Opinião
Restauro particular
Marcos Bertoldi, arquiteto
Não sou visto como um arquiteto de restauração, pois meus projetos são mais voltados para novas construções. Mas, ao longo dos 30 anos de atuação no meu escritório, tive a oportunidade de trabalhar com alguns imóveis de qualidade ímpar, o que me trouxe a bagagem para a obra de recuperação da minha residência, localizada no Seminário.
A Casa Niclewicz é uma obra de Vilanova Artigas com projeto de 1978, cuja construção foi concluída em 1981. Nesse período, ele já não morava em Curitiba, mas projetou a residência a pedido de uma sobrinha. Algumas fontes asseguram que este foi o seu penúltimo projeto residencial construído, pois logo depois ele faleceu.
Comprei a casa em 2004 e moro lá desde então. Soube casualmente da venda da residência e, conhecedor da importância daquela construção para a arquitetura moderna brasileira, antevi uma possibilidade de compra com o desejo de recuperá-la e torná-la viável para uma nova ocupação.
A obra é inteiramente em concreto armado, com a maioria dos fechamentos em vidro, e se encontrava em um estado relativamente precário. Tinha inúmeros problemas de infiltração, hidráulicos e elétricos, além de esquadrias e revestimentos precisando de manutenção. Havia sido instalado um telhado escondido sob platibandas, que eliminei por não constar no projeto original.
A casa passa por um processo contínuo de recuperação, sempre buscando a manutenção das propostas originais. No entanto, em determinados pontos, não tive onde apoiar o restauro, pois faltavam informações de projeto. O que não pude manter, refiz dentro de um critério atual, com interferências assinaladas como projetos meus. Elas são pontuais em áreas que dependiam de novas soluções. Desta forma, a casa como um todo se mantém preservada.
A expressão dos movimentos artísticos que marcaram a história do Brasil e do mundo vai além das obras literárias e das artes plásticas. Na arquitetura, os traços de correntes culturais como o modernismo são bastante evidentes em edificações que integram o cenário urbano.
Em Curitiba, 27 edificações compõem o acervo de construções modernistas catalogadas como Unidades de Interesse de Preservação (UIP) pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). Algumas foram demolidas e muitas estão abandonadas, mas felizmente existem algumas unidades que receberam investimentos em obras de restauro por parte de seus proprietários, com o intuito de resgatar e preservar a memória da arquitetura modernista curitibana.
Ícones de uma era
Um dos exemplos recentes de restauro de projetos modernistas é o da casa Medoro Belotti. Localizada na rua Doutor Faivre, a obra projetada pelo arquiteto Lolo Cornelsen, construída em 1953, foi recuperada para abrigar um espaço comercial e se tornou um ponto de referência no Centro de Curitiba.
O projeto de restauro, assinado pela arquiteta e engenheira Gabriele Websky Meier, deu vida nova à residência e resgatou sua forma e volumetria originais, modificadas pelos antigos moradores ao longo das mais de cinco décadas de utilização. "Retiramos uma alteração feita no telhado e um puxadinho construído nos fundos da casa, para adequá-la ao projeto original", conta.
Outra construção modernista que ganhou nova função é a casa Mário de Mari, localizada no Jardim Social. Construída em 1965, com projeto assinado pelo arquiteto que dá nome à edificação, a residência passou a abrigar em 2013 a nova sede do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU-PR). "A casa foi restaurada para a recuperação e adequação do espaço às necessidades da entidade. Houve um cuidado por parte do nosso presidente Jeferson Navolar, que assina o projeto, em registrar as alterações para que elas não fossem perdidas", explica Walter Gustavo Linzmayer, arquiteto e agente de fiscalização do CAU.
Em 2004, outra obra icônica do período modernista curitibano recuperada foi a casa João Luiz Bettega, projetada pelo renomado arquiteto Vilanova Artigas. Propriedade da arquiteta Giceli Portela, a residência foi restaurada sob sua supervisão para abrigar seu escritório, e se transformou em um espaço voltado à preservação da cultura e aos estudos de arquitetura.
Os desafios do projeto
As arquitetas Giceli e Gabriele explicam que uma obra de restauro não consegue, e nem tem por objetivo, fazer com que a construção fique exatamente igual ao que era quando foi construída. Até porque, a inexistência nos dias de hoje de materiais de época, como cerâmicas e madeiras, faz com que eles precisem ser substituídos pelos disponíveis no mercado. "Não temos como resgatar papéis de parede antigos, por exemplo. Então, o profissional de arquitetura lança mão de um leque de opções e, muitas vezes, falsifica materiais para deixá-los parecidos aos originais, para que as pessoas possam compreender como era viver naquele período. O importante é transmitir o espírito da época", diz Giceli.
A maior facilidade de acesso às informações e às pessoas que vivenciaram os projetos no período de sua execução, se comparado às construções centenárias, é destacado por Gabriele como uma das peculiaridades das obras de recuperação das construções modernistas. "Tive a oportunidade de estudar a planta original que estava protocolada junto à prefeitura, de conversar com o Lolo Cornelsen e com a primeira proprietária do imóvel durante a pesquisa para o projeto. Isso foi enriquecedor para o trabalho", destaca.
Funcional
Forma e função caracterizam a arquitetura modernista
A primeira construção modernista sobre a qual se tem registro em Curitiba é a casa Frederico Kirchgässner, construída pelo arquiteto de mesmo nome na década de 1930. Junto com Lolo Cornelsen, Mário de Mari, Vilanova Artigas e Rubens Meister, ele forma o grupo dos grandes mestres modernistas da arquitetura curitibana e brasileira.
A arquiteta Giceli Portela explica que as construções projetadas por eles foram criadas à luz de uma nova técnica construtiva, o concreto armado, que possibilitou a ruptura com a arquitetura eclética predominante até então. "É uma arquitetura científica. Nela, a forma e a função estão intrinsecamente ligadas no projeto. Se existe uma parede envidraçada, por exemplo, ela não será unicamente estética, terá uma funcionalidade diretamente relacionada ao interior da construção", esclarece.
O traço racionalista, com linhas despojadas, é outra característica que identifica a arquitetura modernista, lembra o arquiteto Salvador Gnoato. As janelas contínuas, na qual várias esquadrias consecutivas dão a sensação de uma estrutura única, é outro aspecto apontado por Gabriele. "O recuo dos pilares que suspendem a casa, conhecidos como pilotis, em relação à linha limite da construção, é outro traço desse modelo arquitetônico. Ele passa a impressão de que a edificação está solta do chão, flutuando", explica.
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