resultado? Um aparente pleno emprego.
Vimos neste período o preço da soja e do minério de ferro saltarem quase cinco vezes. Embolsamos a grana extra que caiu na conta e distribuímos em crédito para a população. As bases do nosso crescimento, porém, pouco mudaram.
Ao contrário dos chineses, investimos pouco em infraestrutura. Sequer permitimos que um terminal portuário seja construído sem que antes uma licitação tenha de ser feita e a concessão aprovada pelo congresso.
Falta de competitividade
Abrir um negócio na China pode ser até cinco vezes mais rápido do que no Brasil, e a despeito de não sermos em tese controlados por um governo central como os chineses, ainda temos inúmeros resquícios de controles que afastam investidores estrangeiros.
Grandes empresas de papel e celulose por exemplo, são impedidas de atuar no país por não poder adquirir terras por aqui. Beneficiamos com isso empresas como a Eldorado, dos irmãos batista, em detrimento de uma competição que aproveite do nosso potencial na área.
Impedimos companhias aéreas estrangeiras de entrarem no Brasil e popularizarem a aviação regional, favorecendo um setor cartelizado como o de ônibus interestaduais. Ao mesmo tempo, criamos leis que permitem jovens andarem de graça nestes mesmos ônibus, encarecendo passagens aos demais usuários.
Reagimos contra inovações como uber e ainda seguimos apostando que a despeito de tudo que sabemos sobre as relações de empreiteiras com governantes, a melhor saída para o trânsito é sempre um novo túnel ou viaduto.
País dos subsídios
Casos como estes, que você já deve estar cansado de presenciar no seu dia a dia chegam a uma invariável conclusão: há gente demais recebendo o seu salário, e certamente não é você.
Concentramos renda como poucos, e no fim, esperamos que o mesmo governo concentrador de renda venha para no salvar dos efeitos nocivos incentivados por ele.
Aceitamos de bom grado uma CLT rígida que nos dê uma mínima sensação de segurança em meio ao mar de insegurança que o país se tornou para qualquer um que queira desafiar tudo isso e empreender.
*Felippe Hermes é um dos fundadores do site Spotniks