"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)
Em decisão histórica, voto condutor no STF reconhece a constitucionalidade do ensino domiciliar (homeschooling)
O ensino domiciliar nunca esteve tão perto de se tornar uma prática legalmente respaldada no Brasil.
O fato corrigirá injustiça histórica que foi praticada nos últimos anos, em que pais vendo a possibilidade de conceder uma melhor educação – acadêmica e social – para os filhos por meio do homeschooling foram tratados como “foras da lei” e até ameaçados por agentes do estado de responderem criminalmente ou perderem a guarda dos filhos.
Isso tudo, no entanto, que decorria de uma análise incompleta do tema ou da influência de ideologias estatistas e até autoritárias, está muito próximo de se tornar passado, em razão do recente julgamento do STF sobre o tema.
A decisão do STF sobre ensino domiciliar
Na última quarta-feira, dia 12 de setembro deste ano (2018), o Supremo Tribunal Federal julgou, em regime de repercussão geral, o Recurso Extraordinário nº 888.815, de modo que o conteúdo da decisão valerá como paradigma para os demais casos iguais.
Alguns apoiadores do ensino domiciliar têm criticado a decisão, afirmando que ela teria vedado o homeschooling no Brasil. Aliás, tem sido corriqueiras chamadas de matérias alegando que o STF teria sido contra o ensino domiciliar.
É um equívoco. A decisão, na verdade, foi excelente para o futuro do homeschooling no Brasil, e a adoção do sistema permitido em países como Inglaterra, Suíça, Finlândia e Canadá, entre muitos outros com excelentes níveis educacionais – poderá representar enorme salto qualitativo no ensino do país.
O que ocorre é que as pessoas têm sido induzidas a erro, seja pelas chamadas das matérias na imprensa, seja pelo fato de que o pedido, no caso concreto analisado pelo Supremo, foi julgado improcedente.
Mas essa é a parte menos importante do julgado.
De fato, para entender a transcendência da decisão é necessário compreender o caso e as razões pelas quais o STF julgou pela improcedência do pleito sob análise.
O caso concreto
O recurso que chegou ao conhecimento do Supremo decorreu do caso envolvendo pais de uma infante de 11 anos, no município de Canela, no interior do Rio Grande do Sul, que solicitaram perante a Secretaria Municipal de Educação autorização para prover a educação da filha mediante ensino domiciliar.
O órgão municipal rejeitou o requerimento, ao que os genitores impetraram mandado de segurança perante a Justiça local. Após sentença, houve recurso ao Tribunal de Justiça gaúcho e, então, ao STF.
Ao analisar o caso, o Supremo julgou improcedente o requerimento dos pais. Todavia, o mais relevante no caso não foi o que o STF fez; mas o porquê ele fez.
Por qual fundamento o STF julgou improcedente o recurso?
É aqui que está a chave para entender a importância do julgamento: a decisão do STF pela improcedência do recurso deu-se tão somente por ausência de norma legal que regulamente a prática do ensino domiciliar.
Mas ao fazê-lo, ele deixou clara uma coisa muito mais importante…
Voto condutor reconheceu a constitucionalidade da prática do ensino domiciliar (homeschooling)
A decisão do caso foi tomada por 10 ministros. Desses, a maioria não apontou qualquer inconstitucionalidade na prática do homeschooling.
O primeiro a tratar do tema, Luís Roberto Barroso que era o relator – e cujo voto foi uma aula de Direito Constitucional e de Direitos Humanos – entendeu que além de constitucional o ensino domiciliar é um direito dos pais independente de norma regulamentadora. Conforme matéria da Gazeta do Povo, ele “sugeriu apenas algumas regras para a regulamentação da matéria, como a necessidade de notificação das Secretarias Municipais de Educação; a existência de avaliações periódicas e a volta à escola caso seja comprovada a deficiência na formação acadêmica.”
Fachin seguiu Barroso, votando, contudo, pela determinação do prazo de um ano para que o legislador regulamentasse a matéria.
Esses foram os dois votos mais liberais.
Todavia, o voto condutor da divergência e que se sagrou vencedor foi o do Ministro Alexandre de Moraes. Esse, portanto, é o voto mais importante para entender a posição do Supremo sobre o tema. Ele será o relator da decisão, e a partir das premissas por ele utilizadas é possível concluir que o homeschooling é constitucional, dependendo agora apenas de norma regulamentar.
De fato, segundo notícia do site do Supremo Tribunal Federal:
Para o ministro Alexandre de Moraes, a Constituição Federal, em seus artigos 205 e 227, prevê a solidariedade do Estado e da família no dever de cuidar da educação das crianças. Já o artigo 226 garante liberdade aos pais para estabelecer o planejamento familiar. Segundo ele, o texto constitucional visou colocar a família e o Estado juntos para alcançar uma educação cada vez melhor para as novas gerações. Só Estados totalitários, segundo o ministro Alexandre, afastam a família da educação de seus filhos.
A Constituição, contudo, estabelece princípios, preceitos e regras que devem ser aplicados à educação, entre eles a existência de um núcleo mínimo curricular e a necessidade de convivência familiar e comunitária. A educação não é de fornecimento exclusivo pelo Poder Público. O que existe, segundo o ministro, é a obrigatoriedade de quem fornece a educação de seguir as regras. (…) para ser colocada em prática, deve seguir preceitos e regras, que incluam cadastramento dos alunos, avaliações pedagógicas e de socialização e frequência, até para que se evite uma piora no quadro de evasão escolar disfarçada sob o manto do ensino domiciliar.
O ministro deixou claro que o ensino domiciliar é uma possibilidade legal, faltando apenas regulamentação para sua prática.
Gilmar Mendes, segundo a mesma notícia no sítio do STF, também afirmou que “por meio de lei essa modalidade de ensino pode ser experimentada“. No mesmo sentido foi o voto do ministro Dias Toffoli.
O que falta agora?
Assim, pode-se concluir que falta apenas norma que regulamente o homeschooling.
Essa é com certeza a parte mais simples, e diante da manifestação do STF, há segurança jurídica suficiente para o tratamento legal da matéria.
Inclusive, dado que a prática do ensino domiciliar envolve o ensino infantil, fundamental e médio, essa legislação não precisa necessariamente ser federal.
Como o art. 211 da Constituição determina que os entes federativos devem atuar em regime de colaboração, e segundo o art. 24, IX, c/c art. 30, I e II, compete a todos eles legislar sobre “educação” e “ensino”, é possível a quaisquer deles regulamentar a educação domiciliar dentro de seu âmbito.
De fato, sendo criada norma estadual ou municipal regulamentando a matéria, ela seria considerada norma especial e suplementar, excepcionando dentro de seu espaço legítimo a regra geral federal.
Aliás, esse entendimento tem o grato efeito de permitir experiências diversas nas várias entidades federativas: os chamados laboratórios legislativos ou laboratórios democráticos, como apontamos em nosso post sobre o federalismo. Isso permite o aprendizado e a pluralismo de modelos no território nacional.
Conclusão
Já descrevemos em post anterior os motivos pelos quais entendemos que o ensino domiciliar é, de fato, admitido por nossa Constituição.
Aliás, tal como Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, entendemos que se trata de direito constitucional autoexecutável, independente de norma infraconstitucional, podendo no entanto ser regulamentado pelo Estado. Em suma: entendo que o direito à educação domiciliar está previsto no que em Direito Constitucional chamamos de norma de eficácia contida ou restringível.
De todo modo, o fato é que o voto relator, acompanhado pela maioria dos ministros da casa, e dois votos vencidos, reconheceram a constitucionalidade do ensino domiciliar (homeschooling), condicionando-o apenas a norma regulamentar.
Essa norma pode ser federal. Mas também estadual ou mesmo municipal, visto que a matéria recai sobre competência legislativa concorrente (art. 24 da Constituição c/c art. 30, I e II).
Por esses motivos, podemos concluir que o ensino domiciliar nunca esteve tão perto de se tornar uma realidade legalmente reconhecida no Brasil, o que deverá trazer enormes efeitos positivos para o ensino e para a liberdade educacional no país.
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