"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Significado de Democracia – Conceito e Ideias Centrais
Qual o significado de democracia?
Você já deve ter ouvido isso umas mil vezes…
Sem dúvida, se você tem algum contato com mídia (tradicional ou alternativa) ou mundo do ensino, você já se perguntou várias vezes qual o significado de democracia ao ouvir: “tal ou qual coisa é democrática” ou “antidemocrática”; que “tal ou qual país é uma democracia”, sempre em tom elogioso. Ou a afirmação exatamente contrária, em sentido pejorativo: “naquela país não há democracia”.
Sempre a democracia, ela está no discurso de todos… quando se pretende defender um projeto, diz-se que ele a favorece; por outro lado, quando se pretende combater uma nova medida, diz-se que ela ameaça a democracia.
Mas, afinal: qual o significado de democrático? O que significa democracia?
De fato, após ouvir aquelas alegações você já deve ter sentido a vontade de ter uma ideia mais bem delineada da democracia e suas características. Saber qual sua definição, sua ideia fundamental, seus pilares, suas instituições.
Enfim, ser capaz de julgar com mais precisão se um regime é democrático ou não. Bem como se uma medida favorece ou prejudica a democracia.
Pois bem, nesse post é exatamente isso que você vai aprender.
Preparamos um material de ponta para você.
Nossa ideia foi a seguinte: imagine se alguém realizasse os seguintes estudos:
as lições centrais dos clássicos da democracia: a história política da Grécia antiga, das repúblicas romana e renascentistas…
além dos escritos modernos, como Alexis de Toqueville, os textos sobre o parlamentarismo inglês e a constituição americana, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e John Stuart Mill.
Após, então, extraísse os elementos fundamentais da teoria democrática.
Depois de efetuar esses estudos, essa pessoa juntasse um material volumoso sobre a realidade política de dezenas e até de mais de uma centena de países atuais. Então, apontasse, à luz da teoria democrática, quais países podem ser ditos como democráticos.
Imagine uma vez coletado todo esse material, ela compilasse quais os pilares teóricos e instituições exigidos pela prática democrática.
Cotejadas teoria e prática, finalmente, ela descrevesse o significado da palavra democracia.
Não seria uma aventura intelectual, além de uma análise de inquestionável seriedade?
Pois veja a boa notícia que demos para lhe dar… já sei… você deve estar imaginando que direi que alguém já fez isso… acertei?
É melhor do que isso… na verdade, várias pessoas já fizeram isso.
Aqui, basicamente, utilizaremos as seguintes fontes:
On Democracy, de Robert Dahl
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Publicada pela Yale Press. Essa é, sem dúvida, a obra mais fundamental sobre o tema. Se você quiser ler apenas um livro sobre a democracia, leia esse!
Ele tem ainda a virtude de ser o mais didático, e abordar com singular precisão alguns temas marginais ao conceito em si de democracia, mas que envolve circunstâncias institucionais e sociais que impactam no funcionamento dela: as relações entre democracia e livre mercado, acesso a armas pela população, federalismo, bem como regras e sistemas eleitorais.
Além de ter um capítulo inicial excelente sobre a história da democracia, e uma indicação de bibliografia complementar separada por tema.
Robert Dahl, catedrático da Universidade de Yale, cresceu em uma pequena cidade americana, no Alaska. Lá sua infância foi marcada pela imagem da participação popular nos negócios do pequeno vilarejo e nas associações de trabalhadores. Essa experiência lhe causou uma profunda admiração à capacidade organizacional das pessoas comuns. Isso o abriu para o estudo da democracia, que nada mais é do que a entrega da Administração geral às pessoas comuns.
Você pode conferir isso nesse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=oPl4LkLH8_w.
Dedicou, então, grande parte de seus estudos como cientista político à democracia, e ao exame das instituições que a configuram na contemporaneidade (que ele chama de Poliarquias). Essa foi sua maior contribuição teórica.
A obra indicada, inclusive, já possui tradução para o português, publicada pela Editora UNB, com o título “Sobre a Democracia”. Inexplicavelmente, a obra se encontra esgotada no mercado editorial brasileiro, sendo a única edição de 2001. Mas nada impede você de encontrá-la em algum sebo ou biblioteca. Na versão original em inglês, ela teve uma segunda edição de 2015, escrita em coautoria com o também professor de Yale Ian Shapiro.
La Democracia y sus Criticos, Robert Dahl
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Também de Robert Dahl, a obra é ainda melhor do que a primeira indicada, e mais completa. Porém, um pouco mais densa e não conta com tradução em português, de modo que o custo-benefício já vale apenas para quem pretende uma leitura de maior fôlego e dedicar mais tempo ao assunto. O ponto mais significativo e diferenciado desta obra é sua “segunda parte”, em que o autor aponta o que considera os dois principais críticos da democracia, e busca respondê-los: a hierarquia política (que pode se manifestar na tradição aristocrática, mas também na mentalidade de “elites de vanguarda”) e a anarquia. Essas considerações de Robert Dahl sobre a anarquia e a hierarquia política serão objeto de um futuro post nosso.
Índices e rankings das democracias
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Michael Coppedge e Wolfgang Reinicke. “Measuring Polyarchy: Studies in Comparative International Development”
Um estudo com quantidade enorme de dados, englobando 168 países, indicando seu nível democrático a partir de quatro critérios:
i) eleições livres e justas (holding of fair elections);
ii) liberdade de expressão (freedom of expression);
iii) fontes alternativas e independentes de informação (media pluralism); e,
iv) autonomia associativa (freedom of organization).
O artigo foi publicado em 1990, jamais repetido. Para nossa infelicidade, como ocorre sem qualquer explicação com muitos materiais de excelente qualidade, não possui tradução para o português.
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O sítio na internet Freedom House
Embora não dedicado exclusivamente à democracia ou aos regimes políticos, mas à situação dos direitos civis e das liberdades ao redor do mundo, produz anualmente relatórios com dados importantes sobre determinadas liberdades diretamente ligadas à democracia. Um de seus principais relatórios anuais, sobre a liberdade ao redor do mundo (“Freedom in the World”), avalia os países de acordo com os seguintes temas:
i) direitos políticos (political rights);
ii) liberdades civis (civil liberties);
iii) idoneidade do processo eleitoral (electoral process);
iv) pluralismo político e participação (political pluralism and participation);
v) funcionamento efetivo do governo eleito e respeito ao Estado de Direito (functioning of Government e Rule of Law);
vi) liberdade de expressão e de crença (freedom of expression and belief);
vii) liberdade de associação (association and organizational rights);
viii) autonomia pessoal e direitos individuais (personal autonomy and individual rights).
A Freedom House ainda elabora outros relatórios com impactos diretos na avaliação das democracias como o de “Liberdade de Imprensa” (Freedom of Press) e “Liberdade na Internet” (Freedom on the Net) (colocar hiperlink).
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Democracy Index
Elaborado pela Unidade de Inteligência da revista inglesa The Economist. Todo ano essa unidade da revista elabora um ranking dos países de acordo com o nível de seu regime de governo.
O índice concede uma pontuação para cada país de acordo com os seguintes critérios:
i) processo eleitoral e pluralismo (electoral process and pluralism);
ii) funcionamento do governo (functioning of government);
iii) participação política (political participation); e,
iv) respeito às liberdades civis (civil liberties).
Ao final da pontuação, os países são classificados em uma das quatro seguintes categorias: democracias plenas (full democracies); democracias falhas (flawed democracies); regimes mistos entre democracia e autoritarismo (hybrid regimes); autoritários (authoritarian).
Resultados coerentes entre si
É interessante perceber que, além de todo o material recolhido e da solidez da metodologia exposta, é possível confrontar as conclusões desses estudos.
E os resultados a que chegam, em suas respostas sobre quais países são ou não democracias e o grau de consolidação de seus regimes democráticos, são em grande medida concordantes.
Assim, é possível concluir que hoje se possui uma farta, séria e coerente fonte de dados que embasam o conceito de democracia, seus elementos essenciais e suas instituições imprescindíveis.
São exatamente essas as informações que você obterá nessa sequência de posts do Instituto Politeia.
Realmente, já deu para perceber que se trata de uma informação volumosa. Por isso, não seria possível expor todo o material em um único post, motivo pelo qual esse tema será dividido em dois. Ao final, você encontrará o link que o enviará ao próximo, assim que ele estiver concluído.
Nesse primeiro, trataremos do conceito de democracia e seus traços fundamentais, bem como de sua ideia central.
O CONCEITO DE DEMOCRACIA
O art. 1º, caput, da Constituição brasileira afirma que “a República Federativa do Brasil […] constitui-se em Estado Democrático de Direito”. A afirmação do caráter democrático do Estado brasileiro também aparece no preâmbulo da Constituição, entre outros dispositivos.
No entanto, o que significa que o Brasil se constitui como um Estado democrático? Qual o significado da palavra democracia?
Pois bem. A democracia pode ser definida como “um sistema político cujos membros se consideram [politicamente] iguais uns aos outros, são coletivamente soberanos e possuem todas as capacidades, recursos e instituições necessários para autogovernar-se” (tradução livre)1.
CORPO POLÍTICO COLETIVAMENTE SOBERANO
Conforme se vê do conceito, a democracia é um agrupamento humano que possui um governo. Isso faz dele um corpo político.
Ter um governo significa que o agrupamento possui uma autoridade emanadora de decisões que são obrigatórias para todos, inclusive para os que discordaram da tese vencedora ou não participaram da deliberação.
Esse corpo político terá de possuir regras que determinem a maneira como são proferidas as decisões de governo. Um governo regido por regras prévias para tomada de decisões é um sistema político.
A ideia de governo, como se pode intuir, opõe-se a uma total anarquia.
De fato, como visto no conceito de democracia, nesse sistema político os membros se consideram coletivamente soberanos, não individualmente.
Porém, cabe aqui uma breve consideração. Esse sistema político não necessita ser estatal. Mesmo em uma pequena sociedade organizada sem Estado, como nas seasteading, o grupo teria de deliberar questões de interesse comum.
Esse sistema de deliberação, mesmo que não estatal, é muitas vezes descrito pelos próprios entusiastas do anarcocapitalismo em termos bastante semelhantes ao de uma democracia. Embora com pleno respeito à propriedade privada e com ampla liberdade de imigrar ou emigrar, o que não contraria em nada a essência da democracia.
No 7º episódio do Podcast Mises Brasil, Juliano Torres, autodeclarado anarcocapitalista e editor do Portal Libertarianismo explica como funcionaria, em tese, uma sociedade organizada nesses pressupostos. Lá ele consigna que de decisões coletivas pensa que seria impossível se escapar totalmente. Inclusive, na altura do minuto 6 ele diz: “a ideia de governo num sentido amplo, com certeza, vai existir. Você terá de tomar decisões coletivas”.
Por isso, quando se fala de soberania coletiva, o que poderia invocar em alguns a ideia de ideologias coletivistas ou opressão de uma maioria, não se trata disso de modo algum.
Apenas se está dizendo que nas democracias as decisões com impacto geral sobre um agrupamento humano não poderiam ser tomadas sem a participação de todo o grupo. Não poderiam ser ditadas impositivamente por uma única pessoa, nem por uma autoridade externa.
Claro que o grupo poderia delegar a decisão a uma autoridade externa ou a poucos membros da coletividade. Porém, ao delegar e decidir a quem delegou a decisão o corpo político todo teria inegavelmente participado da decisão.
Em razão disso se diz que numa democracia, cada pessoa isoladamente não tem soberania de fazer o que quiser, ao menos nos casos em que sua conduta tenha impactos de interesse geral.
Na democracia só o corpo político é soberano. Enquanto os grupos e pessoas são livres e autônomos dentro da esfera de atuação que não impacte em terceiros.
A IDEIA DE AUTOGOVERNO
Certo. Então, a democracia possui um governo. Mas não qualquer governo: ela possui um autogoverno.
Isso quer dizer que participam do governo, diretamente ou mediante representação, todas as pessoas tidas por politicamente iguais. Veremos em breve quem são essas pessoas. Mas já podemos concluir que um corpo político democrático não é governado nem por uma potência externa, ou seja, é uma entidade política independente. Tampouco por uma elite interna.
Por isso, é um autogoverno. Não é governado nem por outro agrupamento político que o domine, nem por uma minoria interna previamente discriminada.
A LÓGICA DA IGUALDADE
E por que se exige a ideia de igualdade política? Por que consta do conceito que numa democracia os “membros se consideram iguais entre si”?
Basta pensarmos no seguinte exemplo: imagine uma pessoa que possui um alto cargo dentro de uma associação. Ela contrata quatro estagiários que serão subordinados diretamente a ela.
Existiria alguma possibilidade de esse detentor de um alto cargo reunir-se com os quatro estagiários e, para cada decisão crucial, determinar que a resolução seria tomada mediante votação por maioria simples entre eles?
Nem pensar!
Por que isso acontece? Qual a razão?
É simples! Essa é uma relação baseada na hierarquia decisória.
Se o superior hierárquico decide, essa posição é inamovível pela simples discordância dos subordinados. Só se eles convencerem o superior a mudar de ideia, e ele sozinho decidir de outro modo, a decisão poderá ser alterada.
Por isso, esse grupo não se autogoverna. Ele é governado por um único membro. Os demais não participam do governo, apenas o obedecem.
Conclui-se do exemplo que para haver autogoverno é absolutamente imprescindível que haja a crença numa certa igualdade entre os membros do corpo político.
A democracia se constrói sobre essa lógica de igualdade. Essa igualdade exigida pelo regime democrático, no entanto, é estritamente política. É a exigência de que todos possam participar das deliberações e decisões comuns que estabelecerão regras obrigatórias para todos.
Assim, não reflete necessariamente uma filosofia igualitarista. A igualdade exigida restringe-se àquele âmbito bem definido: o da participação no autogoverno popular.
Essa ideia, bem pode ser compreendida a partir da seguinte lição de John Locke:
“Ainda que tenha dito antes que todo homem é igual por natureza, logicamente não queria dizer que seria igual em todos os aspectos. Idade ou virtude podem colocar alguns homens acima de outros: excelência ou alguma habilidade e mérito podem elevar alguns acima do nível comum; alguns podem naturalmente possuir deferência por outros por razões de nascimento ou por gratidão em virtude de benefícios recebidos, ou outros motivos. Mas tudo isso é compatível com a igualdade que toda pessoa possui no que respeita à jurisdição ou domínio que uma possa ter sobre a outra. A igualdade sobre a qual falei anteriormente, a igualdade relevante para o problema que ora analisamos, é a igualdade que todo homem possui em razão de sua natural liberdade, de não ser sujeitado à vontade ou autoridade de outro homem“. (tradução livre)2
Como se vê, dita igualdade decorrente da autonomia do cidadão, prescreve que não pode ele ser submetido a um governo do qual não possa participar, e cujas decisões não pode influenciar.
Repise-se que isso não exclui o reconhecimento de que há reais diferenças entre as pessoas. Diferenças de capacidade, conhecimento, estudo, prestígio, meios econômicos etc. Mas, apenas, que tais diferenças sejam tamanhas a ponto de fundamentar que um possa imperar sobre outros sem que esses tenham a possibilidade de participar em tal governo.
É como expressa a famosa frase de Abraham Lincoln:
“nenhum homem é bom o bastante para governar a outro sem seu consentimento“.
Princípio Categórico de Igualdade (Robert Dahl)
Robert Dahl chama a isso de princípio categórico de igualdade, cujo conteúdo ele assim descreve:
“Todos os membros estão suficientemente qualificados, em geral, para participar nas decisões coletivas obrigatórias que gravitem em grau significativo em seus bens e interesses. Em qualquer caso, ninguém está tão mais bem qualificado para que se lhe confie de modo exclusivo a adoção de tais decisões coletivas obrigatórias”. (tradução livre)3
Perceba-se que o princípio possui duas asserções:
a) a primeira, no sentido de que em geral, ou seja, não de modo absoluto, há uma qualificação suficiente em todos os membros;
b) já a segunda, afirmando que em qualquer caso, isto é, mesmo nos que excepcionam a primeira regra – agora sim exprimindo uma norma absoluta –, quando algum cidadão não estiver suficientemente qualificado, ela não estará tão abaixo da qualificação dos demais que permita que ele seja governado sem a possibilidade participar nas decisões, como se fosse uma criança diante de um adulto; alguém civilmente incapaz por enfermidade mental diante de um tutor; ou como um escravo ou súdito diante do seu senhor.
Frise-se: a ideia de igualdade política é o elemento mais fundamental da democracia. Qualquer agrupamento humano no qual exista a convicção de que todos os membros estão em um mesmo nível suficiente de qualificação para as decisões gerais, tenderá a se autogovernar democraticamente. Seja esse agrupamento um corpo político ou uma mera associação civil, uma empresa ou uma tribo.
Pois bem, está aí o conceito de democracia e seus elementos fundamentais: a democracia é um agrupamento humano que possui um governo; mas não qualquer governo, porém, um autogoverno, por meio do qual pessoas que se acham igualmente livres exercem a soberania coletiva, diretamente ou mediante instituições representativas, para decidir sobre os temas de interesse comum.
Próximo post
Como consequência desses traços essenciais (igualdade política pessoal e soberania coletiva), a democracia exige a presença de cinco elementos constitutivos essenciais:
a) participação efetiva;
b) igualdade de voto;
c) entendimento esclarecido;
d) controle da pauta política; e,
e) inclusão4.
Nosso próximo post, explicaremos o conteúdo de cada um desses cinco pilares democráticos e também das instituições essenciais a esse regime, que diremos lá quais são.
Vemos você lá. Caso você tenha ficado com alguma dúvida ou tenha algum comentário, por favor, interaja conosco e registre-o abaixo.
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