O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes| Foto: EVARISTO SA/AFP

O TSE protagonizou na semana passada o epílogo de uma novela iniciada vinte e nove meses atrás. Três meses após perder a eleição para o PT, o PSDB ingressou com ação por abuso de poder político e econômico, doações ilegais e uso de recursos desviados da Petrobrás na campanha de reeleição de Dilma Rousseff. Um processo que levou tanto tempo, pela relevância do que viria a decidir, acabou ameaçando mais o governo de Michel Temer do que o da própria Dilma, que acabou apeada do poder por outro processo, o impeachment. Acostumada pelas circunstâncias a acompanhar sessões do Congresso e audiências do STF, dessa vez a audiência do brasileiro estava focada em outro plenário, o do Tribunal Superior Eleitoral, de onde conheceu as novas “celebridades” da República, os ministros Herman Benjamim, Tarcisio Neto e Napoleão Nunes. 

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Instalado por Getulio Vargas dois anos após o golpe de 1930, o Tribunal Superior Eleitoral é uma peculiaridade brasileira. Em seus 85 anos de existência evoluiu para um órgão que não apenas julga questões eleitorais como também administra todo processo de cadastramento de eleitores e votação.

Para isso, apenas o TSE conta com um orçamento para 2017 de R$ 1,969 bilhão e uma estrutura que envolve 871 servidores além de uma legião de terceirizados que ocupam os 115 mil metros quadrados da suntuosa obra projetada pelo escritório de Oscar Niemeyer e construída pela OAS. O prédio foi inaugurado em 2011 com um custo superior a 300 milhões de reais. Para atender toda essa estrutura, apenas copeiros e garçons são 44. Ainda conta com 64 estagiários de áreas tão distintas quanto enfermagem e arquitetura. 

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Ideia copiada do Uruguai

Para Vargas, na década de 1930, a ideia de uma Justiça e um Tribunal Superior Eleitoral fazia muito sentido. Ela teria sido copiada por ele do Uruguai, que resolveu com uma Justiça específica na década passada para as disputas oligárquicas entre Blancos e Colorados. Partidos que sempre contestavam a vitória alheia.

“O Brasil a copiou em 1932, a aboliu em 1937, até porque o Getúlio nunca gostou muito de eleições, e a reinstituiu em 1945 e temos o monstrengo inoperante até hoje. Há outros países latino-americanos com estruturas semelhantes, mas nenhum país com estruturas democráticas consolidadas têm algo parecido. E o país que tem a democracia mais longeva da América Latina, a Colômbia, não a tem”, conta o advogado e Mestre em Filosofia Laércio Lopes Araújo. 

O TSE tem sua corte composta por sete ministros, três deles com origem no Supremo Tribunal Federal de onde sai também o presidente da casa, atualmente o ministro Gilmar Mendes. Outros dois ministros são do Superior Tribunal de Justiça. Além de dois advogados. Todos eles eleitos para mandatos de dois anos. Uma rotatividade que na teoria serviria para manter a idoneidade das indicações, mas que também ressaltam mudanças de postura da corte ao longo dos governos. O andamento da ação concluída esta semana é indicativa desse fenômeno.

Em 2015 a relatora do TSE era a ministra Maria Thereza de Assis Moura, indicada ao STJ pelo presidente Lula em 2006. Ela negou o pedido do PSDB para a cassação da chapa Dilma-Temer. Decisão que acabou revertida pelo plenário do Tribunal em outubro.

Em 2016, enquanto a Câmara já discutia em comissão o impeachment, Dias Toffoli, que presidia o TSE e que também foi indicado por Lula ao cargo no STF, unificou as ações sobre o assunto e tirou o segredo de Justiça do processo.

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Mudança de opinião

Isso dois meses antes de deixar a presidência que seria assumida por Gilmar Mendes, ministro do STF indicado por FHC, do PSDB. Mendes chegou a opinar na época sobre uma das questões em debate: “É bastante plausível antever, sem o concurso de maiores elucubrações, enormes chances de fraudes, à mercê de subterfúgios tão deploráveis e ultrajantes quanto o uso de caixa dois, quase sempre ligado, de uma forma ou de outra, a organizações criminosas cujo único objetivo é o locupletamento próprio às custas de verbas públicas que deveriam servir unicamente a financiar o bem comum”.

Um ano depois, com o processo prometendo mais estragos ao governo Michel Temer que a carreira política de Dilma, Gilmar ficou mais ponderado: “Há exageros. Às vezes, por questões pequenas cassamos mandatos. É preciso moderar a sanha caçadora, porque de fato você coloca em jogo outro valor, que é o valor do mandato. O valor da manifestação popular certa ou errada”. 

“O julgamento que vemos foi mera pantomima, mas com um agravante, a população inteira do país está vendo que se você for corrupto e poderoso, as provas do crime podem ser notórias, mas o direito sempre encontrará um jeito de inocentá-lo. Não resta nada muito bom de todo este processo”, resume o mestre em filosofia Láercio Araújo. 

Mas há quem veja virtude nesse sistema e justifique a necessidade de uma Justiça específica. Para o professor de Direito Daniel Casella, que também atua em ações eleitorais, “o juiz tem de estar preparado para tomar decisões que privilegiem não as partes, mas a sociedade. Garantindo também estabilidade institucional. São mediações de problemas completamente diferentes dos que habitualmente o juiz lida”. Casella, contudo, cita a agregação de atribuições executivas como desvio da Justiça Eleitoral. “Juntamos um monte de coisas de outros países aparentemente compatíveis. Isso leva ao que está acontecendo hoje. O Judiciário administrando e legislando”, critica. 

 

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Como é nos EUA e França 

Apesar de despertar ufanismos de quem está envolvido com o processo eleitoral no Brasil, nosso sistema não encontra similares pelo mundo. Democracias mais antigas e robustas têm sistemas bem diferentes. E nenhuma com uma Justiça específica para tratar dessas questões. Nos Estados Unidos, com uma federação perfeita em funcionamento, os estados têm liberdade para regular suas eleições. Inclusive a participação do Estado na eleição federal, com cédulas e horários de votação próprios.

Quando há algum imbróglio nesse processo, cortes específicas julgam casos relativos a campanhas políticas e ao processo eleitoral. A mais famosa dessas ocorrências ocorreu na disputa entre Al Gore e George W. Bush em 2000 na Flórida. Todo o país acompanhou por um mês enquanto o estado recontava os votos. E mesmo com a maioria alcançada por Al Gore, esta não foi suficiente para compensar o coeficiente eleitoral previamente estabelecido para a Flórida na soma total. George Bush foi confirmado presidente pela Suprema Corte sem maiores críticas de Al Gore. 

A França também possui um sistema diferente. O trabalho administrativo de organizar as eleições é feito pelo Ministério do Interior. Equivalente ao nosso Ministério da Justiça. Em caso de questões judiciais envolvendo o processo na esfera federal, o Conselho Constitucional, o equivalente ao Supremo Tribunal Federal é que examina e julga os litígios e proclama resultados. Já as eleições departamentais e municipais, as decisões são pelo Tribunal Administrativo.

Mesmo não possuindo uma justiça própria para essas questões e prazos específicos para decisões que envolvam o processo eleitoral, a rapidez como as decisões são tomadas é surpreendente. Quando se trata de algum referendo, o Conselho Constitucional se pronuncia em até três dias para permitir a proclamação do resultado.

Em outros casos as decisões levam mais tempo. Nas eleições legislativas de 2007 que ocorreram em julho, o Conselho Constitucional foi acionado em 592 demandas. O último caso julgado aconteceu em 17 de janeiro do ano seguinte. Portanto, sete meses após a eleição.

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Tivesse nosso TSE julgado apenas a ação da chapa Dilma-Temer nessa velocidade, a decisão teria sido tomada quatro meses antes do pedido de impeachment contra a presidente ter sido protocolado na Câmara dos Deputados em 2015.