"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Qual o papel da leitura imaginativa na formação de um jurista?
O direito é, sem dúvida, uma ciência interdisciplinar. De fato, o papel de um jurista é decidir litígios humanos com acerto, desvendando a quem cabe o direito objeto da demanda. Ora, julgar casos de modo acertado requer muito mais do que apenas o conhecimento de dispositivos legais, exige conhecimentos correlatos de outros ramos do saber: ética, economia, política etc. E também experiência acerca das situações humanas que se entrelaçam com os casos. Logo, o direito acaba sendo um ramo do conhecimento que exige a abordagem conjunta de várias disciplinas e temas.
Ao perceber essa exigência, é comum que estudantes de direito ou mesmo juristas já formados e até experientes busquem preencher sua lacuna com o estudo de outras disciplinas teóricas, em especial, da filosofia e seus vários ramos (filosofia política, filosofia moral, filosofia jurídica etc.).
Isso é ótimo. Porém, esse esforço por adquirir conhecimento transdisciplinar pode ser ampliado. Como? Por meio da leitura imaginativa.
Por leitura imaginativa aqui me refiro a toda espécie de narrativas fáticas sejam elas ficcionais (contos, romances, mitos etc.) ou históricas (por exemplo: biografias ou história de países, culturas, artes etc.).
Mas por que a leitura imaginativa é importante?
Pretendo responder a essa pergunta fazendo alusão às lições de Peter J. Kreeft, professor de filosofia no Boston College, em livro intitulado The Philosophy of Tolkien: The Worldview Behind The Lord of the Rings. Obra essa, aliás, cuja leitura recomendados incisivamente.
Veja o que o professor Kreeft diz lá sobre leitura imaginativa:
Filosofia e literatura são feitas uma para a outra. Elas podem funcionar como duas lentes do mesmo binóculo. A filosofia argumenta de modo abstrato. A literatura também argumenta – ela persuade, transforma o leitor -, mas de forma concreta. A filosofia descreve a verdade, a literatura mostra a verdade. (pág. 22)
Ainda diz o autor: “o pensamento humano é ao mesmo tempo concreto (particular) e abstrato (universal). (…) Qualquer coisa de abstrato em que pensemos, exige que usemos uma imagem concreta como exemplo particular. O contrário também é verdade: onde quer quer reconheçamos alguma coisa como inteligível e dotado de sentido, usamos um conceito abstrato para classificar aquilo, para categorizá-lo, para defini-lo” (pág. 23).
Daí a importância da leitura imaginativa. Além de outros benefícios que podem ser apontados (melhorar a escrita, ampliar a cultura, expandir o vocabulário, ensinar a efetuar uma descrição bem organizada, a ordenar uma narrativa, desenvolver a capacidade de expressão e comunicação), ela ainda mostra, faz vivenciar, torna experiência pessoal o drama humano descrito, o valor moral ou o conceito filosófico incarnado na história.
Quando você olha pelo binóculo, você olha por meio de ambas as lentes ao mesmo tempo. Porque o pensamento humano é binocular, filosofia abstrata e literatura concreta naturalmente reforçam a visão uma da outra. A filosofia faz a literatura clara, enquanto a literatura faz da filosofia algo real. A filosofia mostra essências, a literatura revela existências. A filosofia apresenta conceitos, a literatura manifesta vida. (pág. 22)
Por onde começar?
Apesar da excelência da leitura imaginativa, infelizmente, ela é pouco explorada na formação jurídica.
E quando alguém se decide a enveredar por esse caminho, surgem dois desafios: saber o que ler; e como ler.
Sobre como ler faremos um post futuro, baseando-nos na fantástica obra “Como Ler Livros“, do intelectual conservador Mortimer Adler. O volume tem um capítulo específico com dicas sobre como aproveitar melhor a leitura imaginativa. Por ora, recomendamos ao leitor que adquira o livro e leia o capítulo mencionado.
Acerca do que ler: eis uma pergunta de um milhão de dólares. Não existe resposta pronta.
De todo modo, parece possível afirmar que qualquer boa lista terá duas espécies de livros: clássicos e contemporâneos.
Quanto aos clássicos, limitamo-nos a indicar três excelentes listas que fornecem sugestões para que você monte seu próprio plano de leitura:
a) A obra mencionada “Como Ler Livros”, ao final, traz uma lista de exemplares que na opinião dos autores foram os mais impactantes na formação da cultura ocidental. Várias das indicações referem-se a excelentes clássicos de leitura imaginativa.
b) O St John’s College possui um programa de “artes liberais” mundialmente famoso baseado na leitura de clássicos da literatura. A lista de leituras está disponível na rede mundial de computadores (link aqui), podendo servir como uma qualificada fonte de sugestões.
c) Por fim, a coleção The Great Books of Western World também traz inúmeras obras de leitura imaginativa importantes para formação da cultura ocidental.
No tocante aos contemporâneos, a lista é interminável e o rol muito pessoal. Só não deixe de fora os livros do Tolkien.
Boa leitura.
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