"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
3 razões para o Governo priorizar a Educação Básica, e não as Universidades
Conforme noticiou a Gazeta do Povo, o Governo Federal anunciou um “bloqueio de 5% do orçamento anual do MEC, R$ 7,4 bilhões de um total de R$ 149 bilhões. Nas universidades públicas o congelamento de gastos atingirá 3,5% do orçamento de cada instituição, das chamadas verbas ‘não obrigatórias’. Caso ‘a reforma da Previdência seja aprovada e entre dinheiro em caixa’, afirmou o ministro da Educação Abraham Weintraub, o dinheiro será desbloqueado.” “Os bloqueios nas universidades públicas somam R$ 2 bilhões” e não atingem “salários, aposentadorias e outros gastos obrigatórios (cerca de 86% do orçamento de cada universidade)“.
O corte foi inferior ao praticado por Dilma, em 2015, de mais de 10 bilhões e que atingiu 10% do orçamento federal em educação; Lula também deixou de investir 20 bilhões em educação, conforme matéria do Jornal O Globo de 2008; e o governador petista Rui Costa da Bahia efetuou neste ano cortes em percentuais superiores nas universidades estaduais baianas.
De todo modo, em razão do forte ambiente de doutrinação ideológica e aparelhamento universitário, houve uma reação desproporcional das entidades estatais de ensino superior ao contingenciamento efetuado pelo Governo Bolsonaro. O Executivo também deu margem para confusão, em virtude da péssima forma como anunciou a medida, em meio a críticas sem apresentação de fundamentos claros às faculdades de humanas, afirmação inicial de que cortaria apenas de algumas instituições sem critérios transparentes, e anúncio do percentual de 30%, sem explicar que se referia apenas a despesas discricionárias.
As reclamações das universidades, em todo caso, não se justificam. Pelo contrário, o Brasil tem gastos excessivamente elevados com o sistema universitário, enquanto deixa desassistida a educação básica.
Por isso, apresentamos três razões pelas quais, ainda que haja o descontingenciamento do MEC pelo Ministério da Economia, o Governo Federal deve priorizar investimentos em educação básica, e não nas universidades.
1) O Brasil tem gasto público excessivo com educação universitária e investimento baixo com ensino básico
Segundo dados da OCDE, “o Brasil gasta US$ 14,261 mil ao ano por cada aluno na universidade“, cerca de 56 mil reais. Em número absolutos, estamos muito próximos da média da OCDE, o “clube dos países desenvolvidos”. As informações são de 2015 e constam do relatório de 2018 daquela instituição.
“O Brasil está na 16ª posição de um total de 39 países, e gasta mais por aluno na universidade do que Estônia, Espanha, Portugal, Itália, México e Irlanda.” Só que Irlanda, por exemplo, possuía em 2015 um PIB per capita de mais de 60 mil dólares; Itália, cerca de 36 mil dólares; Espanha, 35 mil dólares. Já o Brasil: apenas 15 mil dólares. Tudo isso levando em conta a paridade do poder de compra da moeda.
Ou seja, em relação à renda, o Brasil tem um gasto público com ensino estatal universitário desproporcionalmente alto em comparação com outros países.
Bem outra é a realidade da educação básica. O Brasil gasta somente cerca de 4 mil dólares por estudante, anualmente; enquanto a média da OCDE é mais do que o dobro disso: cerca de 9,5 mil dólares anuais.
O resultado é que o Brasil é o país com a maior disparidade entre investimento público no ensino superior em relação ao investimento na educação básica: gastamos 3,7 vezes mais com cada universitário em relação às despesas com alunos da educação básica. A média da OCDE é de apenas 1.6.
Os resultados disso podem ser constatados com facilidade: estrutura física e salários são muito inferiores na educação básica. Todavia, a educação básica é o alicerce de todo o sistema educacional. Se ela é abandonada, toda a construção do edifício educacional se torna mais frágil. De fato, se o investimento se concentra nas universidades, em que estado os alunos chegarão nesta fase do ensino? E aqueles que não alcançarem os andares superiores, em qual situação serão enviados para o mercado de trabalho?
2) Disparidade de investimento entre ensino universitário e educação básica agrava a desigualdade
A priorização do gasto público no ensino universitário acaba por acirrar desigualdades.
Para entender isso é necessário, inicialmente, ter em vista que o investimento do Estado é quase sempre uma medida de transferência de recursos. O Estado tributa alguns, e depois com os valores arrecadados presta serviços a outros.
Ocorre que os tributos são retirados de toda a população, inclusive pessoas de baixa renda (atingindo também aqueles que sequer encerram o ensino fundamental e médio). Quando com esses recursos, o Estado opta por priorizar investimentos em universidades, ele acaba por beneficiar os que já atingiram o ensino superior, em detrimento da educação básica.
Com isso, ele beneficia um grupo já favorecido por duas razões.
Primeiro, porque o fato de terem “ensino superior incompleto” já lhes franqueia as portas para funções com remuneração superior à daqueles que jamais pisaram numa universidade. Isso porque a renda cresce à medida que o nível escolarização aumenta. Assim, sempre que o Estado, dispersando os custos de uma política por toda a sociedade, concentra os benefícios sobre camadas mais escolarizadas, ele estará aumentando a desigualdade.
Veja o seguinte gráfico, elaborado pelo portal G1:
Em segundo lugar, há uma maior concentração de pessoas com renda alta na universidade pública. De fato, cerca de 35% dos alunos das universidades públicas, em 2015, vinham dos 20% mais ricos da população, consoante dados do IBGE. Enquanto isso, apenas 8% vinham dos 20% mais pobres.
Segundo levantamento do Instituto Mercado Popular, “a probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês estudar em universidade pública é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que têm uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública“.
Veja o seguinte gráfico:
Dentro dos 20% mais pobres da sociedade brasileiras, apenas 22% encerram o ensino médio até os 19 anos, de modo que se torna quase inviável para eles alcançar os níveis mais elevados do ensino. Será que não deveriam ser essas pessoas as prioridades do gasto público?
É claro que nem todo estudante de universidades estatais pode ser enquadrado como rico. Para esses é justificável o auxílio da sociedade por meio de serviços do Estado. Mas lembrando que: mesmo essas pessoas estão numa condição mais favorável do que quem sequer chega à universidade; e, o auxílio poderia ser proporcional à renda, concentrando-se em quem é mais pobre. Nosso sistema, no entanto, mantém exatamente a mesma política de abstenção de cobrança para todos os alunos.
Essa é uma péssima opção política. Num orçamento finito, quando se escolhe por alocar um recurso no sistema universitário, isso implica em não investir o mesmo recurso na educação básica. Quando se opta por alocar a maior parte dos valores nas universidades, isso redundará em investir parcela minoritária dos recursos na educação básica da rede pública.
Por isso, o Estado deve concentrar os esforços na educação básica: 1) primeiramente, porque lá estão as crianças, cujos anos iniciais são importantíssimos para o desenvolvimento, dado que boa parte do potencial cognitivo é desenvolvido na primeira infância, sendo difícil recuperar perdas decorrentes do não aproveitamento desta etapa; 2) em segundo lugar, como mostramos acima, as pessoas com níveis básicos de escolarização tem menores rendimentos, devendo ser priorizadas no orçamento; 3) em terceiro lugar, nas instituições estatais de ensino básico, a concentração de alunos de famílias de renda baixa é muito grande, uma vez que o sistema privado em geral absorve boa parte dos estudantes de renda elevada nessa faixa etária.
3) Universidades têm como encontrar fontes alternativas de receitas
Por derradeiro, visto que as universidades do Estado trabalham com um público diferenciado em relação aos estudantes da rede pública da educação básica, é perfeitamente possível buscar mecanismos alternativos de financiamento que não simplesmente o orçamento do governo.
Em primeiro lugar, é possível buscar cobranças de alunos que tenham condições de pagar. A cobrança pode ser proporcional à renda. Inclusive, o STF já decidiu que universidades públicas podem cobrar mensalidade em cursos de especialização.
Durante o julgamento, no inteiro teor dos votos, é possível perceber que vários ministros sinalizaram entendimento favorável à possibilidade de cobrança para alunos de renda elevada também nos cursos de mestrado e doutorado.
Aliás, o MIT divulgou pesquisa que concluiu que a política de isenção de cobrança para todos os alunos em universidade públicas pode prejudicar potenciais alunos de baixa renda. A Gazeta do Povo publicou também uma matéria, demonstrando como um sistema de cobrança que protegesse alunos carentes com bolsas reduziria a desigualdade.
Por fim, é possível para as universidades ampliar o número de parcerias com a iniciativa privada, seja no setor de pesquisa e inovação tecnológica, seja na manutenção de museus, teatros ou centros de eventos.
Conclusão
Pelos motivos expostos acima, concluímos que o Governo deve priorizar a educação básica.
Alguns poderiam concordar com essa conclusão, mas argumentar que deveria ocorrer uma expansão do gasto público em educação, e não uma transferência do ensino superior para o básico. A opção, todavia, parece-nos inviável e inconveniente. Inviável, ao menos no curto e médio prazo, em virtude da condição econômica e fiscal do país. Inconveniente, porque o Brasil já possui gastos totais elevados em proporção ao PIB. Inclusive, superior ao dos países desenvolvidos. O Brasil gasta cerca de 6% do PIB com educação, enquanto os países da OCDE cerca de 5,5%.
Nesse mesmo sentido, Marcelo Hermes Lima, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em cientometria, escreveu uma série de artigos para a Gazeta do Povo, demonstrando que o Brasil gasta mais do que vários outros países, sem conseguir ter o mesmo impacto na pesquisa, e que nossa produção, apesar de volumosa, é de baixa relevância, sendo pouco citada internacionalmente.
Assim, diante de um quadro de orçamento impassível de ser elastecido no médio prazo, e tomando por premissa que a educação básica não pode aguardar uma possível futura folga nas contas públicas (a previsão é de que o Brasil passe a realizar superávits primários com receitas ordinárias somente a partir de 2026), a questão passa a ser: onde alocar os recursos hoje existentes.
A solução que vislumbramos é encontrar receitas alternativas para as universidades e realocar os investimentos concentrados no ensino superior na educação básica.
deixe sua opinião