"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Ciro Gomes insulta membro do MP em razão de abertura de inquérito por ter chamado vereador paulistano negro de “capitãozinho do mato”

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Em sabatina ocorrida nessa última terça-feira (dia 17 de julho), na ABIMAQ, Ciro Gomes atacou verbalmente promotora de Justiça que determinou a abertura de inquérito policial para investigar ofensas por motivos raciais proferidas pelo pedetista contra o vereador paulistano Fernando Holiday.

O que aconteceu no caso envolvendo o vereado paulistano

Fernando Holiday
Em entrevista concedida à rádio Jovem Pan o pré-candidato à Presidência da República chamou Fernando Holiday de “capitãozinho do mato”.

“Capitão do mato” é expressão pejorativa utilizada para chamar pessoas negras de racistas. “Capitão do mato” era o nome de função exercida  por negros libertos, durante a escravidão, de perseguir e castigar escravos desobedientes ou fugitivos.

Portanto, trata-se de expressão ofensiva proferida especificamente contra pessoas negras (ou seja, em razão de raça e cor) para lhes atribuir condição depreciativa.

Segundo reportagem do jornal “O Globo”: “O vereador reagiu poucos minutos depois pelo Twitter. Holiday escreveu que nos tempos de hoje ‘racistas como Ciro’ não são tolerados”.

Ainda, utilizando-se daquela mesma rede social, Fernando Holiday postou mensagem afirmando sobre Ciro Gomes:

“Está acostumado a ofender mulheres, homossexuais no estado dele, mas aqui em São Paulo ele vai ter que me respeitar. Não estamos mais no tempo em que racistas como Ciro são tolerados. Vai responder por isso na Justiça – escreveu o vereador. – Em agenda pelo estado do Amapá fui informado de que fui alvo de ofensas raciais pelo Ciro Gomes, ele me chamou de “capitãozinho do mato”. A gravidade do ato foge da esfera política. Não é divergência ideológica, mas injúria racial pura e simples. Nossa conversa será na Justiça.”

Em discurso na Câmara de Vereadores, o ofendido também declarou:

“Um homem [de] cujo currículo imundo ele tenta fugir. Um homem que se sustentou ao longo de toda a sua vida na base do poder da família Ferreira Gomes. Uma família cuja história vem do coronelismo, de um tipo de política que nós queremos extirpar do nosso país. Um homem que deveria ter vergonha da sua história mais uma vez vem passar vergonha diante do país. Mas não passará impune dessa vez. Ciro Gomes será processado na Justiça Civil. E Ciro Gomes responderá na Justiça Penal pelo crime que cometeu. E ai daqueles que o apoiarem. Saibam todos vocês que apoiam Ciro Gomes e que o apoiaram nesta fala, vocês não estão o apoiando contra Fernando Holiday. Vocês o estão apoiando contra todos os negros decentes deste país. E contra todas as pessoas que têm vergonha na cara. Não é Ciro Gomes contra Holiday. É a decência contra a indecência. É o caráter contra a falta de caráter. É a honestidade contra a falta de honestidade. E se este homem chegar à presidência da República deste país, senhoras e senhores, que Deus tenha misericórdia desta nação.”

Pois bem. O art. 140 do Código Penal prevê o delito de injúria, o qual pune a conduta de “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. A injúria é considerada racial, e tem punição mais grave, “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça” ou “cor”, conforme § 3º do mesmo artigo. Ou seja, configura injúria racial ofender alguém utilizando-se de elementos de raça ou cor.

O Tribunal de Justiça de São Paulo possui precedentes condenando por injúria racial réus, por exemplo, por terem chamado pessoas negras de “macaco e preto” (TJSP;  Apelação 3038675-76.2013.8.26.0114; Relator (a): Lauro Mens de Mello; Órgão Julgador: 12ª Câmara Criminal Extraordinária; Foro de Campinas – 4ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 14/12/2017; Data de Registro: 15/12/2017) ou “macaca e negrinha” (TJSP;  Apelação 0018506-45.2010.8.26.0302; Relator (a): Lauro Mens de Mello; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Jaú – 1ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 23/11/2017; Data de Registro: 24/11/2017).

Tendo em vista que no caso mencionado o presidenciável atribuiu qualidade depreciativa ao vereador paulistano utilizando-se de elemento relacionado a sua cor e raça, membro do Ministério Público de São Paulo determinou a abertura de inquérito policial para investigar a possível prática de crime de injúria racial.

A frase também motivou o ajuizamento de ação requerendo a condenação de Ciro Gomes ao pagamento de indenização por danos morais a Fernando Holiday.

Conforme levantamento feito pelo jornal “O Globo”, Ciro Gomes responde a quase 100 processos “por calúnia, injúria, difamação e pedido de indenização por danos morais” ajuizados por cerca 50 vítimas diferentes.

A reação de Ciro Gomes

MPSP

Na última terça-feira, dia 17 de julho, a ABIMAQ (Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos) promoveu uma sabatina com o pedetista em virtude de sua pré-candidatura à Presidência da República.

A íntegra da participação do presidenciável pode ser vista no YouTube (link aqui).

Por volta do minuto 59 do vídeo, ele comenta sobre a atuação do MP de São Paulo no caso acima narrado e, então, declara: “Um promotor aqui de São Paulo resolveu me processar por injúria racial e pronto! Um filho da puta desse faz isso. E pronto…”

A fala de Ciro Gomes, atribuindo predicado injurioso a membro do MP paulista, valendo-se de palavras de baixo calão, pode caracterizar novo delito contra a honra, dessa vez praticado contra a promotora de Justiça.

Ciro Gomes ainda afirmou: “Ele que cuide de gastar o restinho das atribuições dele, porque se eu for presidente essa mamata vai acabar“, o que parece dar a entender que caso chegue à Presidência buscará esvaziar as atribuições do Ministério Público.

O rebaixamento do debate político

exchange-of-ideas-222790_1280O debate político tende a passar por um processo de deterioração à medida que as eleições se aproximam.

A tática de se utilizar de expressões grosseiras tende a ser utilizada como modo de aproveitar o clima de polarização que cercam as eleições.

O fenômeno tem efeitos negativos: primeiramente, desloca a atenção do principal: as ideias e propostas; em segundo lugar, envenena as discussões, convertendo-as em trocas de ofensas, acirrando polarizações e fanatismos; por fim, gera a tendência a uma escalada de insultos, irracionalidade, e consequente perda de qualidade no debate político.

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