"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Membros do Ministério Público e do Poder Judiciário lançam Nota Técnica em defesa do voto impresso
Como funcionará o voto impresso
Em 2015 o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 75 daquele mesmo ano, o qual foi convertido na Lei 13.165/15.
A lei passou a exigir a impressão do voto efetuado na urna eletrônica. O dispositivo que criou a obrigação do voto impresso chegou a ser vetado por Dilma Rousseff, apesar das inúmeras denúncias de fragilidade das urnas eletrônicas. Inclusive, empresa que atuou em procedimentos da apuração das eleições de 2014, a venezuelana Smartimatic, reconheceu recentemente problemas no sistema de voto exclusivamente eletrônico e denunciou manipulação em votação ocorrida na Venezuela.
De todo modo, o veto da ex-presidente foi derrubado pelo Congresso Nacional.
Basicamente, segundo a nova sistemática, o eleitor continuará votando de igual maneira. Porém, após o registro do voto na urna eletrônica, o equipamento imprimirá um comprovante do voto. O eleitor verificará a correspondência. Estando tudo positivo, confirmará o voto. O comprovante será automaticamente depositado em urna física acoplada na cabine de votação.
A apuração seguirá sendo eletrônica, a fim de manter sua agilidade. Porém, em caso de pedido de recontagem ou suspeita de fraude, é possível auditar a apuração checando o resultado consolidado com os comprovantes físicos.
Resistência no TSE
A nova medida, todavia, enfrenta resistência no TSE, que inclusive se manifestou contra a instituição do voto impresso perante o STF.
Também houve ajuizamento de ação contra o voto impresso perante a Suprema Corte.
Nota Técnica sobre o tema
Em virtude desses desdobramentos, para esclarecer fatos e argumentos sobre a importância da adoção da sistemática de voto impresso alguns membros do Ministério Público e do Poder Judiciário lançaram Nota Técnica.
O documento ressalta os seguintes pontos.
1) Voto exclusivamente eletrônico impede fiscalização pelo cidadão comum
Conforme salientamos em nosso post anterior, um dos elementos essenciais do sistema democrático é a possibilidade de participação efetiva do cidadão comum.
Para poder participar, o cidadão tem de possuir entendimento esclarecido sobre uma política. Para isso, ela tem de ser acessível a ele, razão pela qual entre várias formas possíveis de atuação, deve-se adotar aquela mais simples e que facilita a participação popular.
Pois bem. Como bem ressalta a nota técnica, “as urnas eletrônicas possuem um intrincado e complexo funcionamento que requerem conhecimento técnico-eletrônico especializado. Em face da ausência desse conhecimento, os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário não têm como exercerem a sua função constitucional de fiscalizar a lisura de um sistema eleitoral eletrônico que não contemple a impressão do voto do eleitor. O eleitor não tem como conferir sequer o próprio voto. O cidadão comum, por também não possuir conhecimento técnico-eletrônico, não tem como exercer a sua cidadania na fiscalização do sistema eleitoral, violando-se ainda o princípio do Estado Democrático de Direito.”
2) O sistema de voto exclusivamente eletrônico é frágil e não permite auditoria da votação
Conforme apontamos no citado post, uma das instituições essenciais do sistema democrático são as eleições livres, justas e periódicas.
Eleições justas, segundo Robert Dahl, nada mais são do que eleições em que cada voto é contado igualmente: one man, one vote. Ou seja, ela exige que o resultado apurado corresponda aos votos efetivamente depositados.
Logo, é necessário um sistema seguro e transparente de votação.
A sistemática atual de voto exclusivamente eletrônico não atende a essas exigências.
O modelo possui inúmeras fragilidades, apontadas por experts. A nota técnica indica algumas auditorias que já constataram a insegurança das urnas e de seu sistema de apuração, bem como de sua capacidade em assegurar o sigilo do voto.
Ademais, o resultado de uma apuração é inauditável, violando a transparência e publicidade que se exige em qualquer ato público como uma eleição.
Por fim, todos esses elementos acabam por abalar a confiança nas eleições, minando a própria legitimidade dos eleitos e do resultado eleitoral perante parcela da sociedade.
3) Inúmeros países já rejeitaram o sistema de voto exclusivamente eletrônico
A nota técnica aponta que vários países já consideraram sistemas de voto exclusivamente eletrônico inconstitucionais, por motivos semelhantes aos acima expostos.
Conforme indica a nota técnica, o Tribunal Constitucional Alemão já rejeitou essa sistemática, alegando que “um ‘evento público’ como uma eleição implica que qualquer cidadão possa dispor de meios para averiguar a contagem de votos, bem como a regularidade do decorrer do pleito, sem possuir, para isso, conhecimentos especiais.”
Ademais, consoante notícia veiculada na rede mundial de computadores, “a credibilidade das urnas eletrônicas já foi descartada em mais de cinquenta países”.
Eis, a seguir, a íntegra da nota.
Íntegra da Nota Técnica
NOTA TÉCNICA: Da impossibilidade de fiscalização efetiva das eleições realizadas por meio de urnas eletrônicas, sem voto impresso, por parte do Cidadão, do Ministério Público e do Poder Judiciário
As urnas eletrônicas possuem um intrincado e complexo funcionamento que requerem conhecimento técnico-eletrônico especializado. Em face da ausência desse conhecimento, os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário não têm como exercerem a sua função constitucional de fiscalizar a lisura de um sistema eleitoral eletrônico que não contemple a impressão do voto do eleitor. O eleitor não tem como conferir sequer o próprio voto. O cidadão comum, por também não possuir conhecimento técnico-eletrônico, não tem como exercer a sua cidadania na fiscalização do sistema eleitoral, violando-se ainda o princípio do Estado Democrático de Direito. A ausência do voto impresso também viola os princípios da transparência e publicidade no trato da coisa pública.
I – Do intrincado e complexo funcionamento das urnas eletrônicas.
O processo eletrônico de votação pode ser descrito pelos seguintes passos1:
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Os programas utilizados na eleição correspondem ao sistema da urna eletrônica, chamado de UENUX, sistema GEDAI responsável pela carga do cartão que será usado para implantar o sistema nas urnas eletrônicas, sistema Transportador responsável pelo transporte dos resultados dos TRE’s até o TSE e o sistema de Totalização que efetivamente totaliza e divulga o resultado das urnas.
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Estes programas são desenvolvidos pelo TSE. Quando uma eleição se aproxima, o desenvolvimento é suspenso e é realizada uma cerimônia onde são gerados e assinados digitalmente os programas listados acima, prontos para serem usados na eleição. Estes são armazenados em mídias não regraváveis (DVD-R) para serem distribuídos aos TRE’s e armazenados em local seguro dentro do TSE caso seja necessária uma conferência posterior dos programas executados em urnas e dos programas gerados na cerimônia.
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As informações sobre a eleição (municípios, zonas, seções, eleitores, mesas receptoras de justificativas) e de candidaturas (candidatos, partidos, coligações) são carregadas tanto no GEDAI quanto no sistema de Totalização.
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Através do GEDAI são gerados os cartões compact flash contendo o sistema operacional e os dados que serão executados na urna eletrônica. A cada carga de urna é feita uma correspondência no sistema de totalização para posterior verificação do envio dos produtos (cada urna só pode enviar um boletim de urna válido, por exemplo).
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A votação se inicia com a impressão de um boletim de urna inicial, denominado zerésima, indicando que não há nenhum voto computado pela urna antes do início da votação. Os eleitores são validados mediante comparação biométrica quando houver. Em caso de erro na leitura biométrica o mesário poderá permitir a votação mediante autorização específica. Esta informação é registrada dentro da urna para fins de auditoria.
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Ao final da votação em cada urna, é gerado o boletim de urna (BU). Este é impresso na seção eleitoral e contém o resultado da totalização de uma urna em particular. Ele é ainda gravado em mídia removível USB presente na urna para ser enviado usando o sistema transportador para a totalização do TSE. O dispositivo USB contém o Boletim de Urna (BU), o registro digital do voto (RDV – tabela contendo os votos individuais de cada urna), os registros gerados durante a operação da urna (Logs), justificativas eleitorais (Jufs), eleitores faltosos e as assinaturas digitais dos arquivos para proteção contra alterações indevidas.
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O sistema de totalização totaliza os boletins de urna, faz a correspondência de cada urna e divulga a totalização dos resultados no site do TSE.
Conforme se pode notar, o funcionamento das urnas eletrônicas, a manipulação dos dados (votos) coletados em cada urna, bem como a totalização desses dados, requerem conhecimentos técnicos específicos de informática, o que faz com que toda a segurança do sistema seja creditada, quase que exclusivamente, aos funcionários técnicos responsáveis pelo trato dos dados informáticos.
Por outro lado, os próprios especialistas da área têm reiterado que nenhum sistema informatizado é absolutamente seguro e por diversas vezes, inclusive em testes públicos realizados pelo TSE, já foi demonstrada a possibilidade de ocorrência de fraudes no sistema eletrônico de votação.
Apenas a título de exemplo, cite-se o teste realizado pelo TSE em 2017 que contou com a participação de uma equipe da UNICAMP:
Teste feito por equipe da Unicamp revelou falhas de segurança nas urnas eletrônicas2
Da Redação | 06/03/2018, 15h43 – ATUALIZADO EM 13/03/2018, 11h24
O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Diego de Freitas Aranha coordenou uma equipe de profissionais num teste de segurança promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2017. A missão deles, mostrar possíveis falhas no sistema de votação eletrônica adotado no Brasil, foi concluída com êxito.
O especialista foi um dos convidados da audiência pública realizada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, nesta terça-feira (6), sobre segurança do voto eletrônico e implementação do voto impresso nas eleições gerais de 2018.
– No último dia de testes tivemos progressos. Conseguimos, por exemplo, alterar mensagens de texto exibidas ao eleitor na urna para fazer propaganda a um certo candidato. Também fizemos progresso na direção de desviar voto de um candidato para outro, mas não tivemos tempo de testar esse tipo de ataque – explicou.
Segundo Diego, a equipe dele trabalhou em condições piores do que trabalhariam verdadeiros fraudadores, devido a restrições técnicas e de tempo impostas pelo tribunal, mas ainda assim foi possível explorar pontos vulneráveis para adulterar o software de votação e entrar no ambiente da urna eletrônica.
Segundo o professor da Unicamp, o resultado não foi surpresa, visto que todo software é potencialmente vulnerável. Por isso, é importante o registro físico para que a escolha do eleitor seja resguardada de outra forma.
– Esse é um entendimento da comunidade técnica internacional e segue a experiência de outros países. Não há país no mundo que tenha migrado para a votação eletrônica que não use o registro físico do voto como mecanismo de transparência. O registro físico é inegociável. É um instrumento básico de transparência – afirmou.
Professor lembrou que há cinco anos participou de testes semelhantes feitos pelo TSE. E na ocasião a equipe dele elaborou um ataque que quebrava o sigilo dos votos.
– Demonstramos que era possível recuperar os votos da urna em ordem, sabendo exatamente como votaram o primeiro, o segundo, o terceiro eleitores e assim sucessivamente – explicou.
Entretanto, outras fragilidades do sistema eletrônico podem ser citadas, como bem assinala o perito Marcos Camargo3:
“O RDV é um arquivo eletrônico contendo os votos de cada eleitor de uma urna em particular, um por linha. Para preservar o sigilo do voto, a posição das linhas é embaralhada, de modo que não é possível fazer correspondência de um voto com um eleitor específico. De fato, nem o próprio eleitor de posse do RDV é capaz de dizer qual linha corresponde ao seu voto. Caso haja uma suspeita de fraude em uma urna específica, o RDV não é suficiente para se auditar a contagem. Ele permite apenas se verificar a quantidade de votos versus a quantidade de eleitores que efetivamente votaram. Para auditar uma urna seria necessário convocar todos os eleitores, solicitar que divulguem seus votos e comparar o resultado com o RDV. Este procedimento é inviável pois viola o sigilo do voto e seria impossível de realizar em larga escala.
Para tentar compensar esta falta de auditoria do RDV, o TSE incorporou no processo um procedimento denominado votação paralela. Na véspera da eleição são sorteados um conjunto de urnas que são carregados na sala do TRE ao invés da seção eleitoral e nelas são inseridos votos abertos, que são lidos para os presentes. Ao final da votação é impresso um boletim de urna e comparado com as anotações dos presentes. Este procedimento tem por objetivo garantir que a urna opera como planejado e que não houve nenhum comportamento escuso por parte da mesma. Porém este procedimento não resolve a questão da falta de auditoria dos votos dentro das urnas. Este e outros processos inseridos pelo TSE para suprir a falta de auditoria do RDV visam apenas avaliar se a urna funciona conforme planejado. Um contraexemplo importante seria uma fraude implantada diretamente no código fonte por um funcionário malicioso do próprio TSE que seja sofisticada o suficiente para se esconder durante as inspeções do código fonte e detectar a votação paralela de modo a não realizar a fraude nestas urnas. Existem diversos elementos de segurança no sistema que dificultam uma fraude deste tipo, porém não se pode considerar como impossível esta possibilidade.”
Os exemplos mencionados chamam a atenção não apenas para o número de fraudes que podem ser praticadas nas urnas eletrônicas e na contagem final de votos. Mas em especial, pela total impossibilidade do juiz eleitoral, do promotor de justiça eleitoral, e mais importante ainda, o cidadão comum, poderem detectar uma eventual fraude eletrônica e tomar as devidas medidas legais para neutralizá-lo.
II – Os aspectos jurídicos do novo modelo de votação
O sistema eletrônico de votação e apuração de votos implica, portanto, em radical diferença do sistema de votação e apuração manuais de votos.
Essas diferenças reverberam na seara jurídica, implicando em graves violações ao ordenamento jurídico e aos princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito.
Note-se que a segurança do sistema eletrônico atual repousa no bom funcionamento de uma máquina eletrônica e na confiabilidade de técnicos de informática que irão manusear os dados coletados em cada máquina eletrônica e ainda somá-los para resultado final. Assim, todo o processo de coleta, extração dos dados das urnas eletrônicas e bem como a totalização dos votos são realizados por um grupo restrito que detém o conhecimento técnico específico para a realização dessas tarefas.
Em contrapartida, no antigo sistema manual de votação, o transporte das urnas e contagem final, ou seja, todo o processo eleitoral poderia ser acompanhado por qualquer cidadão, sem necessidade de nenhum conhecimento técnico específico.
O mecanismo antigo atendia aos princípios democráticos que inseriam qualquer cidadão no protagonismo político de fiscalizar a regularidade da eleição de seus representantes.
Tal fato ocorria desde o primeiro momento quando o eleitor podia conferir, com certeza absoluta, a própria cédula eleitoral que preenchia. Em seguida, o cidadão ainda poderia participar da fiscalização da contagem dos votos, quando os mesários das seções, nomeados escrutinadores da Junta (art. 189 do Código Eleitoral) iniciavam os trabalhos de contagem conferindo se o número de votantes coincidia com o número de cédulas contidas nas urnas (art. 192 do Código Eleitoral). Este procedimento era acompanhado de perto por Promotores de Justiça e Juízes Eleitorais, bem como por diversos representantes de partidos políticos4, que poderiam tomar as devidas providências em caso de fraude. Em se tratando de urnas eletrônicas, resta inviável qualquer tipo de fiscalização real nesta questão por parte de agentes políticos ou por uma pessoa do povo, apesar da previsão contida nos artigos 109 e seguintes da Resolução 23.456/15 do TSE, que conferem aos agentes políticas tão somente uma fiscalização formal. Afinal, apenas os técnicos de informática poderão, de fato, fazer a conferência real dos votos.
Como bem anota Armando Antônio Sobreiro Neto5, “não há Direito Eleitoral onde não funcione a participação popular na construção da soberania de determinado Estado”6.
Assim, um sistema eleitoral eletrônico, que afasta o povo da sua fiscalização e regularidade, e confere a supervisão da segurança exclusivamente a uma elite de técnicos em informática, viola irremediavelmente o princípio do Estado Democrático de Direito.
É óbvio que a construção de um Estado Democrático de Direito não pressupõe apenas o cumprimento do art. 14 da Constituição Federal, que preconiza que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direito e secreto, com valor igual para todos”.
Para a constituição de um Estado Democrático de Direito, é de fundamental importância que esse cidadão que depositou o seu voto na urna, também possa participar da fiscalização desse voto e da contagem dos dados depositados nas urnas. A criação de um sistema de votação, que afasta o cidadão da fiscalização sobre a licitude desse próprio sistema, viola o princípio da cidadania tão precioso e indispensável na constituição de uma Nação.
Conforme anota José Jairo Gomes7:
“Uma das críticas mais ácidas dirigidas ao sistema eletrônico brasileiro refere-se à impossibilidade material de se conferir os votos e de se auditar a votação. Em um regime democrático – em que deve imperar a transparência -, é desejável que qualquer cidadão possa averiguar a regularidade das eleições, bem como os procedimentos de contagem e totalização dos votos, sobretudo do seu próprio voto.
Não há Estado Democrático de Direito que se mantenha quando nos encontramos na absurda situação em que o cidadão vota, mas não tem sequer como conferir o próprio voto. Assim, como não também há Estado Democrático de Direito quando a contagem dos votos é realizada apenas por uma elite técnica e por meios técnicos inacessíveis para o conhecimento de um cidadão comum, em especial a transmissão dos dados na contagem final.
Desnecessário salientar que em um país como o nosso, que ganha notoriedade internacional pelos altíssimos índices de corrupção, é inquestionável que todo o sistema eleitoral deva estar humildemente submisso aos princípios da transparência e da publicidade. E não por mera coincidência, mesmo os países que conseguem manter os níveis de corrupção em plano irrisório, recusaram reiteradamente o uso de urnas eletrônicas, justamente por estas afrontarem os princípios constitucionais que garantem a participação popular na escolha de seus representantes legais.
Apenas a título de exemplo:
Tribunal alemão considera urnas eletrônicas inconstitucionais
O Tribunal Constitucional Federal alemão anunciou que uso de computadores no processo eleitoral de 2005 no país foi inconstitucional.
Urnas eletrônicas na Alemanha: inconstitucionais, segundo corte máxima
Dois milhões de eleitores alemães não precisaram fazer, nas últimas eleições federais realizadas no país, no ano de 2005, um “x” na cédula eleitoral, mas escolheram seus candidatos usando uma urna eletrônica. Segundo o Tribunal Constitucional Federal, sediado na cidade de Karlsruhe, isso fere o direito básico de garantia de uma eleição pública.
“A eleição como fato público é o pressuposto básico para uma formação democrática e política. Ela assegura um processo eleitoral regular e compreensível, criando, com isso, um pré-requisito essencial para a confiança fundamentada do cidadão no procedimento correto do pleito. A forma estatal da democracia parlamentar, na qual o domínio do povo é midiatizado através de eleições, ou seja, não exercido de forma constante nem imediata, exige que haja um controle público especial no ato de transferência da responsabilidade do Estado aos parlamentares”, afirmou o juiz Andreas Vosskuhle ao anunciar a decisão do tribunal.
Formas de controle
Para a corte máxima alemã, um “evento público” como uma eleição implica que qualquer cidadão possa dispor de meios para averiguar a contagem de votos, bem como a regularidade do decorrer do pleito, sem possuir, para isso, conhecimentos especiais.
No processo eleitoral tradicional, isso nunca foi um problema. Uma vez que o voto tenha sido depositado na urna, qualquer pessoa pode acompanhar de perto a contagem junto ao domicílio eleitoral. Manipulações, nesses casos, são difíceis, uma vez que podem a qualquer momento ser descobertas.
O que não ocorre no caso das urnas eletrônicas, em que o eleitor simplesmente aperta um botão e o computador, horas mais tarde, expele um resultado. O cidadão comum, neste caso, não tem meios para apurar possíveis erros de programação ou manipulações propositais. Neste sentido, acreditam os juízes alemães, houve, com o uso da urna eletrônica nas eleições de 2005, uma transgressão das leis que garantem o pleito como um fato público (…).8
A credibilidade das urnas eletrônicas já foi descartada em mais de cinquenta países, conforme informação veiculada em http://www.folhapolitica.org/2013/09/mais-de-50-paises-ja-rejeitaram-as.html?m=1
Segundo informações prestadas por Sylvio Montenegro9, Consultor em Tecnologia da Informação, diversos países têm se manifestado de forma contrária às urnas eletrônicas brasileiras ou mesmo o modelo exclusivo de forma eletrônica de votação. Ressalta o especialista a sua maior preocupação: “Um dado que deve ser colocado em evidência: não é a invasão da urna ou o que pode ser manipulado na urna em si. O que questiono é o que pode acontecer com os dados nos grandes centros concentradores de votos”. E ao final, conclui: “se a urna eletrônica brasileira é tão segura, porque foi rejeitada por 50 países que aqui vieram conhecê-la?”
III – DA IMPORTÂNCIA DO VOTO IMPRESSO
Entretanto, apesar de todas as suspeitas que cercam as urnas eletrônicas e a totalização final dos votos, tem-se que se trata de um mecanismo de votação que não será abdicado pelo TSE para as próximas eleições.
Por tal motivo, e considerando o temor justificado da população de participar de um pleito que pode ser manipulado indevidamente por setores corruptos da sociedade brasileira, é de fundamental importância que se dê cumprimento à Lei Lei 13.165/15, que determina a impressão do voto em todas as urnas eletrônicas.
Existe um relativo consenso acadêmico de que é muito difícil construir um sistema computacional complexo absolutamente seguro, então é sensato supor que todo sistema é propenso a falhas e vulnerabilidades, de modo que eventualmente poderá ser subvertido por um atacante suficientemente motivado ou com recursos financeiros adequados. Não é necessário ser um especialista para se chegar a esta conclusão, basta observar as notícias diárias de vazamentos de dados e invasões em sistemas considerados altamente seguros. Considerando esta questão, existe um princípio cunhado em 2006 por importantes pesquisadores denominado Independência do Software em Sistemas Eleitorais10 que diz que um sistema eleitoral é independente do software se uma modificação ou erro não-detectado no seu software não pode causar uma modificação ou erro indetectável no resultado da apuração11.
Considerando o princípio acima e a questão do RDV levantada anteriormente, faz-se necessário a introdução de um elemento não dependente de software que permita auditoria independente dos programas da urna eletrônica para se recontar os votos de uma urna ou um conjunto representativo. Este elemento obviamente não pode violar o sigilo do voto, então deve ser armazenado em local seguro e deve permitir a conferência pelo eleitor da sua correspondência com o apresentado pela urna no momento da votação. Existem diferentes soluções para este problema, porém diante da existência atual de 550.000 urnas eletrônicas12, a impressão do voto, a apresentação para o eleitor para conferência e o depósito automático sem intervenção em uma urna convencional se apresentam como uma solução viável sobretudo em face dos custos e do reaproveitamento do parque de equipamentos existente. O TSE inclusive apresentou o modelo da solução na conferência SBSEG, realizada em Brasília-DF no ano de 2017.13
Obviamente, a impressão do voto não viola o princípio do voto secreto, assim como a antiga cédula escrita também não violava. Há formas seguras de se acoplar a impressora a uma urna eletrônica de maneira que o lançamento do voto impresso em coletor apropriado ocorra sem que terceiro tome conhecimento do teor do voto, mesmo em caso de remotíssima hipótese de pane no funcionamento da impressora.
Essa hipótese de pane na impressora não pode fundamentar entendimento pelo afastamento de sua utilização nas eleições, sob o argumento de que neste caso haveria tumulto nas filas ou violação ao voto secreto. Caso fosse esse o entendimento, sequer se poderia pensar em implantar no nosso sistema eleitoral as urnas eletrôncias, que também estão sujeitas a panes, como qualquer equipamento eletrônico. Pois o TSE jamais cogitou afastar o uso das urnas eletrônicas pelo risco de que sua eventual pane pudesse tumultuar as zonas de votação ou violar o sigilo de votos.
IV – Conclusão
ISSO POSTO,
Os representantes do Ministério Público e integrantes do Poder Judiciário abaixo assinados:
-
Declaram à população brasileira que o procedimento eleitoral baseado exclusivamente em meio eletrônico, sem voto impresso, inviabiliza que esses agentes públicos possam realizar uma efetiva e concreta fiscalização da regularidade e lisura das eleições;
-
Requerem ao TSE que cumpra integralmente a Lei 13.165/15 acoplando uma impressora a cada urna eletrônica para as próximas eleições;
-
Requerem ao TSE que realize a contagem dos votos impressos ao final da eleição, independente de requerimento de partido político ou outro interessado.
1 Informações prestadas por Marcos Camargo – Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.
2 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/06/teste-feito-por-equipe-da-unicamp-revelou-falhas-de-seguranca-nas-urnas-eletronica
3 Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.
4 Art. 87 da lei 9504/97 – Na apuração, será garantido aos fiscais e delegados dos partidos e coligações o direito de observar diretamente, a distância não superior a um metro da mesa, a abertura do urna, a abertura e a contagem das cédulas e o preenchimento do boletim.
Note-se que que a fiscalização era tão rígida que exigia inclusive a recontagem dos votos, caso a apresentação de totais de votos nulos, brancos ou válidos destoassem da média geral das demais Seções do mesmo Município, Zona Eleitoral – art. 88, II da Lei 9504/97.
5 In Direito Eleitoral, Teoria e Prática. Curitiba. Editora Juruá. 2014.
6 Ob cit. Página 29
7 In Direito Eleitoral, São Paulo. Atlas. 2017. página 67
8 http://www.dw.com/pt-br/tribunal-alem%C3%A3o-considera-urnas-eletr%C3%B4nicas-inconstitucionais/a-4070568
9 http://blogs.diariodonordeste.com.br/egidio/tecnologia/urnas-eletronicas-brasileiras-sao-rejeitadas/.
10 https://pt.wikipedia.org/wiki/Independ%C3%AAncia_do_Software_em_Sistemas_Eleitorais
11 Informações prestadas por Marcos Camargo – Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.
12 Informações prestadas por Marcos Camargo – Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.
13 https://sbseg2017.redes.unb.br/wp-content/uploads/2017/04/20171109_ANAIS_SBSEG_2017_FINAL_E-BOOK.pdf Página 666
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