"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Globalização Vs. Globalismo

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Por Ronaldo Kietzer Oliveira, graduado em direito pela Universidade Estadual de Londrina, assessor no Ministério Público Federal

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araujo, em coletiva de imprensa. Foto: Sergio LIMA/AFP
Foto: Sergio Lima/AFP

Dentro da gramática é na morfologia em que se dá o estudo das palavras individualmente consideradas. Estruturalmente todas as palavras são compostas por um radical, a parte de maior carga significativa, ou seja, onde reside a própria essência dela. Se alguém, por exemplo, não souber o que significa a expressão “corruptível”, em razão do radical “corrupterá grandes chances de deduzir que está ligada ao termo corrupção.

Mas para uma sadia comunicação não basta compreender o radical. As demais partes estruturais das palavras são igualmente importantes porque cada qual atribui sentido próprio a termos com o mesmo radical. O cuidado no manejo de expressões diferentes com o mesmo radical deve estar presente de maneira acurada, sobre tudo, na classe de comunicadores de nossa imprensa – a não ser que, sabendo da diferença, a troca de uma palavra pela outra seja feita propositalmente com a intenção de prejudicar a compreensão.

No Programa “O É da Coisa” do dia 28/06/2019, transmitido pela Rádio BandNews FM (disponível no Youtube – 25 minutos e 40 segundos em diante) o jornalista Reinaldo Azevedo comentou acerca do Acordo comercial firmado entre o Mercosul e a União Europeia: Nós estamos fazendo acordo – o Mercosul com a União Europeia; a União Europeia que foi um bloco demonizado pelo nosso Ernesto Araújo [Ministro das Relações Exteriores]. O acordo Mercosul e União Europeia é o acordo que nasce do globalismo. É o globalismo! É a chamada ideologia, como chamam, globalista. Isso é o contrário, felizmente, do que o Bolsonaro disse que iria fazer.”

E continua: “Em todo caso perdeu o viés bolsonarista e ganhou então o viés ideológico do globalismo; (…) O que se vê é a vitória do tal globalismo; eu fico feliz de ver finalmente Bolsonaro aplaudir o globalismo.” (41 minutos e 10 segundos do vídeo).

De fato, Bolsonaro já declarou reprovar a ideologia globalista. Contudo a atuação do governo brasileiro tocante ao acordo comercial é assunto econômico, ou seja, refere-se à globalização.

Globalização e globalismo, apesar do mesmo radical que remete à ideia de “global” (algo de dimensão mundial), são palavras com sufixos diferentes e que por isso expressam sentidos que não se confundem.

Artigo publicado na plataforma eletrônica do Instituto Misses Brasil cujo título autoexplicativo é “A diferença básica entre globalismo e globalização econômica: um é o oposto do outro – Defender o segundo não implica defender o primeiro”, fica como uma boa dica de leitura para que comunicadores não desinformem suas audiências.

No texto está delineado o elementar: globalização é um fenômeno de ordem econômica em que as corporações dos diversos países, atuando em livre mercado e sem protecionismos estatais, são levadas a integrarem as economias de um país às dos outros em escala mundial – mas tudo isso preservando a independência e soberania das nações. Já o globalismo ocorre no âmbito político e é a pretensão de determinadas forças atropelarem as soberanias nacionais criando um dirigismo único para os rumos do planeta, o que se dá com a interferência nas relações internacionais. Portanto, enquanto o primeiro envolve a integração econômica, o segundo versa sobre a centralização política nas mãos de um governo ou grupo supranacional.

É claro que existem estudiosos e ensaístas que traçam a relação entre globalismo e globalização. Todavia, estabelecer uma relação entre dois fenômenos não se confunde com ser o mesmo fenômeno – embora as palavras que os designem sejam parecidas.

Exemplifique-se com o sociólogo alemão Ulrich Beck. Em seu livro “O que é globalização? Equívocos do globalismo: resposta à globalização” sua tese acerca da relação entre a força da economia global e o enfraquecimento das democracias internas é apresentada tendo por ponto de partida a distinção entre globalismo e globalização (além de globalidade).

Embora pareça vislumbrá-las quase que imbricadas, funcionando uma a serviço da outra, o ex-Ministro da Fazenda e economista Bresser Pereira igualmente reconhece que globalismo e globalização são fenômenos distintos – in Globalização e Estado-Nação“, artigo publicado pela FGV em 2007.

A distinção entre globalismo e globalização também pode ser encontrada em conteúdos produzidos por Olavo de Carvalho, além de artigos publicados na Gazeta do Povo por Leonardo Santana Martins de Oliveira (“Globalização vs. Globalismo” – 07/12/2018) e Rodrigo Constantino (“Globalização econômica, sim. Globalismo político, não!” – 22/01/2018).

Bem mais aproveitáveis que as informações de Reinaldo são aquelas expostas pela BBC News em 03/02/2019 na matéria “O que é ‘globalismo’, termo usado pelo novo chanceler brasileiro e por Trump?”.

Na reportagem assinada por Juliana Gragnani, há um apanhado em torno do significado termo, mencionando alguns pontos de vistas, como por exemplo o do linguista belga Jan Blommaert, para quem a expressão é vaga porém deixa claro que globalismo não é sinônimo de globalização.

Em janeiro deste ano de 2019, também em transmissão pela Rádio Band News FM, o jornalista Reinaldo Azevedo, ao analisar o discurso do presidente Jair Bolsonaro proferido no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, igualmente se utilizou de sutil jogo de palavras que induziu o ouvinte ao erro, criando uma falsa contradição entre Bolsonaro e seu Chanceler ao contextualizar globalização e globalismo como expressões sinônimas.

Disse Reinaldo: “Ele [Bolsonaro] fala da necessidade do Brasil abrir a economia; abrir a economia é abrir-se para a globalização. Só que ele tem um Ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo] que é notório por seu antiglobalismo. O que é que vale? Vale a fala do Bolsonaro ou a fala do Ernesto Araújo?”.

Diante das indagações do jornalista a resposta é facilmente esta: vale a dos dois, porque Bolsonaro e Ernesto Araújo falam sobre coisas distintas porém estando ambos certos sobre o que cada qual diz.

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