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Walt Disney durante viagem a Barcelona, em 1957.
Walt Disney durante viagem a Barcelona, em 1957.| Foto: EFE/Carlos Pérez de Rozas

Provavelmente nenhuma figura isolada dominou a cultura popular Americana durante tanto tempo como Walt Disney,  um homem engenhoso, criativo, inegavelmente brilhante e de extrema generosidade, atuando como colaborador ativo de inúmeras associações em prol da vida e sendo considerado como um dos maiores filantropos de sua época.

Segundo uma estimativa, só em 1966, o ano de sua morte, 240 milhões de pessoas viram um filme de Disney, 100 milhões de espectadores assistiram a um programa de televisão da Disney, 80 milhões leram um livro Disney, 50 milhões ouviram os discos da Disney, 80 milhões compraram uma mercadoria Disney, 150 milhões leram revistas em quadrinhos da Disney, 80 milhões viram um filme educativo da Disney e quase sete milhões visitaram a Disneylândia.

Nada mau para o garoto pobre que passou a infância na pequena e charmosa cidade de Marceline, homenageada e imortalizada por ele na rua principal da Disneylândia, e que trabalhou muito desde cedo, seja entregando jornais, seja sendo piloto de ambulância na Primeira Guerra Mundial ou tentando de porta em porta emplacar seus personagens e suas ideias.

Sua admirável trajetória de menino humilde para uma das figuras mais importantes e influentes do século em que viveu, o colocou num pedestal muito maior que o de qualquer chefe de Estado, pois até em terras “inimigas” da América, como a antiga União Soviética, Walt era vangloriado.

Para se ter uma ideia de seu total desprezo em obter cargos públicos, certa vez o autor de 'Fahrenheit 451', Ray Bradbury, sugeriu ao amigo que concorresse à prefeitura de Los Angeles, já que poderia assim utilizar suas inovações tecnológicas, como o Monorail — monotrilho que criou para Disneyland —, para salvar a cidade do caos urbano, porém Walt respondeu, com seu tradicional bom humor:

"Por que eu deveria concorrer para prefeito, quando já sou rei em meu reino?"

O estúdio Disney produziu grandes fábulas maniqueístas e inspiradoras, tanto para agendas liberais quanto conservadoras, pois em seu vasto repertório não há discursos partidários definidos e embutidos nas histórias. Evidente que alguns episódios de 'Silly Symphony', mais especificamente 'O gafanhoto e as formigas' e também 'A tartaruga e a lebre', promoviam valores tradicionais como o trabalho, dedicação à família e acima de tudo disciplina, o que implicitamente, na mente de algumas pessoas com viés mais voltado para a esquerda, poderiam ser consideradas histórias que se direcionavam exclusivamente a públicos mais conservadores, com foco na meritocracia, o que muitas das vezes ia na contramão do que o comunismo pregava, já que por meio de mecanismos doutrinadores subordinava a individualidade em prol do coletivismo.

Ao produzir obras onde o bem sempre vence o mal e ser bom é algo recompensador, Walt acabou despertando o ódio em alguns poderosos e até ditadores, como Adolf Hitler, que em 1937 tentou até banir Mickey Mouse dos cinemas da Alemanha.

Considerando-se apolítico, apesar de seguir um viés mais conservador, Walt nunca foi reacionário, pois participava voluntariamente como convidado de honra em eventos de cunho comunista, como o 25º aniversário da União Soviética. Ele também colaborou por diversas vezes com anúncios no Daily Worker, jornal esquerdista, além de  prestar homenagens em tributos à cartunistas de esquerda, como Art Young.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Walt Disney teve seu estúdio completamente tomado pelo exército americano, que o obrigava a fazer desenhos animados de cunho militar, pagando infinitamente bem menos do que o real valor das produções, não lhe dando muitas opções: era pegar ou fechar definitivamente as portas da empresa.

No pós-guerra, diante da crise, Disney chegou a produzir até filmes institucionais, entre eles um sobre a história da menstruação e outro sobre a prevenção de doenças venéreas, como sífilis e gonorreia, todos exibidos antes das atrações de Hollywood nas salas de cinema, mas foi mesmo em 1941 que enfrentou uma de suas maiores crises profissionais, quando seu estúdio entrou em greve durante diversas semanas, a ponto de quase falir. O movimento foi promovido por líderes sindicais, especialmente pela figura de Herbert Sorrell, Big Boss do sindicato, que não apenas intimidava fisicamente funcionários que se recusavam a participar da greve, como também promoveu um verdadeiro assassinato de reputação contra o respeitado homem que dava nome ao estúdio. 

Este fato motivou Walt a participar, como “testemunha amigável” no Comitê de Atividades Não Americanas, em Washington, DC, para declarar sua crença de que o infame ataque era fomentado por comunistas que tentavam difamá-lo e destruir seu estúdio. Em depoimento, Walt poupou e defendeu todos os seus funcionários, mas com coragem declarou que Herb Sorrell era comunista e que este o havia chantageado, ameaçado e prometido manchar sua reputação e a de sua empresa.

Numa Hollywood dominada pela esquerda, o gesto defensivo de Walt não repercutiu muito bem, o que o colocou na mesma trincheira que os demais acusadores de supostos comunistas. A assembleia nada mais era do que um palco perfeito para alavancar políticos ambiciosos, já que Hollywood era o centro das atenções e o local de onde surgiriam as manchetes que os colocariam no topo, como guardiões da boa moral contra personagens que tentavam, de acordo com a narrativa da comissão, destruir o país. Walt foi apenas um dos pratos da casa e talvez, ingenuamente ou não, entrou no jogo, o que motivou seu rival Sorrell a dar o contragolpe.

Aproveitando de toda sua influência junto à imprensa americana, um dos braços fortes da esquerda, o sindicalista deflagrou seu processo de destruir a reputação de Walt Disney, primeiramente criando um conflito com a League of Women Voters,  um grupo de mulheres que Walt jamais havia feito uma crítica sequer e até apoiava diretamente. Mas Sorrell queria mais e junto de seus comparsas jornalistas criou a falsa narrativa de que Walt Disney era antissemita, uma acusação sem sentido algum, já que além de empregar muitos judeus e ter vários deles em seu pequeno e seleto núcleo de amigos, Walt também contribuía muito generosamente com as diversas organizações de caridade judaicas, entre elas o Asilo de Órfãos Hebreus da Cidade de Nova York, o Yeshiva College, o Lar Judeu para Idosos e até a Liga Americana pela Palestina Livre (apesar do nome parecer contraditório hoje, na época era uma organização que buscava a criação de um estado judeu na região).

A própria Liga Anti-Difamação de B’nai B’rith, fundada em 1913, e que tinha por missão monitorar as imagens judaicas em filmes de Hollywood, nunca fez nenhuma objeção a qualquer obra produzida pelo estúdio Disney. Tanto isto é verdade que para se ter ideia da tamanha falácia criada por Sorrell, em 1955 a filial de Beverly Hills da B’nai B’rith, a mais antiga organização judaica em todo o mundo, e também dedicada aos Direitos Humanos, condecorou Walt como Homem do Ano, entregando uma placa ao homenageado, onde se lia: “Por ser exemplo dos melhores princípios americanos do entendimento entre grupos de cidadãos, interpretando na prática os ideais da B’nai B’rith de benevolência, amor fraterno e harmonia, levando alegria e felicidade ao povo. 

Art Babbitt, animador da Disney e o maior agitador interno da greve, era judeu e apesar de não ter simpatia por Walt afirmou que esta era uma acusação completamente inválida, pois nunca tinha visto o patrão proferir insultos ou qualquer tipo de zombarias antissemitas. Algumas das pessoas mais influentes dentro do estúdio Disney eram judias, entre elas Joe Grant, um dos mais importantes e engenhosos artistas da empresa de Walt, que afirmou também nunca ter presenciado qualquer atitude antissemita por parte do patrão em décadas de trabalho lado a lado com ele. O lendário compositor Richard Sherman, autor da premiada trilha de 'Mary Poppins' e de outros clássicos da Disney, contou que certa vez um advogado que trabalhava para o estúdio fez uma piada antissemita envolvendo ele e seu irmão Bob. Walt, que chamava a dupla carinhosamente de “seus garotos”, não gostou e demitiu imediatamente o advogado.

Walt, Disney nunca foi um ultraconservador, pois sempre foi favorável a todo e qualquer projeto que viesse auxiliar a vida das pessoas. Filho de pai simpático ao comunismo, Walt, apesar de ter votado algumas vezes em democratas, sempre deixou claro que tinha um interesse maior pelas ideias republicanas. Num discurso entre amigos e colaboradores confessou aos presentes, sempre abusando do tom sarcástico, que certa vez foi multado por executar uma conversão irregular à esquerda. O policial, que logo o reconheceu, alertou gentilmente para ele no futuro fazer apenas curvas à direita. Walt sorriu e respondeu que isto seria um pedido fácil, já que ele sempre se inclinou mesmo para a direita.

O homem que reiventou a arte de desenhar e que criou elementos até então inexistentes, também elaborou câmeras e técnicas até hoje utilizadas. Praticamente inventou o desenho com som sincronizado, produziu a primeira animação colorida e o primeiro longa metragem animado, além de criar parques temáticos e elaborar uma comunidade perfeita, o EPCOT, que infelizmente não pode realizar, pois partiu cedo demais. Com tudo que Disney deu ao mundo, ele realmente não precisava de nenhum discurso politico, pois a sua melhor política está estampada em sua própria história, que pode se resumir a uma de suas célebres frases:

Todos os nossos sonhos podem-se realizar, se tivermos a coragem de persegui-los. Para começar, pare de falar e comece a fazer."

Maurício Nunes é jornalista e escritor com oito livros publicados, entre eles o seu mais recente trabalho, 'A Árvore dos Sonhos', sobre a vida e obra de Walt Disney.

Capa do livro 'A Árvore dos Sonhos', sobre a vida e obra de Walt Disney.
Capa do livro 'A Árvore dos Sonhos', sobre a vida e obra de Walt Disney. | Divulgação
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