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Whindersson Nunes: atacado pela esquerda por causa de um post irônico sobre a primeira-dama Janja.
Whindersson Nunes: atacado pela esquerda por causa de um post irônico sobre a primeira-dama Janja.| Foto: Divulgação TV Globo/Paulo Belote

Foi-se o tempo em que os politicamente incorretos eram cancelados por errar um pronome ou praticar alguma forma de apropriação cultural.

Essa foi “a época da inocência” do linchamento público. Pois agora, com a esquerda na situação, nem seus pares estão livres de receber ataques coordenados de influencers, militantes e até jornalistas da grande imprensa.

Dois casos recentes, e que envolvem a tragédia das enchentes no Rio Grande Sul, mostram como mesmo personalidades com bom trânsito no campo progressista podem ir do céu ao inferno por causa de um único post.

Começando por Whindersson Nunes, provavelmente o comediante mais famoso do país – e que nunca esteve na mira dos patrulheiros de plantão.

Pelo contrário: nordestino, dono de um jeitão humilde e afeito a piadas de cunho popular, ele sempre foi uma espécie de contraponto à geração de humoristas ácidos representada por Danilo Gentili e Leo Lins.

Mas bastou uma única crítica à primeira-dama da República para o piauiense cair em desgraça entre os apoiadores do presidente Lula.

Indignado com o protagonismo forçado de Janja Silva com relação ao resgaste de um cavalo em perigo (o já célebre Caramelo), Nunes publicou uma resposta irônica a uma postagem da socióloga, na forma de uma foto da atriz Jade Picon na novela ‘Travessia’ (2022).

A imagem, que virou meme quando a cena foi ao ar, mostra a rica e mimada Chiara, interpretada por Jade, imaginando-se como uma lavadeira de beira de rio no interior do Maranhão – terra de origem de seu par romântico.

Quem conhecia o viral, logo sacou: o comediante estava comparando Janja, notória por seus gostos luxuosos, com a patricinha do folhetim global que fantasia uma experiência sofrida.

A militância petista, no entanto, não entendeu a piada (ou fingiu não entender). E correu para colar no piauiense o rótulo de machista e misógino – como se ele estivesse sugerindo que “lugar de mulher é lavando roupa”.

Foram milhares de mensagens detonando o humorista, com direito a uma cutucada da própria Janja. “Ele não sabe que já inventaram máquina de lavar roupa faz tempo, que libera o tempo das mulheres para fazerem e estarem onde elas quiserem”, disse a primeira-dama, também se fazendo de desentendida.

Whindersson Nunes tentou se explicar em outro tuíte: “A comicidade é uma pessoa conhecida por ter uma vida confortável fazendo um trabalho mais pesado, como o caso de você estar seco e confortável e fazer um circo da comoção do resgate de um cavalo (...) Não tem nada de misógino nisso”.

Mas não adiantou. Nunes agora está, até segunda ordem, no caderninho negro da esquerda.

Como outra nordestina, a pesquisadora baiana Michele Prado, conhecida na bolha política do Twitter/X por seus estudos sobre “movimentos extremistas” (especialmente no que diz respeito à direita).

Na semana passada, Michele anunciou que foi desligada de um projeto da USP chamado Monitor do Debate Político no Meio Digital – cujo trabalho é acompanhar a atividade de grupos considerados radicais em manifestações de rua e no ambiente online.

O motivo do afastamento, de acordo com ela, foi um embate com a jornalista Daniela Lima, da GloboNews, via WhatsApp.

A pesquisadora afirmou ter sido ofendida por Daniela depois de corrigir uma informação errada divulgada ao vivo num telejornal. E, por causa disso, “a corda arrebentou para o lado mais fraco” (nas palavras dela).

A apresentadora informou que, segundo o grupo da USP, praticamente um terço (31%) das publicações no X sobre a crise gaúcha eram “desinformação” publicada com o objetivo de descredibilizar o poder público. Para Michele Prado, o canal de notícias manipulou esse dado.

“Os 31% se referem só e somente ao volume de discursos com sentimentos antigovernamentais e anti-institucionais. Não houve análise qualitativa e não classificamos como desinformação”, afirmou Michele em sua conta, no auge da lavagem de roupa suja virtual.

A pesquisadora ainda fez uma denúncia grave: segundo ela, há um “gabinete do ódio” em funcionamento no Palácio do Planalto para perseguir a oposição, sob o comando da própria primeira-dama Janja.

Desde então, Michele tem sido vítima de um verdadeiro massacre na internet. E as pancadas vêm das duas pontas da polarização.

Afinal, ela se posicionava como direitista e até votou em Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Mas passou a ser vista como “traidora” quando começou a associar o bolsonarismo à ultradireita e outros movimentos radicais.

De qualquer forma, a pesquisadora diz que grande parte do cyberbullying é disparado pela militância petista. “Esse pessoal só vai parar quando eu me matar”, disse.

Um dos ataques mais emblemáticos, no entanto, partiu da responsável pela coluna diária mais lida da imprensa brasileira: a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo.

Em um post pessoal, Mônica “dedura” Michele Prado por seu passado direitista e desqualifica sua atividade acadêmica, lembrando que sua formação original é na área de design de interiores.

Detalhe: Michele foi fonte de reportagens da própria Folha antes de alertar para o suposto “gabinete da Janja”.

A verdade é que ela já estava na mira da esquerda desde outubro do ano passado, quando começou a revelar o antissemitismo de políticos, influencers e professores universitários (muitos deles ditos progressistas), além da omissão do governo com relação ao ataque do Hamas a Israel.

Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, a pesquisadora preferiu não dar entrevista neste momento. Mas afirmou ter recebido mais de 50 mil mensagens difamatórias apenas nas primeiras 24 horas após a divulgação de seu desentendimento com Daniela Lima.

Ela também confirmou sua ida à Brasília, a convite do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), para falar sobre as milícias digitais do governo na Comissão de Comunicação da Câmara. O requerimento para aprovar o depoimento será votado nesta quarta-feira (22).

Janja e Paulo Pimenta também participam de ataques a opositores do governo

Selecionamos outros casos de personalidades que sempre estiveram em boa conta com a esquerda, porém passaram a sofrer ataques por criticar o governo, questionar tentativas de censura ou simplesmente não gostar de um lançamento da cantora Beyoncé. Veja a seguir.

Rita von Hunty

Drag queen e militante comunista (por mais improvável que isso possa parecer), Guilherme Terreri, ou Rita von Hunty, foi cancelado pelos petistas antes mesmo da volta do partido ao poder.

Seu linchamento digital aconteceu ainda durante a campanha de 2022, quando ele se recusou a votar em Lula e pregou um voto “menos aliado ao neoliberalismo” – na candidata Sofia Manzano, do PCB.

Para se defender, Terreri afirmou: “Se normalizamos ideias absurdas como a de ‘evitar a crítica em momentos críticos’ compactuamos com o desmonte da democracia”. Também comparou os ataques que recebeu “às técnicas usadas pelo bolsonarismo”.

Um de seus maiores críticos na época foi Jean Wyllys, cuja hora de ser massacrado também chegaria (como veremos a seguir).

Jean Wyllys

Chamado pelo presidente para trabalhar na Secretaria de Comunicação do governo, o ex-BBB e ex-deputado acabou sendo “desconvidado” por se envolver em uma polêmica com o governador gaúcho Eduardo Leite.

“Gays com homofobia internalizada em geral desenvolvem libido e fetiches em relação ao autoritarismo e aos uniformes”, afirmou Wyllys, numa crítica à decisão de Leite de manter as escolas cívico-militares no Rio Grande do Sul.

A declaração pegou mal, e o então ministro da Secom, Paulo Pimenta, rapidamente tratou de dizer que Lula não havia prometido cargo algum para ele na autarquia.

Em seguida, o exército de militantes iniciou uma campanha contra Jean Wyllys, sob a justificativa de que sua agressividade poderia prejudicar institucionalmente o governo.

Ainda hoje, o baiano afirma ter sido sabotado por Pimenta. “Paulo Pimenta fez o trabalho de defenestração da minha imagem de maneira sórdida. Digo sem medo: ele é um mau-caráter”, afirmou, em uma conversa de podcast, em setembro do ano passado.

Glenn Greenwald

O jornalista americano até sentiu o gostinho de ser herói da turma esquerdista – ao revelar o suposto escândalo conhecido como “Vaza Jato” (sobre a proximidade do ex-juiz Sergio Moro com os procuradores da Operação Lava Jato).

Sua unanimidade, no entanto, não durou muito. Ao questionar o excesso de poder do ministro do STF Alexandre de Moraes – e sua “extraordinária popularidade entre a mídia corporativa e a esquerda” –, Greenwald passou a ser ridicularizado por quem antes o idolatrava.

Ganhou o apelido de “Verdevaldo” e chegou a ser chamado de “defensor da liberdade de expressão para fascistas”.

E o pior: os petistas não lhe deram trégua nem quando seu marido, o ex-deputado David Miranda, foi hospitalizado com um quadro de infecções graves (ele acabou morrendo em maio de 2023, após quase um ano internado).

Gregorio Duvivier

O ator do grupo Porta dos Fundos também teve de enfrentar a turma do “ódio do bem” por insistir que Lula deveria indicar uma mulher negra para o STF, na vaga de Rosa Weber.

Como isso não aconteceu, foi chamado de “agente da CIA”, “maconheiro do Leblon” e “revolucionário colorido”. Ainda teve de desmentir um boato: de que participou de passeatas a favor do impeachment de Dilma Roussef.

Para isso, chegou ao ponto de postar uma foto em que aparece ao lado de Lula, Chico Buarque e o frei Leonardo Boff num evento em defesa da ex-presidente.

Fábio Porchat

Parceiro de Duvivier, Porchat enfrentou o paredão progressista porque considerou como “censura” a decisão da Justiça de retirar do YouTube um especial do humorista Leo Lins (por suspostamente conter piadas preconceituosas).

Sua saída foi a mesma escolhida por nove entre dez “cancelados”: dizer que errou e pedir desculpas.

“Li muita coisa, recebi muitas mensagens, conversei com muita gente legal. E entendi muito bem as reações. Minha posição nunca foi defender um humor racista. Sempre tentei defender um humor que não causasse dor, que não machucasse” afirmou, num tom constrangido.

Cristiano Zanin

O ex-advogado do presidente Lula, e indicado por ele ao STF, mal pisou na Corte e já se deparou com a ira da militância.

Atacado por suas posições consideradas “conservadoras” – votou, por exemplo, contra a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal –, o magistrado levou uma alfinetadinha até da primeira-dama.

Instada por um tuiteiro a comentar um vídeo que satirizava Zanin, Janja não falou muito, mas deu seu recado. “O meme é engraçado, mas também tem um tantinho de trágico”, disse a socióloga.

Lilia Schwarcz

Outra que apelou para o pedido de perdão. No caso, por criticar um “álbum visual” da cantora Beyoncé em um artigo para a Folha de S. Paulo.

Intitulado “Filme de Beyoncé erra ao glamorizar negritude com estampa de oncinha”, o texto da historiadora e “imortal” da Academia Brasileira de Letras afirma: “A diva pop precisa entender que a luta antirracista não se faz só com pompa, artifício hollywoodiano, brilho e cristal”.

Para quê? Lilia foi soterrada por comentários na linha “Você se beneficia do privilégio branco” e “O que te faz pensar que tem autoridade para ensinar uma mulher negra?”.

Para não se incomodar, a acadêmica soltou a seguinte nota: “Errei e peço desculpas aos feminismos negros e aos movimentos negros com os quais desenvolvi, julgo eu, uma relação como aliada da causa antirracista. Assumo minha responsabilidade pelo artigo e não pretendo vencer qualquer discussão. Diante de uma situação dessas todos perdem”.

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