"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Sergio Moro acertou: criminalidade e problema carcerário não se resolvem “simplesmente soltando criminosos”.

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Na visão de Sergio Moro, embora haja pontos positivos, há problemas na redação do projeto que tornam necessário deixar a discussão para o próximo governo. | Valter Campanato/Agência Brasil

Como noticiou a Gazeta do Povo, o futuro Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, teceu críticas a projeto de lei que altera regras sobre execução penal e buscou articulação junto ao Congresso, solicitando que essa análise e votação fique para o próximo governo, capaz de debater o assunto com maior cautela.

A reportagem ainda informou que o ex-magistrado manifestou particular preocupação com o tema da progressão de regime, momento em que Sergio Moro fez colocação que foi replicada em outros veículos de comunicação: “Eu não penso que se resolve problema de criminalidade simplesmente soltando criminosos. Me parece que a mensagem da sociedade nas eleições não foi esta. Abrir portas das cadeias não é solução“.

Ele está coberto de razão.

É o que explicaremos a seguir.

Problema carcerário e criminalidade não se resolvem soltando autores de delitos

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No ano de 2003 a extrema-esquerda tomou a Administração federal, passando a adotar mais intensamente as pautas decorrentes do discurso de deslegitimação do direito penal. Chamarei esse discurso de “pseudodesencarcerador” (digo pseudo porque, como veremos, embora afirme visar a redução da população carcerária, no longo prazo, ele leva a um aumento vertiginoso da criminalidade, ocasionando uma nova escalada da população carcerária e a uma situação final pior do que a que havia antes).

Esse discurso defende, basicamente, que a criminalidade decorre exclusivamente (ou quase exclusivamente) de motivos sociais, particularmente, da pobreza e da desigualdade. Logo, a prisão seria despicienda e contraprodutiva no combate à criminalidade.

Essa postura, além de majoritária em partidos de extrema-esquerda, também domina a classe artística, a academia no país todo, e o jornalismo, especialmente, no “eixo Rio-São Paulo”: a chamada “classe falante”, que embora minoritária domina os meios de participação no debate público.

Assim, a tomada do Poder Executivo central por essa postura ideológica foi celebrada e parecia hegemônica, ou até “consensual”, visto que as parcelas sociais que discordam – ao menos parcialmente – restaram sem recursos para demonstrar publicamente sua insatisfação.

Dentro desse cenário, a partir de 2003 toda uma série de medidas que visavam combater o encarceramento passaram a ser adotadas, e seus defensores foram sendo colocados em postos chave. O resultado: o STF, à medida que ia contando majoritariamente com indicados pelo PT, passou a julgar inconstitucionais várias regras de enrijecimento contra o crime; houve indultos cada vez mais “generosos”; saídas temporárias; decisões que determinavam liberação em massa de presos; mutirões; instituição das audiências de custódia etc.

Aqui faço um parêntese: várias dessas medidas (por exemplo, mutirões) podem ser muito boas quando visam impedir ou resolver prisões injustas ou desnecessárias. Todavia, o que houve no período era a busca ideologizada pelo desencarceramento por si mesmo. A ideia era de que a prisão é um mal a ser combatido, e absolutamente irrelevante para o combate ao crime.

A par daquelas políticas públicas, os indicadores que diziam ser essenciais para a redução da criminalidade – como pobreza e desigualdade – apresentaram melhora (ainda que medíocres e abaixo de outros países similares ao Brasil).

Ora, com políticas bastante alardeadas de desencarceramento, redução da pobreza e queda da desigualdade – seguindo as premissas do discurso pseudodesencarcerador – deveríamos ter experimentado uma queda brusca da população carcerária.

No entanto, foi isso o que ocorreu? Definitivamente não.

Pelo contrário, houve um crescimento vertiginoso da população carcerária.

Veja os dois gráficos a seguir, retirados do site World Prison Studies“, particularmente do link com dados sobre o Brasil, o primeiro sobre os números absolutos da população carcerária e o segundo dos índices de encarceramento em relação à população:

Disponível em: http://www.prisonstudies.org/country/brazil
Disponível em: http://www.prisonstudies.org/country/brazil

Perceba que há um crescimento a partir de 2003, exatamente o ano da chegada da extrema-esquerda ao poder com uma intensificação das políticas acima descritas.

Mas por que isso ocorre?

O problema é, sem dúvida, multifatorial. Mas um dos principais motivos é o que mostraremos no tópico a seguir.

Incentivos importam

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Ao contrário do que presume e afirma o discurso pseudodesencarcerador, o autor de delitos não é uma vítima da sociedade, não é alguém quase que constrangido por sua situação social ao cometimento do delito.

Claro que a condição social influi. Nosso artigo não pretende de modo algum desprezar os fatores sociais (como dissemos: o problema é multifatorial). Por isso, a adoção de políticas econômicas liberais, as quais são capazes de gerar ganhos de renda e melhorias sociais são muito bem vindas.

O que se pretende ressaltar é que, ao lado desses fatores, a conduta delitiva de modo geral envolve também um cálculo racional por parte de seu autor: ele visa um benefício com o crime. Para decidir se irá ou não praticá-lo, ele analisa se esse benefício supera os custosriscos que a prática criminoso envolve.

Essa é a lição clássica de Gary Becker, o prêmio Nobel em economia de 1992, em sua famosa “economia do crime”. A lição de Becker é sintetizada por Waldir Lobão e Daniel Cerqueira da seguinte forma:

a decisão de cometer ou não o crime resultaria de um processo de maximização da utilidade esperada, em que o indivíduo confrontaria, de um lado, os potenciais ganhos resultantes da ação criminosa, o valor da punição e as probabilidades de detenção e aprisionamento associadas e, de outro, o custo de oportunidade de cometer crimes, traduzido pelo salário alternativo no mercado de trabalho”. (Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos. Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 47, n.2, 2004, p. 233-269, p. 247.)

Veja que nessa análise as condições sociais não são excluídas: elas entram no campo do “custo de oportunidade (…) traduzido pelo salário alternativo no mercado de trabalho”. Ou seja, quanto menos oportunidades lícitas de ganho a pessoa tiver, mais atraente o caminho do crime se tornará. Daí que é extremamente importante que a sociedade lute para conceder acesso a todos.

Porém, também se leva em conta a decisão do agente que computa os riscos de punição do delito. E é aqui que as políticas de desencarceramento acabam por resultar num verdadeiro incentivo à criminalidade.

Com efeito, sempre que as punições são reduzidas, permutadas por outras mais leves, ou extintas, a mensagem que se está passando é: o custo do crime está sendo reduzido. Permanecendo o benefício, a medida faz com que o crime passe a valer mais e mais a pena.

Não à toa as políticas que se intensificaram no Brasil a partir de 2003 resultaram num aumento avassalador da criminalidade.

Abaixo, segue gráfico da evolução do número de homicídios no país entre 2007 e 2016:

Fonte: IPEA - http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/17
Fonte: IPEA – http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/17

Abaixo o gráfico da evolução da proporção de homicídios no país a cada 100 mil habitantes no mesmo período:

Fonte: IPEA - http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/20
Fonte: IPEA – http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/20

Movimento semelhante pode ser verificado também em relação a outros crimes, ao tráfico de drogas, ao aumento em número e poderio das organizações criminosas, à corrupção etc.

Assim, há um círculo vicioso: a impunidade decorrente das políticas de desencarceramento incentivam o cometimento de delitos; o número de crimes cresce em ritmo superior ao do desencarceramento; de modo que as políticas de soltura de criminosos tem, então, de ser reforçadas. Consequência: novo aumento da impunidade e crescimento cadas vez maior da criminalidade.

Conclusão

Ante o exposto, vê-se que acerta o futuro ministro ao afirmar que “o problema decriminalidade” não se resolve simplesmente soltando criminosos. (…) Abrir portas das cadeias não é solução“.

Para acabar com esse círculo vicioso, cabe ao Brasil sair da enorme crise econômica decorrente do excesso de intervenção do Estado na economia e do desequilíbrio fiscal, adotando políticas liberais que deem acesso a oportunidades aos mais pobres.

E, no âmbito penal, definir prioridades e então aplicar o direito penal de modo coerente e efetivo.

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