"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Relaxe. As máquinas não vão fazer você ficar desempregado.

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Investimento de R$ 1 bilhão será usado para manter a capacidade de produção da fábrica em Curitiba atualizada | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

No princípio de sua fantástica obra “Economia numa Única Lição“, o economista Henry Hazlitt, inicia o capítulo acerca dos efeitos da automação sobre os empregos da seguinte forma:

Entre as mais viáveis de todas as ilusões econômicas está a crença de que a máquina, na realidade, cria desemprego.  Destruída mil vezes, tem ressurgido sempre das próprias cinzas com a mesma firmeza e o mesmo vigor.  Sempre que há prolongado desemprego em massa, é a máquina que, novamente, leva a culpa.  Essa falácia é ainda a base de muitas manifestações de sindicatos. O público tolera tais manifestações porque acredita que, no fundo, eles têm razão, ou sente-se demasiado confuso para ver com justeza por que estão errados.

De fato, essa é uma das mais antigas e resilientes lendas da economia, o que se deve ao fato de que ela se baseia em um raciocínio tão intuitivo quanto equivocado. Ora, se empresas instalam máquinas para realizar o serviço de um (ou mais) empregados, os empregadores poderão dispensá-los. Logo, o efeito desse movimento, quando praticado em massa por toda a economia, só pode ser o aumento do desemprego. Certo?!? Não, errado.

Para demonstrar a falácia desse argumento vamos seguir em dois passos: primeiro, iremos mostrar para você que isso não acontece. O uso de tecnologia e maquinário para substituir determinadas tarefas humanas – um movimento milenar, mas que se acelera após a Revolução Industrial – não foi acompanhado de queda nos níveis de emprego ou renda pelos trabalhadores, e principalmente: levou a um aumento vertiginoso dos padrões de vida para todas as classes sociais.

Em segundo lugar, vamos explicar por que isso não acontece.

Vamos lá. Comecemos pela primeira questão, de constatação empírica dos efeitos da tecnologia até hoje na vida dos trabalhadores.

1) Os dados mostram que o avanço da tecnologia e da automação não causou desemprego, redução de renda, ou queda nos níveis de vida dos trabalhadores

Vejamos a lista dos países com maior presença de automação no mundo:

Robot Density
Disponível em: https://www.therobotreport.com/10-automated-countries-in-the-world/

O que podemos perceber de imediato é que vários dos países que encabeçam a lista (Coreia do Sul, Cingapura, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Estados Unidos, Bélgica, Holanda, Canadá, Finlândia e Suíça) são países conhecidos pelo alto padrão de vida dos trabalhadores e pela alta qualidade dos empregos.

Uma segunda constatação simples é que nenhum dos lugares do mundo conhecidos pela pobreza estão na lista.

Agora, examinemos em maior profundidade, por exemplo, o primeiro colocado, a Coreia do Sul.

Coreia do Sul

A principal acusação alarmista à automação é no sentido de que ela destruiria empregos. Todavia, perceba pelo gráfico abaixo que o nível de desemprego na Coreia do Sul caiu desde os anos 2000, ficando quase que o tempo todo abaixo de 4%, um índice extremamente diminuto:

area chart of Coréia Do Sul Taxa de Desemprego from May 1999 to April 2019
Disponível em: https://www.ceicdata.com/pt/indicator/korea/unemployment-rate

Uma segunda preocupação, seria a de que a automação promoveria desigualdade, pois aqueles que detivessem as máquinas, poderiam produzir cada vez com maior eficiência, com cada vez menos mão de obra, resultando numa concentração da renda em favor dos detentores da tecnologia produtiva.

Contudo, vejamos no seguinte gráfico, o nível de desigualdade da Coreia do Sul, medido pelo índice GINI, o mais utilizado para esse fim:

GINI South Korea
Disponível em: https://www.indexmundi.com/facts/korea/indicator/SI.POV.GINI

 

Perceptível que o nível de desigualdade no país permanece desde 2006 quase congelado em patamares baixos (muito inferiores aos do Brasil, por exemplo, país com reduzido grau de automação em sua economia). No ranking do Banco Mundial, a Coreia do Sul está entre as 30 nações com maior igualdade de renda, colada na Alemanha e em Luxemburgo, com resultados bem melhores do que os da América Latina de modo geral.

Enquanto isso, o Índice de Desenvolvimento Humano da Coreia do Sul, que mensura padrões de vida, saúde, renda e educação, teve forte trajetória ascendente.

Confira:

human-development-index-escosura

É possível verificar pela imagem, inclusive, que nas últimas décadas, marcadas por um fortalecimento da mecanização da indústria, a Coreia do Sul dispara em relação ao Brasil.

Vamos analisar, agora, o país número um em automação na Europa: a Alemanha.

Alemanha

Se fizermos esse estudo em relação ao primeiro país europeu da lista, encontraremos resultados semelhantes.

Quanto à taxa de desemprego do país, segue o gráfico:

area chart of Germany Forecast: Unemployment Rate from November 2013 to November 2024
Disponível em: https://www.ceicdata.com/en/indicator/germany/forecast-unemployment-rate

Em relação especificamente à Alemanha, estudo dos economistas Stefan Lachenmaier e Horst Rottmann, analisando mais de duas décadas dos efeitos da inovação tecnológica no mercado alemão, descobriram que tanto a inovação de produtos como de processos de produção tiveram efeitos positivos sobre o emprego, sendo a última espécie (inovação sobre processos produtivos) a mais favorável.

índice GINI de desigualdade também permanece estável, com ligeira queda desde 2006.

o índice de Desenvolvimento Humano teve forte elevação:

human-development-index-escosura (1)
Disponível em: https://ourworldindata.org/human-development-index
Bom. E se verificarmos o primeiro país americano da lista…

Estados Unidos

No gráfico abaixo você verifica o movimento do desemprego nos Estados Unidos durante a última década:

area chart of Estados Unidos Taxa de Desemprego from April 2009 to April 2019

Ademais, artigo publicado em 2016, na prestigiada Revista de Economia e Estatística do MIT, registrando os resultados de pesquisa empírica levada a cabo pelos pesquisadores da Universidade de Toronto Michelle Alexopoulos e John Cohen, verificou, após examinar o caso americano durante a primeira metade do século XX – especificamente entre os anos de 1909 e 1949 -, que os choques de tecnologia resultaram numa redução do desemprego, expansão da produtividade da economia, aumento do número de vagas e diminuição das falências.

Outra pesquisa empírica levada a cabo por Jacob Mincer (um dos pais da moderna economia do trabalho), conjuntamente com Stepahn Danninger, confirma que o choque de tecnologia gera uma redução do desemprego no longo prazo, tendo efeitos incertos no curto prazo; e a uma diminuição na inflação no curto e no longo prazo. Os resultados da análise também contrariam em certa medida uma convicção arraigada de que a tecnologia favoreceria apenas empregados de alta qualificação. O artigo evidencia que, considerado o médio prazo (5 anos após o choque tecnológico), a diferença de impacto entre empregados com distintos níveis de qualificação desaparece. A pesquisa ainda demonstra que se, a princípio, os ganhos salariais se concentram entre os profissionais que assumem as novas funções high tech, ou seja, aqueles que operacionalizam as novas tecnologias, no médio e longo prazo, esses ganhos tendem a se espalhar por toda a força de trabalho.

Agora, abaixo, você pode conferir a trajetória do índice de Desenvolvimento Humano do país:

human-development-index-escosura (2)

Quanto à desigualdade, apesar de seguir trajetória ascendente e ser alta para o padrão dos países desenvolvidos, está bem abaixo do nível brasileiro. A pontuação do Brasil segundo o coeficiente GINI era de 51.30, no ano de 2013, ficando como o 10º país mais desigual da lista do Banco Mundial. Já os Estados Unidos era o 59º, com um coeficiente de 41.00 (lembrando que quanto mais baixa a pontuação, menor a desigualdade no país, segundo essa métrica).

E no mundo? Qual o resultado da automoção em nível global?

Dados globais após a Revolução Industrial

A mecanização da produção recebeu um forte impulso após a Revolução Industrial.  Não à toa, o alarmismo contra as máquinas também alcançou novos paradigmas no período. Como bem descreve o artigo “Automação e Desemprego: aspectos microeconômicos”, no site “Economia de Serviços”:

Essa onda alarmista, no entanto, é velha. No início do século 19, em plena Revolução Industrial, trabalhadores do setor de tecelagem destruíram as máquinas em protesto à substituição técnica. O movimento era liderado por uma personagem fictícia, Ned Ludd, criada pelos revoltosos para dar legitimidade ao movimento, o Luddismo. A gota d’água foi a destruição da tecelagem de William Cartwright em abril de 1812. Apesar da revolta, o mundo progrediu (…).

Em razão da personagem que teria liderado o movimento, Ned Ludd, ele ficou conhecido como “movimento ludista” ou “ludismo”, cujo argumento é famoso nos países de língua inglesa sob o rótulo de “luddite fallacy“.

Apesar da histeria do movimento, quais foram os efeitos reais da Revolução Industrial?

Bom, comecemos em termos de produção de riqueza. A riqueza per capita, após a revolução, subiu em todas as regiões do planeta, conforme revela o seguinte gráfico:

average-real-gdp-per-capita-across-countries-and-regions

A pobreza extrema – pessoas que vivem com até 1,90 dólares diários – simplesmente desabou e caminha para ser erradicada. Em 1820, formava um contingente próximo de 90% da população mundial. Em 2015 eram pouco mais de 11% e se encontra no seu menor patamar histórico.

world-population-in-extreme-poverty-absolute

Até em números absolutos – não apenas percentuais – a quantidade de pessoas submetidas à pobreza extrema decresce, mesmo com o aumento da população. Apesar de ainda atingir uma soma elevada de pessoas, o número de seres humanos nessa situação foi de cerca de 2 bilhões no início da década de 90 para algo próximo de 700 milhões em 2015.

Por outro lado, os níveis de desenvolvimento humano globais não pararam de subir.

E o desemprego e a desigualdade no mundo?

média da taxa global de desemprego entre 1991 e 2015, ficou em 6,1%, patamar bastante baixo. Isso sem que tenha havido crescimento generalizado do nível de desigualdade de renda no Globo (alguns países aumentaram a desigualdade e outros a reduziram, de modo que o índice GINI mundial sofreu ligeira queda de 39.6 para 38.6 nos últimos 25 anos, valendo lembrar que quanto mais baixo o número, menor a desigualdade de renda).

Ou seja, em duas décadas e meia de forte expansão da automação e do processo de globalização, o desemprego ficou estável em níveis reduzidos e a desigualdade de renda caiu.

Um estudo recentemente publicado (2018) pela Brookings Institution, de autoria dos professores David Author, do Massachussetts Institute of Technology – MIT, e Anna Salomons, examinando 28 setores industriais de 18 países membros da OCDE, entre 1970 e 2018, concluiu que o incremento tecnológico provocado pela automação não teve impacto negativo sobre a oferta de vagas de empregoPelo contrário, a automação reduziu o nível nacional de desemprego.

Outro estudo empírico publicado em 2015 na Revista de Economia e Estatística do MIT, também concluiu, após examinar os dados de 17 países entre 1993 e 2007, que a expansão no uso de robôs industriais não teve impacto negativo sobre o emprego, e ainda elevou a média salarial e a produtividade dos empregados.

Banco Mundial também chegou à conclusão, em seu relatório do desenvolvimento mundial de 2019, de que “durante o último século, máquinas substituíram trabalhos em algumas funções. No balanço geral, contudo, a tecnologia criou mais postos de trabalho do que os que ela dispensou” (p. 18).

Com o aumento da riqueza os resultados sociais vieram a reboque

Nas últimas décadas, como já dito marcadas pela automação e pela globalização, o número de pessoas submetidas à fome despencou em todas as regiões do globo e, consequentemente, também na média mundial:

Disponível em: https://ourworldindata.org/hunger-and-undernourishment

Como resultado do processo de aumento da riqueza vivenciado a partir da Revolução Industrial, houve inúmeros outros ganhos sociais:

i) o percentual de analfabetos, que chegava a 87,5% da população global, caiu de forma constante, alcançando pouco mais de 13% em 2016;

ii) em 1800, mais de 4 em cada dez crianças morria até os 5 anos, hoje esse número não chega a 4 a cada 100;

iii) os patamares educacionais aumentaram no planeta como um todo, assim como o número médio de anos de estudo.

Agora fica a dúvida: por que está equivocado este raciocínio tão intuitivo, de que colocar máquinas para efetuar tarefas antes exercidas por pessoas provocaria o aumento do nível geral de desemprego? É o que responderemos no próximo tópico.

2) Por que, ao contrário do imaginado pelo senso popular, a automação não gera desemprego?

A razão pela qual o senso popular tende a associar automação e desemprego é bem descrito por Henry Hazlitt, em sua obra já citada:

É a persistente tendência de os homens verem somente os efeitos imediatos de determinada política ou seus efeitos apenas num grupo especialdeixando de averiguar quais os efeitos dessa política a longo prazo, não só sobre determinado grupo, como sobre todos os demais. (p. 23)

E conclui ele, dizendo que “pode-se resumir toda economia numa única lição“:

A arte da economia está em considerar não só os efeitos imediatos de qualquer ato ou política, mas, também, os mais remotos; está em descobrir as consequências dessa política, não somente para um único grupo, mas para todos eles.

Eis a resposta para a questão da automação e da tecnologia: o equívoco está em olhar apenas para aquela pessoa que teve o trabalho imediatamente substituído. Ela perdeu o emprego. Se se imaginar que esse é todo o efeito da mecanização, a consequência é inafastável: aumento do desemprego.

Mas esse é apenas parte do fenômeno. A menor parte, aliás. Esse é o resultado de curtíssimo prazo para aqueles imediatamente atingidos pelo advento de uma nova tecnologia.

Todavia, há muito mais. E é exatamente esse muito mais que muda toda a consequência global do processo.

De fato, para além desse efeito imediato de substituição do trabalho humano (displacement effect) a expansão da tecnologia e da automação gera o que se convencionou chamar de efeitos compensatórios (countervailing effects ou compensation effects), os quais são capazes não apenas de anular a perda das vagas substituídas pela força mecânica, como ampliar ao final do processo o nível de riqueza, bem estar dos trabalhadores, e também do número de empregos e sua remuneração.

Para entender isso, vejamos primeiramente, em teoria, o processo da mecanização e a dinâmica econômica que ele deflagra. Depois vamos averiguar alguns estudos empíricos.

Bom. Sempre que um empreendedor decide investir em sua cadeia produtiva, ele o faz porque verifica que isso poderá implicar numa queda de custo para produção, seja porque poderá produzir mais itens com o mesmo gasto, seja porque poderá reduzir suas despesas mantendo a produção atual.

Ocorre exatamente a mesma coisa quando esse investimento se traduz na introdução de maquinário tecnológico apto a substituir determinadas tarefas que antes eram desempenhadas por obra humana. Algumas pessoas, então, perderão o emprego (elas devem ser auxiliadas por seguros contra o desemprego e auxílio para sua requalificação, a fim de encontrarem novas ocupações). Mas o fato é: o empresário só fez isso por perceber que valeria a pena para o seu negócio. Se a troca não implicar em qualquer economia, ele teria mantido o processo produtivo anterior.

Ora, se o empreendedor investiu e agora poderá economizar custos ou ampliar sua produção, ou seja, ampliará seu lucro, vejamos quais as possibilidades que se apresentam para ele quanto à destinação desse dinheiro.

Haverá, em verdade, três possibilidades iniciais, as quais podem ser combinadas de algumas maneira entre si.

O empreendedor poderá:

1) ampliar seus negócios, usando o lucro em novos investimentos;

2) iniciar investimentos em outras indústrias;

3) aumentar seu consumo.

Em relação especificamente à questão da geração de empregos, perceba que: primeiramente, quando o empreendedor fez o investimento inicial em novas máquinas, isso já pressupõe a criação de empregos no desenvolvimento e produção dessas máquinas; em segundo lugar, após o incremento de seu lucro, todas as três alternativas irão gerar novas vagas de trabalho.

Como bem explica Henry Hazlitt, “todo dólar, que economizou em salários diretos com os antigos operários, tem agora que pagar, em salários indiretos, ou aos que fabricam a nova máquina ou a operários de outra indústria ou aos construtores de uma nova casa ou pelo automóvel que comprar (…). Em qualquer caso (…) proporcionará, indiretamente, tantos empregos quantos os que deixou de proporcionar diretamente” (p. 59).

Existe uma quarta possibilidade, que provavelmente ocorrerá ao menos no longo prazo: a redução dos preços dos bens vendidos. De fato, quando o empreendedor conseguir reduzir seus custos pelo uso da nova tecnologia, seus lucros aumentarão. Uma possibilidade que lhe sobra é reduzir os preços a fim de conquistar mais mercado. Se ele não fizer isso, em breve quando seus concorrentes absorverem a mesma tecnologia, a competição deverá forçar esse processo. Nesse caso, suas economias irão gerar aumento do consumo de terceiros (seus consumidores), o que também acabará por recriar vagas de emprego.

Realmente, é inafastável: se antes os consumidores gastavam, em média, R$ 100,00 para comprar 10 unidades mensais do produto; e agora passaram a gastar apenas R$ 70,00, eles terão de utilizar esses R$ 30,00 exatamente naquelas mesmas três opções do empreendedor, só que na sob a ótica da demanda (comprar mais do mesmo produto; comprar outros produtos para os quais não possuíam receita suficiente; investir esse dinheiro), o que inexoravelmente redundará na geração de novos empregos. É que a queda de preços é equivalente a um aumento dos salários reais, e esse aumento terá de ser gasto em algum lugar, gerando novos postos de trabalho.

Estudos empíricos sobre efeitos compensatórios

Confirmando esse raciocínio, o estudo já mencionado dos professores David Author e Anna Salomons, concluindo que o incremento tecnológico provocado pela automação não teve impacto negativo sobre a oferta de vagas de emprego; mas, pelo contrário, reduziu o nível nacional de desemprego, explica exatamente queapesar de várias inovações tecnológicas substituírem trabalhadores por máquinas, essa substituição não precisa implicar numa redução da demanda por trabalho considerando a economia como um todo, porque ela simultaneamente induz efeitos compensatórios: aumento da produtividade na própria indústria; aumento no investimento e na produtividade entre as várias indústrias; e, consequente, expansão da demanda na economia.

Outro famoso estudo, do conhecido economista do MIT Daron Acemoglu juntamente com Pascual Restrepo da Universidade de Boston, explica:a automação gera um efeito de substituição do trabalho, à medida que máquinas ou inteligência artificial desempenham tarefas antes realizadas pela força de trabalho humana. Esse ‘efeito-substituição’ tende a reduzir a demanda por trabalho e os salários. Contudo, ele é contrabalanceado pelo ‘efeito-produtividade’, resultante da redução de custos gerada pela automação, o qual aumenta a demanda por trabalho em tarefas não-automatizadas. O ‘efeito-produtividade’ é complementado por uma acumulação adicional de capital e aprofundamento da automação (maior desenvolvimento das máquinas já existentes), ambos os quais aumentam ainda mais a demanda por trabalho”.

Explica, ainda, o artigo:

“No coração de nosso esquema está a ideia de que automação e inteligência artificial e robôs substituem trabalhadores em tarefas que antes eles desempenhavam, e por esse canal, criam um poderoso efeito-substituição (displacement effect) (…).”

Todavia:

Nós registramos vários efeitos compensatórios (countervailing forces), os quais vão contra o efeito-substituição e implicam que automação, inteligência artificial e robôs podem aumentar a demanda por trabalho. Primeiro, a substituição por máquinas que barateiam a produção criam o efeito-produtividade: à medida que o custo de produção das tarefas automatizadas cai, a economia vai expandir e ampliar a demanda por trabalho em tarefas não-automatizadas. O efeito-produtividade pode manifestar-se por meio de um aumento da demanda por trabalho nos mesmos setores objeto da automação ou em outras áreas. Em segundo lugar, a acumulação de capital deflagrada pela economia da automação (a qual amplia a demanda por novos bens produtivos) irá elevar também a demanda por trabalho. Em terceiro lugar, automação não atua apenas se deslocando pela mesma cadeia produtiva – substituindo tarefas antes desempenhadas por trabalho humano – mas também intensificando-se em setores já automatizados da cadeia, ampliando a produtividade do próprio maquinário em tarefas já automatizadas. Esse fenômeno, que referimos como aprofundamento da automação, tende a criar um efeito produtividade sem substituição, e assim aumenta a demanda por trabalho.”

Os pesquisadores registram ainda que a automação pode ter até mesmo o efeito de criação de novas tarefas (pense em motoristas de UBER, ou assessores de marketing digital), criando um efeito de reintegração de trabalhadores.

Mas não é só isso. As vagas substituídas, em geral, são de baixa produtividade, envolvendo tarefas mecânicas, que exigem pouca criatividade, e por isso de baixa remuneração. Essas são, em regra, as primeiras funções a serem dispensadas. Por outro lado, as vagas criadas tendem a ser de maior produtividade, qualificação, possuindo remunerações mais elevadas, o que explica que as pesquisas empíricas percebam um aumento das médias salárias reais (isto é, já descontada a inflação) após o avanço do processo de automação.

Ainda, cada vaga de alta produtividade – e, portanto, tendencialmente de remuneração elevada -, como já explicamos, acarreta que mais pessoas com salários altos possam ampliar sua poupança e investimento ou consumo pessoal, gerando novos empregos. É o que alguns chamam de “efeito multiplicador do trabalho” (job multiplier effect).

Sobre esse “efeito multiplicador”, pesquisa levada a cabo pelo economista italiano Enrico Moretti mostra que cada emprego de elevada qualificação criado em indústrias de alta tecnologia numa cidade implicam na criação de quase 5 novos empregos fora do setor industrial na mesma região.

Evidências colhidas na Europa confirmam a tese do “efeito multiplicador do trabalho”, mostrando que empregos de alta qualificação na indústria high tech podem criar até 5 empregos de baixa qualificação na mesma região.

Aumento da produtividade (auxiliado pela tecnologia) ajudou a criar “bom desemprego”

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À medida que a produtividade humana foi expandida pela tecnologia, isso permitiu o aumento de um “bom desemprego”: aquele relacionado a grupos vulneráveis (como crianças), trabalhos exaustivos, ou simplesmente por opção pela redução do labor.

De fato, o trabalho infantil foi brutalmente reduzido à medida que a tecnologia avançou. Basta perguntar para qualquer parente mais velho e ele relatará como em sua época era comum começar a trabalhar em tenra idade.

Veja só o gráfico da redução do trabalho infantil, no mundo, desde a década de 50:

global-incidence-of-child-labour

Para mais dados sobre a evolução na diminuição do trabalho infantil: aqui.

Isso não é coincidência. É que quando a produtividade do trabalho é excessivamente baixa, sendo quase que incapaz de gerar excedentes, mantendo-se próxima do nível pessoal de subsistência, torna-se inviável dispensar qualquer pessoa que tenha de ser sustentada de trabalhar para prover ao menos parte do próprio sustento. Cada boca para comer, depende de mais dois braços para trabalhar.

Quando a produtividade sobe, é possível dispensar aqueles que tem menor produtividade do trabalho (em geral, crianças e idosos), pois a produção dos adultos é capaz de gerar excedentes em quantidade suficiente. O mesmo ocorre com trabalhos excessivamente penosos, os quais são realizados de modo muito ineficaz pelo trabalho humano, em virtude da vulnerabilidade da saúde e das limitações de força do corpo.

Por fim, a elevação da produtividade e, consequentemente das remunerações, permite que se opte por reduzir a carga de trabalho (um desemprego voluntário). Pesquisas demonstram que países com produtividade mais elevada (o que é auxiliado pelo desenvolvimento tecnológico) tendem a ter jornadas de trabalho mais curtas.

É claro. À medida que a remuneração pela hora de trabalho aumenta, é possível optar por trabalhar menos horas sem prejuízo do padrão de vida.

Nesse sentido, no livro “Como Pensar sobre as Grande Ideias“, do intelectual estadunidense Mortimer J. Adler, ao tratar do trabalho e do papel do ócio saudável na vida, ele afirma que a divisão do dia entre 8 horas de trabalho, 8 de descanso, atingindo 8 horas livres para o desenvolvimento pessoal (vida em família, estudo, esporte, alimentação) é uma dádiva das modernas sociedades industriais. Isso jamais aconteceu nas comunidades pré-industriais, em que um trabalhador comum laborava cerca de 12 horas diárias, repousando por 10 horas para se recuperar de uma jornada tão exaustiva. Desse sistema surge a ideia de aristocracia.  Já que era impossível conciliar as horas necessárias de trabalho e o estudo, separava-se a sociedade em “classe trabalhadora” (numerosa) e “classe aristocrática” (extremamente seleta).

Agora, diz o autor, “consideremos alguns fatos básicos. Primeiro, levemos em conta a mudança nas fontes de energia ao longo de cem anos. Em 1850, a força muscular humana e animal gerava 95% dos produtos que consumíamos, e a força mecânica, apenas 5%; já em 1950, cem anos depois, as máquinas produziam 84%, e o combinado homem/animais, apenas 16%. Ainda assim, naquele mesmo período e usando preços de 1940 como base, a produtividade humana gerou apenas U$ 0,17 em produtos na relação homem/horas em 1850. É pouco, se comparados aos U$ 0,87 em 1950”.

E prossegue: “pensem nos efeitos dessa mudança sobre a semana de trabalho. O fato é que os homens trabalhavam cerca de 70 horas ou mais a cada semana. Em 1890, a semana de trabalho já despencava para 63 horas por semana. Em 1920, foi para 51 horas. Em 1950, tínhamos em média 40 horas por semana de trabalho. Apesar disso, a produtividade aumentou notoriamente, e isso indica uma mudança ímpar tanto na produção quanto no tempo para o lazer” (p. 365 da edição de 2013 da editora É Realizações).

A conclusão do autor é irretorquível: o aumento da produtividade permitiu a redução do número de horas de trabalho, sem prejuízo (pelo contrário, com melhoras) quanto ao padrão de vida, permitindo mais tempo de ócio saudável. Ou seja: o aumento da produtividade e da riqueza, em ampla medida permitido pela revolução tecnológica, democratizou a aristocracia. Hoje trabalhadores de renda média tem um tempo inimiginável em outras épocas para o seu desenvolvimento pessoal.

Cabe à presente geração e às próximas, deixando de lado alarmismos infundados e histerias irrefletidas, consolidar esses ganhos, e universalizar essas possibilidades.

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