"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Decisão de Toffoli sobre voto secreto é equivocada e viola jurisprudência do STF
Conforme noticiou a Gazeta do Povo, “o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, decidiu anular decisão do plenário do Senado pelo voto aberto na eleição para a presidência da Casa e determinou que a votação seja secreta.” O ministro baseou sua decisão no art. 60 do Regimento Interno do Senado.
O julgamento ocorreu após o Plenário do Senado Federal, por uma maioria acachapante de 50 votos a 2, determinar que a eleição que ocorre neste início de legislatura para Presidente da Casa dar-se-ia por voto aberto.
A decisão do Ministro Dias Toffoli está equivocada e contraria jurisprudência remansosa do STF.
Com efeito, a Constituição expressamente determinou para determinadas deliberações do Senado que a votação ocorresse de forma secreta, como prevê o art. 52, incisos III, IV e XI, da Constituição. O texto constitucional também prevê esse modo de votação para algumas decisões administrativas dos tribunais judiciários (art. 119, I e art. 120, § 1º, I).
Nesses casos, em que a Constituição explicitamente determinou votação secreta, caso o Senado determinasse voto aberto o STF poderia ordenar que se cumprisse a ordem explícita da norma constitucional. Nessa hipótese não se estaria diante de mera violação do regimento interno do Senado, mas propriamente da Constituição.
Ocorre que quando a Constituição silencia sobre a forma de votação (aberta ou secreta) cabe à Casa legislativa de forma soberana decidir acerca de como proceder. Há também quem advogue que, como a regra é a transparência no exercício do mandato parlamentar, a fim de favorecer a publicidade da atuação dos eleitos e a fiscalização pela sociedade, quando a Constituição não previsse de modo excepcional o voto secreto, aplicar-se-ia a norma geral: voto aberto. É uma posição bastante defensável.
De um modo ou de outro, uma coisa é certa: quando a Constituição não determina que a votação seja secreta, caso o órgão legislativo decida pelo voto aberto, não poderá em hipótese alguma o STF decidir em contrário, como fez Dias Toffoli.
A decisão da Casa Legislativa é feita, em princípio, por meio do Regimento Interno. Todavia, caso a Câmara, o Senado ou o Congresso, em determinado caso concreto, queiram excepcionar a regra regimental, podem fazê-lo. Isso não equivale a alterar o Regimento, porquanto a decisão valerá apenas para aquele caso específico.
E não compete ao Poder Judiciário examinar essa decisão. A análise sobre a interpretação, execução e observância do Regimento configura questão interna corporis do Legislativo, de modo que o STF simplesmente não tem atribuição para examiná-la. A fiscalização de órgão externo sobre o cumprimento ou não do Regimento Interno das Casas Legislativas viola a Separação de Poderes.
Nesse sentido, confira a consolidada jurisprudência da Corte:
O Poder Judiciário não possui competência para sindicar atos das Casas Legislativas que se sustentam, unicamente, na interpretação conferida às normas regimentais internas. Precedentes: MS 25.144 AgR, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 28.02.2018; MS 31.951 AgR, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 31.08.2016, MS 24.356, Relator Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 12.09.2003. 2. A inexistência de fundamento constitucional no ato emanado do Poder Legislativo, cujo alicerce decorre unicamente da exegese do Regimento Interno das Casas Legislativas, revela hipótese de ato interna corporis insindicável pelo Poder Judiciário. (MS 35581 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 15/06/2018)
1. O acolhimento da pretensão de inconstitucionalidade formal da Lei nº 18.370/14 do Estado do Paraná, por atropelo do processo legal legislativo, importaria no reexame da causa à luz das normas do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná e dos fatos e das provas constantes dos autos. A ofensa ao texto constitucional seria, caso ocorresse, apenas indireta ou reflexa, o que é insuficiente para amparar o recurso extraordinário. Incidência das Súmulas nºs 279, 280 e 636 da Corte. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não caber ao Poder Judiciário, a pretexto de realizar o controle de atos legislativos, imiscuir-se em matérias interna corporis, sob pena de violação do princípio da separação dos Poderes. Precedentes. (ARE 1028435 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017)
Não se revela admissível mandado de segurança, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes (CF, art. 2º), quando impetrado com o objetivo de questionar divergências “interna corporis” e de suscitar discussões de natureza regimental: apreciação vedada ao Poder Judiciário, por tratar-se de temas que devem ser resolvidos na esfera de atuação do próprio Congresso Nacional (ou das Casas que o integram). – A submissão das questões de índole regimental ao poder de supervisão jurisdicional dos Tribunais implicaria, em última análise, caso admitida, a inaceitável nulificação do próprio Poder Legislativo, especialmente em matérias em que não se verifica evidência de que o comportamento impugnado tenha efetivamente vulnerado o texto da Constituição da República. Precedentes. (MS 33705 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016)
Logo, equivocada a decisão do Ministro Dias Toffoli que invadiu questão interna corporis do Senado, examinando cumprimento do regimento interno contra decisão soberana do plenário da Casa, violando a Separação de Poderes.
Saliente-se que no caso concreto a decisão ainda tem o agravante de militar contra a transparência no exercício do mandato e a capacidade do eleitor de fiscalizar a atuação de seus representantes.
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