Quem passa distraído pelas ruas pode não perceber as marcas da cultura europeia deixadas pelos imigrantes no cenário urbano de Curitiba. Estilos arquitetônicos aparecem, aqui e ali, em casas que resistem à ação do tempo mas muitas dessas habitações estão abandonadas ou foram desfiguradas para se transformar em ponto comercial.
FOTOS: Veja slideshow da casa de Waldomiro Lass
VÍDEO: Casa centenária é pérola arquitetônica no meio da cidade
Mas há joias a garimpar no cenário urbano. Uma delas é a casa amarela com sótão, cercada por um imenso gramado, em plena avenida Manoel Ribas. Ela é uma das edificações catalogada na obra "Arquitetura Italiana em Curitiba".
O livro dos arquitetos Ana Mazzarotto e Fábio Domingos Batista, patrocinado pela Caixa Econômica Federal via lei municipal de incentivo à cultura, é resultado de dois anos de pesquisa. Os autores compararam casas construídas por imigrantes italianos em Curitiba com exemplares do Vêneto, região ao norte da Itália de onde veio a maioria deles.
Os oriundi construíram, aqui, utilizando as mesmas técnicas usadas no país europeu, com poucas adaptações.
"Na Itália a paisagem urbana é tombada. As casas estão preservadas, dando um retrato de como era a vida quando os imigrantes vieram", explica Ana Mazzarotto.
Simetria e estilo
As casas italianas daqui têm a mesma simetria, distribuição de janelas e simplicidade de formas que as "irmãs" europeias. Outra similaridade é o telhado, com inclinação acentuada para aproveitar o espaço para sótão. As janelas têm folhas externas "cegas" e internas de vidro, com moldura de madeira em forma de guilhotina (ou de abrir para dentro), e costumam ser de tamanhos iguais. A exceção são as janelas mais próximas do telhado, que podem ser menores.
Simplicidade
Fotos: Reprodução do livro Arquitetura Italiana em Curitiba, de Fábio Batista e Ana MazzarottoOs arquitetos Ana Mazzarotto e Fábio Batista também compararam igrejas em Santa Felicidade (à esq.) e no Vêneto (à dir.), que têm a mesma estrutura
Os elementos decorativos são simples e quase inexistentes, resumindo-se à cimalha um tipo de acabamento de telhado e, em alguns casos, uma cruz vazada no alto da parede externa da construção.
Os pesquisadores também compararam a igreja principal e o cemitério de Santa Felicidade com as estruturas erguidas na Itália. "Foram projetados por padres italianos que eram vigários na época da imigração", comenta Ana. A igreja daqui repete a estrutura da italiana, com a torre do sino separada do corpo principal.
Um fato marcante da época foi a construção do Panteão, no cemitério. Capelas mortuárias das famílias que patrocinaram a obra do cemitério estão no local. "São as famílias mais tradicionais de Santa Felicidade", conta a autora. Os elementos decorativos demonstram a habilidade dos imigrantes construtores.
Henry Milléo/Gazeta do Povo
Construção centenária é preservada pelo herdeiro
A frente dá para uma das avenidas mais movimentadas de Curitiba. O rio Barigui passa no quintal. A vizinhança do imenso terreno é "tudo gente da família", diz o aposentado Waldomiro Lass, de 81 anos. Desde que nasceu, ele vive na moradia construída por seu pai, na Avenida Manoel Ribas, ao lado do parque Barigui.
A casinha é uma pérola encravada na cidade. O estilo "casa de chácara" e a pintura amarela, em contraste com o verde vivo do gramado, atraem olhares. Seu Waldomiro não se furta a abrir as portas da residência e mostrar cada detalhe da propriedade.
Família alemã
Valdomiro Lass não é descendente de italianos o pai era alemão e a mãe, polonesa mas a construção segue os padrões das casas do Vêneto, conforme aponta a pesquisa dos arquitetos Ana Mazzarotto e Fábio Domingos Batista. Mais de cem anos se passaram desde que a casa foi construída. O aposentado, que não se casou nem teve filhos, não sabe dizer por que o pai, imigrante alemão, ergueu uma casa italiana.
Há muitos anos, seu Waldomiro, que é contador e já trabalhou em construções, passa os dias reformando, pintando, consertando, restaurando e ajeitando tudo que o terreno abriga: a residência principal, o galpão, uma casa anexa que ele construiu para a sobrinha, a casinha dos cachorros, o gramado e o que mais for preciso.
Reformas
O imóvel passou por várias reformas, todas feitas por ele, mas não perdeu o estilo arquitetônico nem as características originais. As grossas paredes não são de tijolos. Foram feitas com pedra, cal e areia segundo seu Waldomiro, são muito resistentes e mantém a casa aquecida mesmo nos dias mais frios, quando o fogão a lenha é aceso.
Entre as várias modificações, ele aponta uma das principais: seu Waldomiro construiu banheiros, pois a latrina era externa. As folhas de vidro das janelas foram trocadas, assim como as esquadrias de madeira, o forro e o antigo piso (de tábuas para tacos).
O sótão também ganhou banheiro e um quarto com amplas janelas, ocupado por um sobrinho. Atualmente, seu Waldomiro está restaurando as janelas do sótão. "Sempre reformo alguma coisa, mas a casa está em boas condições", explica.
Ele prefere não falar sobre o futuro da propriedade diz que, após sua morte, os sobrinhos decidirão mas garante que, enquanto estiver ali, não vende a casa. "Muita gente já procurou, mas digo que não", finaliza.
Vida e Cidadania | 2:43
A casa amarela, na Avenida Manoel Ribas, ao lado do parque Barigui, tem mais de cem anos. Foi construída pelo pai do aposentado Waldomiro Lass, de 81 anos, que apesar de não ser descendente de italianos, seguiu os padrões das obras de Vêneto, na Itália. A obra foi retratada em um livro dos arquitetos Ana Mazzarotto e Fábio Domingos Batista.
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