Ao voltar de uma temporada de dez anos na Inglaterra, onde fez seu doutorado em ecologia, meio ambiente e recursos naturais na Universidade de Nottingham, a professora do Centro de Educação Profissional de Design, Artes e Profissões (Cepdap) e da Unibrasil, a designer Libia Patrícia Peralta Agudelo, ficou assustada ao constatar o desperdício de matéria-prima na construção de sua casa no bairro Pilarzinho uma obra considerada sustentável, com cisterna para captação de água, aproveitamento da luz natural nos ambientes e utilização de madeira de demolição. Mesmo construindo com materiais ambientalmente corretos, ficou insatisfeita e pensou em como poderia aproveitar os restos de madeira maciça. Conversou com o seu marceneiro e começaram a construir mesas, banquetas e sofás. Deu tão certo que a professora ganhou prêmios de design com os produtos e conseguiu reunir pequenos profissionais da Região Metropolitana de Curitiba na elaboração das peças. "Via um enorme desperdício. Geralmente, os marceneiros descartavam a madeira ou a queimavam. Comecei a passar os desenhos e hoje construímos em conjunto", conta Libia. Uma mesa-revisteiro, um pequeno armário e um banquinho, segundo ela, "releitura de bancos de ordenha" são alguns exemplos de móveis fabricados pelos marceneiros, expostos na casa da professora e levados frequentemente para mostras de design. O reaproveitamento hoje não é um conceito somente de pessoas como Libia, mas uma tendência dentro da decoração. Restos de materiais de reforma e até objetos inusitados que geralmente são jogados no lixo, como vidros de conserva, podem ser resgatados na hora de dar cara nova a um ambiente. O designer Márcio Fonseca, da ACDC Casa, aproveitou um pedaço de piso vinílico que seria jogado fora e o colou em uma parede do banheiro da loja, ajudando a esconder um pequeno defeito e possibilitando, segundo ele, "uma sensação mais quente e agradável, dando uma cara original para o espaço". Para não aparecer nenhuma elevação e deixar o material bem liso, é ideal fazer uma base de cimento e que o piso seja colado com produto específico. "Como é um pouco complexo, é melhor que um profissional faça a colocação. Mas, se a pessoa já estiver trocando um piso na casa, a mão de obra contratada é aproveitada e o custo não fica muito maior", diz Márcio.
Outro material de fácil aproveitamento é o porcelanato, que o designer utilizou para o hall, misturado com pequenas pedras de jardinagem. "Sempre que possível, faço esse aproveitamento. Além de ecologicamente correto, tem um bom custo final", salienta.
A arquiteta Adriana Minato, professora do curso técnico de Design de Interiores do Senac-PR, indica outras "sobras" que podem ser úteis, como pastilha para revestimento de banheiros. "Pode-se fazer detalhes em um armário, gavetas ou tampos de mesa . Telhas e tijolos servem para montar ambientes como jardim de inverno e madeira de demolição, que está na moda, fica bonita em portas ou até em um painel na parede".
Além desses materiais, outras sobras do cotidiano podem servir na decoração ou construção de algum móvel, como paletes de madeira, caixa de verduras e até vidros de conserva. Essas dicas criativas são a especialidade da arquiteta Cláudia Ferreira, que coloca as soluções "caseiras" em seu blog (www.dicasdaclaudinha.blogspot.com). Com uma mesa de centro inutilizada, ela criou um novo pufe para a sala, colocando uma almofada e uma capa tricotada por sua mãe. "Ela estava jogada em um canto, sem serventia. Com um pouco de criatividade, é possível reaproveitar muita coisa", ressalta. Ao invés de portas-retratos convencionais, Cláudia fez dois, com vidros de conserva. "Simplesmente coloquei a foto dentro e deixei a tampa como base. Fica bem original".
Manter a história de 40 anos do imóvel, reaproveitando materiais e respeitando as características do local foi o que fez o escritório de design We Shape Conneting Design, após mudarem para um galpão onde funcionava uma oficina mecânica. "Havia uma necessidade de vir para um lugar maior, onde toda a equipe pudesse trabalhar no mesmo ambiente", explica a arquiteta Renata Mori Branco. O local, que já teve portas, é todo aberto e tem diferentes pisos conforme o ambiente, elemento que o escritório preservou. "Os setores foram divididos por eles, assumimos a diferença nas texturas", diz a arquiteta. Na parte de tacos de madeira, foi realizada uma pequena reforma, com lixamento e aplicação de cera e apenas limpeza nos chãos de cimento e pedra. "Mantivemos inclusive as manchas de graxa e tinta, dando honestidade e mostrando que o local é funcional sem esconder nada. Compramos material novo só em última necessidade", conta Renata.
Estruturas metálicas e de ferros que estavam no galpão também entraram no escritório, como estantes de aço fechadas com grade, que receberam lavagem com água de alta pressão e pintura específica (com tinta automotiva). Um mezanino de madeira que existia na oficina foi desmontado e as tábuas serviram para construção de uma parede ampla na entrada do escritório. "Fizemos tratamento com verniz, mas não pintamos nenhuma. Tinham madeiras em tons mais claros, escuros e até perfuradas. Ao montar, tiramos proveito das diferenças", ressalta Renata. Além da economia a obra saiu cerca de 40% mais barata a arquiteta acredita que o fato de manter os elementos da oficina ajuda a sair da mesmice. "Quando alguém reforma ou se muda, é esperado que descarte tudo. É muito ruim ir em um lugar onde tudo é novo, não se sabe do passado do lugar, fica muito efêmero. Fazer o contraste entre o rústico e a novidade foge do óbvio e surpreende".
Resistência
Apesar da versatilidade permitida, a arquiteta Cláudia Ferreira conta que raramente consegue reutilizar materiais em projetos para clientes. "Geralmente, a pessoa quer fazer tudo novo porque acha que não é fino. Poucos têm noção de que os recursos naturais não vão durar para sempre e que esta é uma atitude de preservação". A professora Libia também encontra dificuldade na hora de mostrar suas peças. "Tento transmitir que aquela sobra não é lixo, é uma matéria-prima de qualidade que seria desperdiçada. Ao valorizar uma peça assim, você não está contribuindo para cortar mais árvores e economiza, já que os móveis saem até 30% mais baratos". A arquiteta Renata, da We Shape, orienta para a contratação de mão de obra comprometida. "A pessoa tem de ter muito claro a ideia do reaproveitamento. Muitos profissionais propõem jogar tudo fora e fazer de novo, e não é assim. Tem de gostar da proposta e dar um bom acabamento ao rústico", diz.
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