"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Um balanço das medidas positivas do governo Michel Temer
No dia 1º de janeiro de 2019, Michel Temer passará a faixa presidencial para o presidente eleito Jair Bolsonaro.
A Gazeta do Povo, em recente editorial intitulado “O Brasil que Temer recebeu e o que ele entrega“, ressaltou que “ainda que longe do ideal, o desempenho da economia hoje oferece a Bolsonaro uma base mais sólida em comparação com a terra arrasada que Temer recebeu de Dilma”
De fato, em meados de 2016 Michel Temer recebeu um país numa condição desoladora: a inflação estava já longe da meta, alcançava os dois dígitos e mostrava movimento ascendente; as contas públicas estavam em frangalhos, com um endividamento já bastante alto para um país em desenvolvimento e crescendo vertiginosamente em razão de déficits nominais de centenas de bilhões de reais, majoritariamente consumidos por despesas obrigatórias e portanto sem muito espaço para cortes imediatos e remanejamentos; e a mais brutal recessão econômica da história do país, com queda anual do produto interno beirando os 4%, gerando um índice de desemprego desalentador e crescente.
A situação deixava pouca margem para as políticas anticíclicas dos economistas ortodoxos, herdeiras do keynesianismo moderado, segundo as quais:
a) se você tem um país com estagnação econômica e desemprego, mas com as contas em dia (como o Chile de Bachelet), é possível adotar medidas fiscais expansivas, ampliando o gasto público para estimular a economia;
b) se você está lidando com uma recessão, mas sua inflação está controlada (como no caso da Suíça em 2009), é possível ampliar a massa monetária, reduzindo a taxa de juros e emitindo moeda, o que impulsiona a renda e o investimento;
c) por fim, se você está diante de um desempenho econômico forte e desemprego baixo, mas de repente depara com inflação e endividamento público, está à disposição do governo adotar medidas fiscais e monetárias contracionistas, reduzindo gastos do governo e enxugando a quantidade de moeda disponível (particularmente pela elevação da taxa de juros). Isso impactará a economia, mas como ela está caminhando a contento, o impacto tenderá a não reverter por completo os resultados positivos, e torna o crescimento mais consistente e de longo prazo.
Contudo, se você está diante de uma situação desesperadora como a deixada pelos governos petistas: com assombrosa recessão econômica, desemprego alto e crescente, endividamento explosivo e inflação em rota ascendente… o que você pode fazer?
Essa foi a situação desafiadora encontrada pela equipe econômica do governo Michel Temer.
Sendo impossível atacar tantas frentes simultaneamente, era necessário escolher as prioridades. Como o governo reagiu?
1) Combate à inflação
A primeira coisa em que o governo teve sucesso foi no combate à inflação.
Para explicar por que a inflação é um mal enorme, particularmente para a faixa mais carente da população, escrevemos um outro post, com o título: “10 lições rápidas sobre inflação”.
O fato é que a inflação brasileira ficou durante o governo Dilma constantemente no pico da meta. Em 2015 estourou de vez, ultrapassou os dois dígitos, fechando em mais de 10%.
No ano seguinte, com o impeachment da petista, em virtude de graves fraudes fiscais, houve mudança na chefia do Banco Central. O governo retomou uma política monetária mais austera e favorável à população. Já em 2016 conseguiu respeitar o limite da meta inflacionária. Em 2017 a inflação foi de primeiro mundo, abaixo dos 3%. Isso preservou os salários reais e permitiu a retomada da renda pela população.
Contudo, a redução da inflação tem como efeito imediato uma redução na oferta de empregos. A chamada “curva de Phillips” explica o fenômeno mostrando que no curto prazo, uma redução inesperada da inflação acarreta redução na geração de postos de trabalho. É um trade off.
Mas isso é só no curto prazo (veja aqui), de modo que controlar a corrosão do poder de compra da moeda era a medida correta naquele momento. Com efeito, crescimento inflacionário gera várias distorções e prejuízos contínuos, além de consumir principalmente a renda dos grupos mais carentes da população.
2) Controle do gasto público
Enquanto normalizava a política monetária, o governo lutava por reformas que permitissem fazer frente ao descontrole do gasto público.
Nesse ponto a população brasileira teve uma importante vitória no Congresso no final de 2016, com a aprovação da PEC do Teto de Gastos.
Escrevemos sobre ela dois artigos: um primeiro intitulado “Entenda por que a PEC do Teto de Gastos é excelente (especialmente para os mais pobres)“, trazendo 10 informações fundamentais sobre a medida; e outro sobre os resultados da emenda constitucional, quando ela completou seu primeiro ano de vigência (aqui).
Importante deixar claro que o controle do gasto público pode ter também alguns efeitos imediatos recessivos (embora menores do que os causados por ampliação de tributos, segundo inúmeras pesquisas empíricas). Todavia, os estudos mostram que esses efeitos podem ser minorados se, conjuntamente ao ajuste fiscal, são tomadas medidas de liberalização da economia especialmente no tocante ao mercado de trabalho.
Isso foi feito com sucesso pelo governo. Buscou-se, acertadamente, controlar os gastos e adotar medidas de liberalização da economia, como veremos à frente. Com isso, o Brasil conseguiu nos últimos dois anos o resultado que é apontado como o ideal num ajuste fiscal: iniciou um controle das despesas (processo que depende de uma profunda Reforma da Previdência para se consolidar) ao mesmo tempo em que atingiu um resultado econômico melhor do que o dos exercícios anteriores. O produto brasileiro, que havia experimentado queda de 3,5% em 2015 e 3,6% em 2016, voltou a crescer em 2017, com um avanço de 1%. Em 2018 esse resultado deve voltar a melhorar, havendo a previsão de um crescimento em torno de 1,4%.
3) Medidas que buscaram destravar a economia
Como medidas de liberalização, o governo focou em três linhas de atuação:
a) desburocratização;
b) abertura para o comércio internacional; e,
c) modernização das relações de trabalho.
Vejamos cada uma delas.
i) Desburocratização
Conforme matéria do site de notícias do Planalto,
“em março de 2017, o presidente Michel Temer criou o Conselho Nacional para a Desburocratização – Brasil Eficiente (…). Temer determinou que todos os ministérios deveriam encaminhar propostas de desburocratização e simplificação administrativa.
Com as ações, o Brasil subiu sete posições no índice de governo eletrônico da Organização das Nações Unidas (ONU). Na lista de serviços digitais, o País avançou 15 lugares, ficando em primeiro lugar na América do Sul.”
Entre 2017 e 2018 o Governo implementou mais de uma centena de medidas para redução da burocracia no país.
Houve, inclusive, significativa melhora no ambiente de negócios do Brasil, como mostrou o DoingBusiness, o ranking do Banco Mundial sobre a facilidade de se empreender num país. O Brasil foi um dos que mais avançou, ganhando 16 posições (embora siga bastante mal posicionado).
ii) Abertura para o Comércio internacional
Como noticiou a Gazeta do Povo em seu caderno de economia, “o Brasil foi o país que mais medidas adotou para abrir seu mercado a produtos estrangeiros, entre outubro de 2017 e outubro de 2018. Os dados foram publicados na terça-feira (11), pela Organização Mundial do Comércio (OMC)”.
Segundo a matéria:
“No total, o governo de Michel Temer adotou 16 medidas para facilitar o comércio, incluindo reduções de tarifas de importação, suspensão de certas barreiras e incentivos para exportadores. Alguns impostos de importação foram eliminados, como no caso de vacinas e outros remédios. Produtos químicos, bens de capital e outros setores também foram beneficiados.
Uma de cada dez medidas para facilitar o comércio no mundo em 2018 foi adotada pelo governo brasileiro. A constatação é uma reviravolta profunda em comparação às conclusões que a OMC tirava sobre o comportamento do Brasil até 2014, quando o País liderava entre os governos que mais medidas protecionistas adotavam.”
Não por acaso, “o comércio exterior brasileiro teve a maior taxa de crescimento entre todos os países do G-20″ (grupo dos 20 países mais industrializados do mundo) no terceiro trimestre de 2018” (confira aqui).
Para entender alguns dos benefícios do livre comércio internacional, recomendamos este artigo do Instituto Mises Brasil: “O livre comércio nos enriquece e o protecionismo nos empobrece“.
iii) Modernização das relações de trabalho
Concomitantemente a isso, em 2017, o Governo conseguiu aprovar a reforma que modernizou a legislação que regula as relações de emprego, o que foi excelente para o trabalhador.
Sobre isso, escrevemos um artigo quando do aniversário de um ano da entrada em vigor da novel legislação: “6 coisas que você precisa saber sobre Leis Trabalhistas e a Reforma que completou 1 ano“.
Após o fechamento daquele artigo, ainda fomos brindados com a grata notícia registrada no Portal UOL, de que em novembro o Brasil criou 58.664 vagas de emprego formal, alcançando o melhor resultado para o mês em 8 anos. Em 2018, “de janeiro até o mês passado, o país acumula abertura de 858.415 vagas com carteira assinada”.
4) Fim do Bolsa Empresário via BNDES
Uma das medidas mais esdrúxulas que vigoravam no Brasil eram as taxas de juros subsidiados pela BNDES. Destinando fortunas para “amigos do rei”, a medida favorecia os “campeões nacionais”, que como a Lava Jato revelou eram “campeões nacionais de doação de campanha“.
Em 2017, uma das mudanças mais relevantes, e de forma injusta não suficientemente comemorada, foi o fim do “bolsa empresário” via BNDES (frise-se que não era para qualquer empresário, a análise do volume de crédito mostra que a regalia era direcionada particularmente para grandes players com boas relações com o governo).
A medida é uma das maiores conquistas em termos de justiça social no Brasil. Num único ato, o fim da “bolsa bilionário” cessa a drenagem de recursos públicos para subsidiar os créditos de grandes negociantes; tem impacto positivo nos juros para o empreendedor comum; fecha torneira que dava enorme margem à corrupção, com troca de favores entre os donos da chave do cofre (o governo) e grandes empresários dispostos ao jogo sujo. Veja mais aqui.
Para uma análise definitiva da questão, recomendamos o seguinte artigo: “Entenda o ‘Bolsa Empresário’ e seus efeitos“.
Por que, então, Michel Temer é tão impopular?
Consoante noticiou a imprensa, Michel Temer chega ao final de seu mandato com 7% de aprovação. Outros 29% consideram sua gestão regular. Sua rejeição é de 62%, número que teve uma queda significativa nos últimos meses, tendo chegado a mais de 80% em maio.
Ante esses dados, fica a dúvida: se houve tantos feitos relevantes, como expusemos acima, por que Michel Temer é tão impopular? Vários pontos poderiam ser indicados aqui.
Em primeiro lugar seu ajuste fiscal ficou pela metade do caminho, visto que a Reforma da Previdência não foi aprovada, o que impediu um crescimento mais vigoroso da economia, e consequentemente um desempenho mais robusto do mercado de trabalho.
Isso também obrigou o Presidente a aumentar tributos sobre os combustíveis para fechar as contas do governo, o que desagradou os consumidores.
Ainda houve a transmissão de mensagens contraditórias: ao mesmo tempo em que tomava medidas de austeridade, negociava poupudas quantias em emendas parlamentares. E no final do mandato, alguns afirmam que o Executivo fez “corpo mole” em relação à aprovação de “pautas-bomba” pelo Congresso.
Certos grupos também acreditam que essas reformas ficaram muito aquém do possível e necessário: privatizou-se pouco, reduziu-se pouco os gastos do governo, não houve reforma tributária simplificando e reduzindo a escorchante carga de tributos no país etc. Essa parcela das críticas nos parece provir de uma falta de realismo. Não é possível fazer tudo ao mesmo tempo, e medidas profundas não dependem apenas do Presidente da República e de sua equipe econômica.
Ademais, o Presidente descurou o combate à corrupção. Seu decreto de indulto natalino de 2017 foi um insulto, conseguindo piorar os péssimos atos que os governos do PT vinham praticando. Michel Temer ainda foi denunciado por corrupção. Contudo, não cremos que esse fator seja tão relevante no Brasil para definir a popularidade de um político. Do contrário, o partido mais envolvido em esquemas de corrupção da história, o PT, não teria chegado ao segundo turno das eleições presidenciais deste ano. Inclusive, o ex-PGR Rodrigo Janot, responsável pelas denúncias contra Michel Temer, declarou voto no candidato Fernando Haddad, o qual diversas vezes visitou a cadeia durante a campanha presidencial para receber ordens e, poucos dias após o segundo turno, foi denunciado por corrupção e formação de caixa 2. O ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, declarou voto no mesmo candidato.
Logo, pouco provável que tenha sido esse o fato que acarretou tamanha impopularidade.
Um outro ponto que pode ser levantado é que Michel Temer se expõe pouco, construindo pouca proximidade e identificação com o povo. É um ponto relevante.
Enfim, é difícil dizer o que tornou Michel Temer tão impopular. Na verdade, trata-se de um conjunto de fatores com impactos diversos nos vários segmentos da população.
O que gostaríamos de tratar aqui é da seguinte questão: não seria sua impopularidade prova de que suas políticas foram ruins? Acreditamos que não. E isso vamos explicar traçando um paralelo entre a gestão de Michel Temer e a de outro presidente brasileiro. Esse será o objeto de nosso próximo post.
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