"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
PEC das Emendas Parlamentares passar na frente da Previdência é um deboche
Conforme noticiou a Gazeta do Povo, “a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou um requerimento para votar, antes da reforma da Previdência, as mudanças feitas pelo Senado na proposta que engessa o poder do Executivo sobre o Orçamento, a chamada PEC do Orçamento Impositivo.”
A medida é simplesmente um escárnio. As regras atuais de previdência, absolutamente defasadas em relação à condição etária da população e das práticas das nações mais desenvolvidas, são uma ameaça iminente à condição de vida dos brasileiros.
Como já mostramos em outro artigo, baseado em estudo da Secretaria de Política Econômica, a manutenção do velho sistema previdenciário derrubará a economia brasileira para uma nova recessão muito em breve, implicando numa queda média da renda de R$ 2,500,00 para cada brasileiro, com elevação de juros, impostos, e do desemprego para cerca de 15% (o maior patamar da história). A explosão da dívida tornaria o Brasil um país refém de gastos com juros e dívida por longas décadas, sem qualquer capacidade de investimento em infraestrutura ou serviços básicos como saúde, educação e segurança.
Conforme demonstramos em um segundo post sobre o tema, mesmo antes de deflagrar seus efeitos mais negativos, o gasto com previdência atual já obriga o Estado a consumir recursos excessivos, além de que a previsão explosiva de seu crescimento para os próximos anos (caso não haja uma reforma suficientemente vigorosa) cria expectativas muito negativas para o país, o que tem inviabilizado uma retomada mais enérgica do crescimento econômico.
Diante desse quadro, é algo óbvio que reformar a previdência tem prioridade sobre uma PEC basicamente de teor corporativo e cujo interesse é restrito aos parlamentares.
Particularmente sequer sou contrário à PEC das Emendas. Sou simpático às emendas (muito mal compreendidas pela população que acha que é um dinheiro que vai para o bolso do parlamentar, quando na verdade é direcionado para obras na base do parlamentar). Também simpatizo com o fortalecimento do federalismo e com a descentralização de recursos, algo que parece ser favorecido pela medida. Contudo, embora não tenha nada contra o mérito da PEC (não tenho opinião formada sobre ela; para uma análise dos prós e contras, vide aqui), é um fato que ela não tem a urgência e a legitimidade da Nova Previdência.
Não tem a mesma urgência, porque ela vigora apenas a partir de 2020. Depois, seus benefícios são muito restritos e circunscritos ao trabalho dos parlamentares, facilitando o uso de emendas por determinadas espécies de bancadas. Já a Nova Previdência beneficia o Brasil como um todo.
E não tem a mesma legitimidade porque a reforma das emendas parlamentares: não foi debatida durante as eleições; não foi proposta e defendida por qualquer candidato ou plano de governo; não conta com o mais mínimo apoio ou apelo popular. A Nova Previdência por outro lado é objeto de um debate maduro que se arrastou pelos últimos anos. Foi objeto expresso do plano de governo do candidato vencedor. E embora conte com resistência de grupos corporativistas de pressão ou de pessoas que não a compreendem plenamente, segundo levantamento do Atlas Político, ela conta com aprovação de 43,9% da população, sendo muito mais popular do que Lula (imagem positiva de 30,9% no mesmo levantamento), Haddad (imagem positiva de somente 26,8%) ou Ciro Gomes (21,5%).
Na verdade, a inversão da pauta preterindo a Previdência foi uma medida irresponsável e descomprometida com o país. Segundo a reportagem, a reversão foi articulada pelo centrão e pela oposição. “Somente o PSDB e o Novo se posicionaram contra a troca na ordem de votação. ‘As duas matérias são importantes, mas existem prioridades. Para nós a questão da Previdência é uma prioridade. (…)”, disse o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).” A fala do deputado é corretíssima.
Para surpresa, o próprio partido do governo – para fingir que não foi derrotado – votou favoravelmente à inversão, quando o correto teria sido expor a gravidade do erro. O presidente da CCJ, o deputado Felipe Franceschini desabafou: “eu confesso que estranhei, não entendi nem meu partido. Se eu fosse do PSL e tivesse a fala eu não votaria pela inversão da pauta, porque eu vejo que tem 200 milhões de brasileiros ali fora, 10 milhões atrás de um emprego e a gente discutindo sexo dos anjos e questões que não são tão importantes quanto a reforma”. Ele estava coberto de razão. E aliás havia lutado bastante para manter a prioridade da análise da previdência.
A irresponsabilidade e lentidão da Câmara – provocadas principalmente pela oposição e pelo centrão – estão acabando com as esperanças dos brasileiros. Segundo levantamento da FGV, a expectativa dos consumidores que havia subido vigorosamente até janeiro, teve queda abrupta após fevereiro (mês da posse do Congresso), quando ficou claro que o órgão seguiria colocando barreiras desnecessárias para as reformas de que o Brasil precisa. O índice de confiança dos empresários também despencou em março.
Somos defensores do Congresso. O Parlamento é o fiel da democracia, como registramos em outro artigo. Todavia, como dizia o imortalizado personagem da Marvel: “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. O Congresso tem o dever de agir com a celeridade necessária e tomar as decisões políticas que são imprescindíveis. Até agora isso não aconteceu na atual legislatura.
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