"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

COVID-19 é um grande desafio, mas números têm de ser vistos em uma perspectiva mais ampla

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A pandemia causada pelo coronavírus chinês vai se apresentando como um dos maiores desafios que os países enfrentaram em sua história recente. Disso não há a menor dúvida.

Uma primeira grande dificuldade é a quase completa ausência de dados segurosAlguns têm alegado que agem com base em evidências científicas, o que é totalmente descabido para um evento que ocorre pela primeira vez e ainda está em curso. Na verdade, todos os países estão “trocando o pneu com o carro andando”, de modo que ainda é inviável saber o custo/benefício de determinadas medidas.

Aliás, é interessante aqui corrigir um equívoco que tem sido comum em abordagens sobre o tema: apresentar modelos de contágio e eficácia de medidas de isolamento social como se eles fossem efetivas evidências. De modo algum. Modelos são, basicamente, fórmulas de predição com base em determinadas suposições (como taxa de mortalidade, velocidade de contágio etc.). Contudo, esses modelos podem vir a se mostrar completamente equivocados em vista de reais evidências resultantes da paulatina coleta e análise de dados à medida que o fenômeno da pandemia se desenrola.

De todo modo, o fato é que num período de “medicina baseada em evidências”, a ausência de estatísticas seguras causa forte perplexidade e insegurança sobre o que vem pela frente, mesmo dentro da comunidade médico-científica. E ainda que comecem a surgir dados relevantes de países que parecem já ter controlado sua situação (como Cingapura e Coreia do Sul), não há certeza de que o vírus irá se comportar de igual modo em outros lugares.

Outra grande dificuldade que o vírus chinês tem apresentado é que ele não só causa um número significativo de óbitos dentro do grupo de risco, mas também uma alta taxa de internação e um longo período de uso de aparelhos, o que cria uma dificuldade grande do ponto de vista da estrutura de atendimento da saúde pública.

Logo, é inegável que o coronavírus chinês representa um desafio grande para o mundo e para o Brasil.

Contudo, sem negar esse fato, cremos que seja necessário colocar os números do coronavírus em perspectiva de outros problemas de saúde, a fim de que seja possível uma análise individual equilibrada e também um desenho de políticas públicas adequadas.

Do contrário, a exposição constante e intensa do problema pode dar para as pessoas a impressão de que ele possui uma dimensão relativa superior à que realmente possui. É fácil para gestores e pessoas de modo geral cair numa intuição do tipo: nunca ouvi falar de tantas mortes e internações, e concluir que, logo, nunca houve ou há muito tempo não havia tanta mortandade, o que não é verdade.

Com efeito, até hoje (dia 3 de abril), sabe-se que pouco mais de 51 mil pessoas foram a óbito contaminadas pelo coronavírus. Parece incerto ainda na comunidade científica quantas dessas pessoas morreram de COVID-19, ou apenas com a doença, visto que muitas das vítimas contabilizadas são pessoas com baixa expectativa de sobrevida, em virtude da idade avançada e da presença de comorbidades. De uma forma ou de outra, trata-se inegavelmente de uma tragédia humana enorme.

Contudo, o que poucas pessoas sabem é que se estima que neste ano de 2020 – tendo por base a data de hoje (3 de abril) – mais 124 mil já morreram no mundo por gripes sazonais (essas que atacam todos os anos). Trata-se de uma tragédia, por ora, ainda maior do que o COVID-19. Contudo, a baixa exposição do fato faz com que as pessoas não tenham essa perspectiva.

É verdade que como o coronavírus é novo, pegando a população sem imunidade, seus números podem crescer e ultrapassar os da gripe. Mas de todo modo, a análise em perspectiva ampliada parece iluminar o fato de que já havia desafios anteriores. O atual se soma a eles e torna a situação temporariamente mais difícil, mas deve ser analisada com sobriedade e serenidade.

Até porque as tragédias humanas não se resumem às várias espécies de gripe. Com efeito, neste ano – na data de hoje -, estima-se que já faleceram mais de 3 milhões e 300 mil pessoas pelas mais variadas doenças.

O que  parece ainda mais trágico, estima-se que já foram registrados mais de 1.9 milhão de óbitos de crianças menores de 5 anos. Repita-se: apenas em 2020. Todos esses dados e muitos outros podem ser verificados clicando aqui, e indo no item “Health” da página.

Só a pneumonia mata em média uma criança de menos de 5 anos, ao redor do mundo, a cada 39 segundos. Apenas em 2018 foram mais de 800 mil vítima fatais da doença nessa faixa etária.

Isso não alivia as dificuldades que poderão vir a ser enfrentadas contra o COVID-19 em termos de estrutura da UTIs e respiradores, mas as coloca em uma perspectiva mais ampla.

Mesmo na Itália, onde os números do COVID-19 são absolutamente desoladores, uma pesquisa realizada por vários cientistas, publicada recentemente (nov. 2019), no International Journal of Infectious Diseases, analisando o número de mortes ocasionadas pelo vírus Influenza em solo italiano, num período de 4 anos (do segundo semestre de 2013 ao primeiro semestre de 2017), quantificou um total de mais de 68 mil óbitos. Uma média anual de 17 mil, portanto.

Daí se pode perceber que o número de óbitos por doenças respiratórias naquele país é comumente elevado. Isso não retira de nenhum modo a gravidade da situação atual. O evento tem de ser enfrentado com a seriedade e gravidade que requer, mesmo porque além das mortes – como já mencionado – tende a criar um desafio para o sistema de saúde. Mas tais dados colocam o problema sob um enfoque dilatado.

O mesmo pode ser feito em relação ao Brasil. Em 2018, o país registrou 1.2 milhão de mortes. O número vem crescendo, possivelmente em virtude do envelhecimento da população. Em média, portanto, são 3.500 óbitos por dia; mais de 100 por hora; cerca de 2 por minuto. Perceba que em menos de 5 dias morrem no Brasil mais do que o total de vítimas do Vírus Chinês na Itália em 3 meses de pandemia. Desde que o primeiro caso de COVID-19 foi registrado em nosso país, já faleceram dezenas de milhares de pessoas no Brasil, pelos mais variados motivos.

Com isso não se pretende de modo algum negar a gravidade do tema. A resposta pronta e incisiva de várias nações já impediria isso. Mas para uma correta formulação e análise das políticas públicas, e acompanhamento saudável das notícias sobre o assunto, parece relevante efetuar uma leitura das reais dificuldades impostas pela pandemia à luz de uma perspectiva mais ampla dos problemas sanitários que o mundo e o Brasil enfrentam constantemente.

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