Diante da pandemia de coronavírus, muitos assuntos acabaram esquecidos. Mas temas importantes precisam de um olhar mais atento e certamente isso passa pelos Brics. Um dos parceiros do Brasil no bloco, a China, entrou no radar na esteira da pandemia. Outro ator que merece atenção especial diante desta dinâmica é a Rússia, que pouco antes da crise do coronavírus frequentou o noticiário brasileiro diante do giro realizado pelo navio Yantar em nossa costa marítima.
A notoriedade do Yantar é conhecida por todo o mundo. Nascida nos estaleiros de Kaliningrado, a embarcação, chamada de “navio oceanográfico especializado em pesquisas científicas”, tem funções que vão muito além da simples curiosidade acadêmica. O navio é dotado, por exemplo, de “acessórios para rastreamento em alto mar e dispositivos ultrassecretos para se conectar a cabos de comunicação”, como publicou o semanário oficial russo Parlamentskaya Gazeta.
A folha corrida do Yantar deixa clara sua função de embarcação espiã. O navio já passou por Cuba, Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Reino Unido, Brasil, Síria, Irlanda, Israel, Chipre e também pela Groenlândia, sempre em locais estratégicos por onde passam cabos submarinos de telecomunicações. Estes cabos ligam servidores responsáveis por 99% das comunicações transoceânicas e 97% do tráfego de internet no mundo. Este sistema é composto por 378 cabos submarinos, uma ligação de 1,2 milhão de quilômetros por onde circula todo tipo de informação, inclusive aquelas de cunho estratégico.
O Yantar sempre percorre centros sensíveis e isso não foi diferente durante sua trajetória pela costa brasileira. Depois de ser interceptado pelo Centro Integrado de Segurança Marítima do Rio de Janeiro, o navio sumiu do monitoramento e só reapareceu seis dias depois, quando foi localizado visualmente por um helicóptero da Marinha e um avião da Força Aérea Brasileira. A embarcação estava em uma região de cabos submarinos de internet.
O desligamento do radar, tática usada pelo Yantar no Brasil, já havia sido utilizado quando o navio esteve no Mar do Caribe e na costa dos Estados Unidos. Ocorreu também quando foi localizado no Mediterrâneo, próximo de um ponto por onde passam cabos que ligam a comunicação de Israel a uma central no Chipre que os distribui para a Europa.
Ancorado no Rio de Janeiro, o Yantar causou problemas, como interferências eletrônicas e no sinal de celulares, além de casos de náusea e tonturas, sintomas associados à intensa exposição a ondas eletromagnéticas. Esta soma de fatores ligou o alerta das autoridades brasileiras em relação à presença do navio russo em território nacional. Logo depois disso, o Yantar seguiu viagem para Portugal.
O que chama a atenção em todo este episódio é o fato de nosso país passar por um constrangimento dessa monta com um parceiro comercial que aos poucos se aproxima do Brasil de forma estratégica. A Rússia busca ampliar e integrar sua economia com a brasileira por intermédio dos mecanismos encontrados nos Brics. Países que se tornaram sócios em um empreendimento como esse deveriam ser mais cautelosos em suas ações, sob pena de dinamitar uma relação que poderia render resultados positivos para ambos os lados.
Fato é que o Brasil passou por dissabores com dois parceiros do bloco em tempos recentes. O primeiro deles foi a China, diante da escalada da pandemia e da tensão entre as autoridades de ambos os países. Logo em sequência, com o ultrajante passeio do Yantar pela costa brasileira.
O Brasil precisa se posicionar internacionalmente de maneira contundente diante de países que atuam de forma dúbia e errática no xadrez das relações internacionais. Nosso país precisa trabalhar com parceiros confiáveis, aqueles com os quais divide valores e objetivos reais e que sejam sócios reais e leais em nossa relação bilateral. Talvez já tenha chegado o momento de o presidente Jair Bolsonaro repensar a participação do Brasil nos Brics.
* Eduardo Fayet é presidente do Instituto Monte Castelo.
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