"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Pelo 2º ano consecutivo, número de armas registradas dispara e homicídios despencam
Armas lícitas e crimes em 2018
No ano passado publicamos breve texto, apontando que: “Segundo o SINARM (Sistema Nacional de Armas), no ano de 2018 houve um aumento de 6,35% no registro de armas de fogo. Já os registros do tipo CAC (colecionador, atirador esportivo e caçador) tiveram um aumento de 31% no Estado de São Paulo.”
Enquanto isso, segundo dados do Monitor da Violência, 2018 registrou a maior queda do número de homicídios em 11 anos, com uma baixa de 13% em relação a 2017.
Armas lícitas e crimes em 2019
Pois bem, em 2019 o fenômeno se repetiu e de forma ainda mais contundente.
De fato, segundo matéria da Gazeta do Povo:
“O número de registros de armas de fogo no Brasil bateu recorde em 2019. No primeiro ano da gestão do presidente Jair Bolsonaro foram 44.181 registros concedidos a pessoas físicas, entre janeiro e novembro, segundo dados obtidos pelo O Globo – o equivalente a cinco por hora. O número de registros, diz o jornal, é o maior concedido pela Polícia Federal desde o início da série histórica, em 2010, com alta de 29% em relação a 2018. Os dados não consideram registros para colecionadores, atiradores, caçadores, além de órgãos públicos e empresas de segurança.”
Ao mesmo tempo, segundo dados do Monitor da Violência relativos aos primeiro nove meses do ano de 2019, as mortes violentas registraram uma queda recorde de 22%. A informações estão em linha com os dados oficiais do SINESP – Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, colhidos do site do Ministério da Justiça, segundo os quais: “Nos quatro primeiros meses de 2019, o Brasil registrou queda em todos os nove crimes registrados na plataforma Sinesp. O número de homicídios caiu 21,2% e o número de latrocínios teve redução de 23,8% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Não existe relação de causalidade direta entre quantidade de armas lícitas e homicídios
O fato só confirma – mais uma vez – um fenômeno já amplamente documentado e estudado: não existe relação de causalidade entre aumento no número de armas lícitas e crescimento quantitativo dos homicídios e demais delitos violentos.
Sobre o ponto, veja os dados constantes dos livros do especialista no tema John Lott, bem como na obra brasileira “Mentiram e muito para mim sobre o Desarmamento”. Há ainda vários artigos com informações interessantes.
Especificamente sobre o Brasil, o articulista da Revista Época, especializado em segurança pública, Giampaolo Morgado Braga, em artigo em que examinou o número de armas e homicídios por estado nacional chegou a conclusões interessantes:
- “Numa análise estatística de correlação, as duas séries (taxa de armas e taxa de mortes) tem uma relação de -0,17. Em resumo, não há correlação expressiva entre armas legais nas mãos dos cidadãos comuns e homicídios dolosos.”
- “Nos estados com menores taxas de homicídio, há desde lugares relativamente desarmados (São Paulo) até estados com taxas mais altas de arma por 100 habitantes (Santa Catarina).”
- “Dos cinco estados com maiores taxas de homicídio em 2018 — coletei os dados nas secretarias estaduais de Segurança e no Monitor da Violência do portal G1 — apenas um (Acre) está entre os que proporcionalmente têm mais armas nas mãos de particulares. Roraima, que ostenta sem orgulho o primeiro lugar na taxa de homicídios (56 mortes por 100 mil habitantes), tem 0,27 arma para cada grupo de 100 roraimenses. O Ceará, que teve em 2018 a brutal taxa de quase 50 mortes por 100 mil, é um dos estados do país com menos armas registradas com pessoas físicas: 0,0654 por 100 habitantes.”
O fenômeno pode ser explicado de modo simples por meio da análise econômica do direito (chamada também de “economia do crime” quando aplicada para o direito penal): criminosos evitam riscos e custos assim como qualquer agente racional. Por isso, elementos de segurança das vítimas – ao ampliar o risco e o custo da empreitada criminosa – têm a tendência de reduzir o número de delitos.
Mas nem todo instrumento de segurança tem o mesmo efeito. Um elemento que possa ser percebido pelo criminoso ex ante, ou seja, já externamente, como um muro alto ou grades nas janelas, em geral, apenas redirecionam o comportamento criminoso para outra vítima.
Por outro lado, elementos de segurança imperceptíveis externamente, descobertos apenas ex post (por exemplo: alarmes internos), produzem um risco difuso entre os criminosos, tendendo a reduzir os delitos de modo geral, não apenas a redirecioná-los. Para esses, inclusive, por gerarem essa externalidade positiva (ou seja, beneficiarem toda a sociedade próxima) há quem defenda que haveria justificativa para políticas públicas de fomento por parte do Estado, facilitando o acesso a esses mecanismos.
Veja, nesse sentido, as páginas 479 e 480, no capítulo 12, da obra “Law and Economics” (6ª edição), de Cooter e Ulen, respectivamente das Universidades da Califórnia e Illinois.
Como se percebe, as armas lícitas têm as características de elementos de segurança conhecidos ex post. Por isso, é possível concluir que a autorização para registro de armas – com critérios como ocorre no Brasil (em que se exige prova de aptidão técnica, negativa de antecedentes e habilitação psicológica) – não apresenta impactos negativos sobre a criminalidade violenta.
Mas há quem diga o contrário. Por isso, em artigo futuro, iremos apontar o que vemos como equívocos em alguns dos mais comuns argumentos dos grupos que defendem legislações que restringem a liberdade do cidadão de se defender: 1) confundir em estatísticas armas lícitas e ilícitas; 2) utilizar experiências internacionais que acreditamos impassíveis de serem replicadas no Brasil (e explicaremos por quê); 3) o “argumento histérico”, que busca manipular o medo tentando fazer crer que qualquer legislação que não seja totalmente desarmamentista implicaria em fornecer armas a qualquer um, sem qualquer critério.
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