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Ana Claudia Oliveira não conseguiu fechar contratos de locação: discriminação velada é frequente | André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Ana Claudia Oliveira não conseguiu fechar contratos de locação: discriminação velada é frequente| Foto: André Rodrigues/ Gazeta do Povo

Direitos

Casos sutis são difíceis de comprovar

"Proprietários e imobiliárias ainda sonham com o inquilino ideal, que é o casal com dois filhos. Casos em que a documentação e a renda estão de acordo com o solicitado e o ‘não’ acontece por questões como religião ou opção sexual são difíceis de perceber, porque são sutis", comenta a advogada Ilcemara Farias.

As situações são mais freqüentes do que se imagina. Um funcionário público, que pede para não ser identificado, tentou alugar uma casa em Curitiba, em 2011, junto com seu companheiro. "Depois de aprovar toda a documentação, os donos começaram a fazer perguntas pessoais e invasivas. Queriam saber se eu recebia muita gente em casa", comenta o rapaz, que assim como o parceiro tem situação financeira estável e renda garantida. Quando declarou que ia dividir o imóvel com o namorado, recebeu o "não" – e foi mais de uma vez. "A resposta padrão era: nesse caso, não há interesse na locação", recorda.

"A vítima de preconceito racial, sexual ou de outras naturezas, deve relatar o crime à autoridade policial, e também pode pedir indenização pelos danos decorrentes dessa ofensa", diz Ilcemara Farias.

A lei de locação, no entanto, não é clara com relação a esses critérios. Há anúncios pormenorizando que a locação deve ser feita para pessoas solteiras ou casais sem filhos. "Isso não chega a ser ilegal, porque o proprietário tem direito de dispor do bem da forma que ele bem entender", explica a advogada Oksana Guerra.

De acordo com ela, o locador tem direito de pesquisar o comprovante de renda e certidões negativas do candidato a inquilino. "A negação da locação pode ser feita com base em um desses pontos. Quem se sentiu discriminado terá de provar que cumpriu todos esses requisitos e que a recusa levou em conta algum aspecto particular", aponta Oksana.

Quando o dono de um imóvel oferece o bem para locação, as exigências que podem ser feitas no contrato são objetivas, como limitar o número de pessoas que vão residir no local ou proibir mudanças na cor das paredes. Critérios como etnia, religião ou orientação se­xual do locatário não podem cancelar uma negociação – mas a discriminação acontece, ainda que de forma velada. Que o diga a funcionária pública Ana Claudia de Souza Oliveira.

Há dois anos, Ana Clau­­dia, que trabalha na prefeitura de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, sofreu discriminação mais de uma vez. Nada foi explícito, mas ela sabe que foi recusada como inquilina por ser negra.

Recém-chegada do interior de Minas Gerais, após ser aprovada em concurso público, Ana tentou alugar imóvel direto com proprietários. "Como eu não tinha conhecidos que pudessem ser meus fiadores aqui, comecei a procurar dessa forma", conta.

Sim e não

Os primeiros contatos eram positivos – por ser funcionária pública e ter a garantia da remuneração mensal, Ana não encontrava resistência por parte dos proprietários de imóveis pelos quais se interessava.

"Enquanto falava por telefone ou e-mail, sempre estava tudo certo. O problema começava quando eu ia visitar os imóveis pessoalmente. Sempre aparecia alguma questão de última hora", relata.

Em uma das casas, relembra Ana Claudia, a proprietária passou a "informar" que o espaço não era bom, pois não pegava sol, tinha mofo e sofria com assaltos constantes. "Ficou claro que ela quis me fazer desistir do imóvel", aponta.

Em outra situação, enquanto Ana Claudia visitava o apartamento, o proprietário simplesmente desistiu da locação, sem motivo aparente. "Os contratos não davam certo depois da visita. Houve um caso em que o dono até falou que não era para eu pensar que fosse por causa da minha cor", lembra.

Residindo há um ano e dez meses em um apartamento no bairro Santa Cândida, em Curitiba, ela diz que não quer ver ninguém passando por isso. "A preocupação do dono do imóvel tem de ser com a conservação do local e pagamento em dia", aponta.

Ana Claudia já ouviu relatos de pessoas negras que pediram para que outros intermediassem a locação. "Justamente para não passar por esse tipo de situação", lamenta.

Crime

O caso de Ana Claudia é passível de queixa e processo por danos morais, pois preconceito racial é crime previsto em lei. "O proprietário de um imóvel só pode definir critérios objetivos para a locação", explica a advogada Ilcemara Farias, especialista em direito imobiliário.

"Já vi casos absurdos, como a de locação sendo negada para mãe solteira ou para casal homossexual. Isso infelizmente acontece, e geralmente é difícil provar que houve preconceito no caso de um processo por danos morais", diz a advogada.

No entanto, ela indica: quem se sente discriminado pode e deve procurar a Justiça. "Esse tipo de comportamento vai ficando registrado e o reincidente que age com preconceito vai pagar pelo erro."

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