"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Como o gasto público prejudica a economia brasileira
Estudo da FGV acaba de revelar que a segunda década dos anos 2000 será a pior da história registrada pelo instituto. Provavelmente, a pior da história. Entre 2011 e 2018, o país registrou um crescimento pífio de 0,6%. O resultado é consequência principalmente da grande recessão brasileira, que iniciou no segundo trimestre de 2014 e se estendeu até o último de 2016, fazendo a riqueza nacional desabar mais de 8 por cento no acumulado do período.
A expectativa é que, na média, a década feche com um crescimento anual do PIB na ordem de 0,9%. Levando em conta o crescimento populacional, podemos dizer que o resultado per capita é nulo. Ou seja, é literalmente uma década perdida.
Agora, o interessante é verificarmos o que causou isso. Como sabemos, a consequência é sempre fruto de uma causa que lhe antecedeu. Assim, é imprescindível verificar as práticas adotadas no país no período pré-crise.
Uma das que mais chama a atenção é a expansão dos gastos públicos.
Veja o seguinte gráfico, referente ao crescimento das despesas primárias da União em relação ao PIB:
Importante para o debate público atual acerca da Previdência, verificar a subida das despesas de forma desagregada, o que deixa clara a explosão do gasto previdenciário, indicado pela linha verde, o que revela sua insustentabilidade e o quão imprescindível é uma reforma profunda e célere:
Veja ainda sobre as despesas da União pós-2010:
Perceba que o resultado sobre o PIB foi inverso:
Um dos motivos ideológicos que permitiu a explosão das despesas públicas é o “mito” de que gasto público gera crescimento econômico.
A ideia, no entanto, não se sustenta. Vejamos por quê.
Por que gasto público não gera crescimento econômico
Querer gerar crescimento econômico com gasto estatal é como querer sair do pântano puxando os próprios cabelos. É algo inviável, porque para o Estado gastar qualquer centavo que seja, ele primeiro tem de retirar esse dinheiro da economia. O gasto do Estado transfere dinheiro de uns para outros. Ele não gera nada. Assim, querer aumentar a riqueza geral com gasto público é como tentar elevar o volume total de água da piscina, retirando o líquido de um lado e despejando-o no outro.
Assim, a expansão das despesas públicas gera o efeito “crowding-out”, isto é, a expulsão do gasto privado.
A economista da Califórnia Valerie Ramey, em artigo no qual expõe as conclusões de seus estudos sobre o impacto do gasto público sobre a atividade privada, constata exatamente esse efeito: o aumento do gasto público expulsa o gasto privado; e o aumento do produto da economia (PIB) é inferior ao incremento da despesa pública. Ou seja, há um jogo de “soma negativa”: para cada R$ 1,00 de gasto público a mais (o que exige que haja, no mínimo, R$ 1,00 de gasto privado a menos) haverá uma resposta do PIB inferior a R$ 1,00.
Há estudos empíricos com conclusões no mesmo sentido especificamente sobre o Brasil.
O resultado é absolutamente intuitivo. O Estado antes de gastar terá de tomar esse dinheiro da iniciativa privada, por um destes três mecanismos: 1) tributos; 2) inflação (que nada mais é do que uma forma de tributo que prejudica especialmente os mais pobres, como demonstramos neste artigo); ou, 3) consumindo crédito (isto é, tomando empréstimos e se endividando), o que significa que ele estará sugando a poupança das pessoas, que de outro modo ficaria disponível para investimentos privados. Ou seja: o gasto estatal sempre ocupa o lugar do gasto da população.
Vejamos de modo mais aprofundado o caso dos tributos e do envididamento.
Aumento de tributos
No que se refere especificamente à elevação de tributos, ela foi utilizada amplamente no Brasil durante as últimas décadas, como se pode observar do seguinte gráfico acerca da evolução da carga tributária no país:
Sobre esse expediente, Christina D. Romer, da Universidade de Berkeley, e David H. Romer, do MIT, em estudos empíricos, verificaram que uma expansão da carga tributária de 1% sobre o PIB, implica numa variação negativa de 1,8% do PIB em três anos, e de 3% negativos num prazo de 12 trimestres. O PIB pode até crescer no período, mas sem aquele aumento dos tributos teria alcançado uma variação superior.
Assim, segundo estudos empíricos de Robert J. Barro (doutor em economia pela Universidade de Harvard) e Charles J. Redlick (da Universidade de Stanford), a majoração dos gastos públicos num orçamento equilibrado (ou seja, sem endividamento, o que obriga a elevar tributos para fazer frente à elevação das despesas, expulsando o gasto privado) implica num resultado negativo sobre o PIB. Segundo as estimativas dos pesquisadores, para cada 1% de elevação do gasto sobre o produto interno, não só não haveria crescimento algum da produção nacional, como ainda redundaria numa redução entre 0,3 e 0,7%.
Endividamento do Estado
Bom, mas e se o Estado se endividar? O Brasil também fez isso. Veja o seguinte gráfico da evolução da dívida bruta federal desde 1994:
Vejamos como funciona a dinâmica do endividamento.
Primeiramente, a dívida contraída pelo Estado não implica em qualquer aumento da riqueza. O Estado não gasta mais porque a arrecadação subiu. O Estado nesse caso apenas antecipa o gasto de uma receita futura.
Nesse caso, o Estado estará apenas gastando hoje, o que ele pagará com um tributo que será cobrado amanhã. Daí que o autor liberal James Buchanan, vencedor do Nobel de Economia, em entrevista nas páginas amarelas da Revista Veja de 14 de Abril de 1993, afirmou que “o déficit fiscal é um problema fundamentalmente moral. É imoral gastar recursos hoje e deixar a conta para gerações futuras. Quando o governo tem de pagar juros, está tirando recursos da indústria que produz para pagar sua dívida a indivíduos que estão apenas mantendo seus títulos. Rouba-se, desse modo, produtividade da economia”. (p. 8)
Perceba, pois, que o Estado, nesse caso, não terá que cobrar no futuro apenas o valor tomado emprestado, mas ainda terá de arcar com os juros. De tal modo que chegará um momento em que o Estado terá de ou reduzir suas despesas abaixo do nível anterior ao processo de endividamento (para fazer superávit) ou terá de ampliar os tributos para além do que teria ocorrido no primeiro exemplo (de um orçamento equilibrado), pois terá de elevá-los o suficiente para arcar com o gasto corrente, mais o pagamento da dívida, mais os juros.
Assim, ao final, o impacto recessivo explicado anteriormente será ainda maior. É basicamente o que ocorre com o Brasil hoje.
Todavia, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, o problema do endividamento não é só das futuras gerações. De fato, além de consumir receitas futuras, o endividamento do Estado consome poupança atual.
Os consecutivos déficits orçamentários são um dos principais motivos de o Brasil estar crescendo tão pouco.
Veja o resultado dos últimos anos:
2015: rombo primário de mais de 110 bilhões (aqui);
2016: buraco de mais de 150 bilhões (aqui);
2017: déficit de mais de 120 bilhões (aqui);
2018: novamente, mais de 120 bilhões (aqui).
Para uma economia crescer é necessário que haja investimento. O investimento decorre da poupança do país.
De fato, do total da riqueza gerada, uma parte será imediatamente aplicada no consumo de bens finais. É um gasto improdutivo. O nível desse gasto determina nosso padrão de vida atual. Se você estiver plenamente contente com o seu padrão de vida, você pode consumir tudo o que ganha (contando que nenhuma crise reduzirá sua renda). Do mesmo modo, se um país está contente com seu padrão de vida nacional, poderá consumir toda a renda nacional. Agora, se você individualmente, ou uma economia como um todo, pretende ampliar seu padrão de vida, é necessário sacrificar uma parte da renda presente – ou seja, fazer poupança – para investi-la, a fim de aumentar sua renda futura.
A poupança e o investimento, ampliando a capacidade produtiva da economia, são as variáveis definitivas para o crescimento econômico.
O que ocorre quando o Estado se endivida é que ele toma parte da poupança e a aplica em gastos com a burocracia estatal, como manutenção da máquina pública, aluguel de imóveis, compra de insumos para escritórios, folha de pagamentos etc. Esses valores, então, deixam de ser destinados a investimentos produtivos (aquisição de tecnologia, ampliação de fábricas, abertura de estabelecimentos comerciais etc.). Isso reduz a dinamicidade da economia e fere a capacidade de crescimento.
Frise-se que mesmo quando o gasto do Estado é direcionado para atividades de interesse público, ele é inexoravelmente menos eficiente, porque se o Estado subtrai 100 de riqueza, ele não irá “gastar” 100 na economia. Ele terá perdas estritamente burocráticas com arrecadação e gestão desses valores. É novamente um problema de “soma-negativa”.
Segundo estudo do professor do IBMEC Adriano Gianturco, em sua obra “Ciência da Política – Uma Introdução” (páginas 372 e 373 da 2ª edição, 2019), a média mundial do custo burocrático “gira em torno de 40% a 60%. Os estados mais eficientes gastam 40% do que arrecadam com gasto da máquina estatal em si (despesas correntes como gasto com pessoal etc.), os menos eficientes dos quais temos estatísticas confiáveis chegam a 60%. Ou seja, por cada mil reais pagos em impostos, 40%-60% ficam com políticos e burocratas, e o resto vai para os serviços”.
O economista James Buchanan, na mesma entrevista citada acima, afirmou por isso que “cada vez que o governo vende um título para financiar suas operações está sugando poupança de alguém que poderia ter investido de forma mais produtiva na economia. Isso leva a taxas de crescimento e taxas de produtividade menores. Eu considero isso um assalto“.
Conclusão
O canal do YouTube Prager University possui um excelente vídeo em que afirma: “quando o Estado cresce, tudo mais diminui”: a liberdade, o indivíduo, a religião, a caridade privada.
Ao menos em relação à “renda”, os dados acima deixam claro o acerto do vídeo. Quando o gasto do Estado cresce, o das pessoas de modo geral diminui.
Desse modo, percebe-se que não existe ideologia contrária à “austeridade” em si: o que há são ideologias que defendem o prodigalidade do Estado e a austeridade do povo; e outras que advogam a austeridade do Estado, para que o povo usufrua de sua renda em maior medida.
Agora, fica a dúvida: se não é possível alavancar o crescimento sustentável com gasto público, como ocorre a expansão produtiva genuína de uma economia? É o que veremos num próximo artigo.
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