A Suprema Corte ouviu na última terça-feira (05) os argumentos de um caso notório sobre liberdade de expressão, liberdade religiosa e casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Especificamente, os juízes consideraram se o estado do Colorado poderia obrigar Jack Phillips, um confeiteiro cristão, a criar um bolo personalizado para um casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que vai contra as suas crenças religiosas mais firmes.
Os advogados de Phillips explicaram claramente que ele busca exercer a sua liberdade de apenas reproduzir mensagens com as quais ele concorda, mas aceitando todos os consumidores na sua loja. As cláusulas de liberdade de expressão e liberdade religiosa da Primeira Emenda da Constituição Americana protegem a sua liberdade para isso.
Opinião da Gazeta (e o que isto tem a ver com o Brasil): O futuro da liberdade no Ocidente
Em um argumento oral extenso e carregado, os nove juízes debateram sobre como os americanos que têm visões diferentes sobre casamento na nossa sociedade pós-Obergefell poderiam continuar a conviver uns com os outros com respeito mútuo.
Aqui estão alguns destaques da argumentação.
Tolerância mútua é essencial em uma sociedade livre
Em uma das discussões mais acaloradas do dia, o juiz Anthony M. Kennedy questionou o promotor geral do Colorado, Frederick Yarger, se o membro da Comissão de Direitos Civis do Colorado que comparou Phillips a um racista e nazista teria demonstrado preconceito antirreligioso – e, caso ele tenha feito isso, se o julgamento contra a Masterpiece deveria ser sustentado.
Depois de repudiar os comentários do comissionário, Yarger argumentou que o veredicto deveria permanecer. Mas Kennedy voltou à questão, dizendo a Yarger que “tolerância é essencial em uma sociedade livre. E a tolerância é mais significativa quando é mútua. Parece-me que o Estado, na sua posição atual, não foi tolerante nem respeitoso às crenças religiosas de Phillips”.
Kennedy também ressaltou que há outras confeitarias que poderiam ter atendido Charlie Craig e David Mullins, o casal gay que pediu o bolo para o seu casamento.
Em uma linha de questionamento similar, o juiz Samuel Alito destacou que o estado do Colorado fracassou em demonstrar tolerância mútua quando protegeu somente a liberdade de confeiteiros que se posicionaram em um dos lados do debate acerca de casamento gay – especificamente, o lado do estado.
Quando três consumidores religiosos foram a confeiteiros para pedir bolos que criticavam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aqueles confeiteiros rejeitaram o pedido – mas o Colorado não aplicou a sua lei antidiscriminação para punir os confeiteiros. Porém, quando Phillips se recusou a criar um bolo celebrando um casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Colorado impôs uma penalidade de três frentes que o retirou do mercado de bolos de casamento, fazendo com que ele perdesse 40% dos seus negócios.
Discurso obrigatório para todos
A ironia da comparação entre Phillips e um nazista é que tanto o advogado da ACLU (União Americana das Liberdades Civis) que representa o casal gay (David Cole) quanto o promotor geral do Colorado admitiram que o estado teria o direito de obrigar confeiteiros a celebrar os ideais racistas da supremacia branca, ou um dos eventos mais infames da história mundial, o Holocausto.
Em dado momento, o juiz Stephen Breyer complementou uma pergunta do juiz Neil Gorsuch sobre a possibilidade de um confeiteiro ser obrigado a criar um bolo em forma de cruz para um grupo religioso que compartilha ideais com a KKK. Cole respondeu que, se o confeiteiro fez isso para a Cruz Vermelha, então sim, ele deveria fazer o mesmo para o grupo religioso.
De modo similar, o juiz Samuel Alito perguntou ao estado do Colorado se um confeiteiro que criou um bolo com palavras comemorando o dia 9 de novembro para o aniversário de alguém também seria obrigado a fazer o mesmo bolo para comemorar o dia 9 de novembro de 1938.
Naquela noite infame, conhecida como “Kristallnacht”, os nazistas iniciaram o seu massacre contra os judeus, queimando mais de mil sinagogas e destruindo mais de sete mil negócios judeus.
No debate com Alito, o promotor geral do Colorado disse que os confeiteiros não poderiam discriminar com base em identidade, mas poderiam discriminar com base em mensagens. Gorsuch respondeu depois, dizendo que é exatamente isso que Phillips havia argumentado.
Discordância não é sinônimo de discriminação
Kennedy também desafiou o Colorado e a ACLU no seu argumento de que Phillips teria feito discriminação com base em identidade, em vez de com base na ideia do que constitui um casamento. No debate com o advogado da ACLU, Kennedy disse que as tentativas de caracterizar Phillips como discriminatório com base em identidade eram “muito condescendentes”.
Durante os argumentos orais, o tribunal pareceu reconhecer o que é evidentemente óbvio nos fatos. Phillips recebe todas as pessoas na sua loja, as incentiva a comprar itens prontos e faz bolos com design personalizado para elas, desde que não peçam por itens que violem as suas crenças.
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Ele serviu gays durante os 24 anos que a sua loja está em funcionamento e aceita os seus negócios até hoje. Ele não discrimina ninguém com base na sua identidade.
Então comparações com comerciantes nos estados sulistas de Jim Crow que buscavam manter as raças “separadas, mas iguais” são um borrão que desvia a atenção da questão real: Phillips simplesmente discorda da posição do estado em relação a casamento.
Roberts pareceu reconhecer isso quando repreendeu a ACLU por comparar os apoiadores do casamento tradicional com racistas, destacando que em Obergefell, o tribunal disse que o apoio ao casamento tradicional está enraizado em premissas “dignas e honestas”.
Ortodoxia é determinada pelo Estado
Finalmente, os argumentos orais revelaram a extensão com que o estado do Colorado está disposto a impor as suas perspectivas sobre casamento aos seus cidadãos. Em uma linha de questionamento de Roberts, o estado do Colorado admitiu que obrigaria os Serviços Legais Católicos a oferecer a um casal gay serviços legais relacionados ao seu casamento mesmo que isso viole os ensinamentos católicos sobre casamento.
E, em um questionamento de Alito, a ACLU respondeu que o estado poderia obrigar uma faculdade cristã cujo credo se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo a realizar uma cerimônia de casamento gay na sua capela.
Assim como muitos americanos, Phillips visa trabalhar de modo consistente com as suas crenças religiosas mais firmes, incluindo aquelas sobre casamento. Para escutar a voz da sua consciência, ele rejeitou pedidos de bolos que contém mensagens expressando certas ideias: Halloween e divórcio, temas antiamericanos e até mesmo mensagens contra gays.
O que ele nunca fez foi rejeitar qualquer pessoa por quem ela é.
A Suprema Corte deveria apoiar os direitos de todos os americanos de trabalharem em concordância com as suas crenças religiosas e serem livres da intrusão do governo que os obrigaria a reproduzir mensagens que violam as suas crenças mais firmes.
Depois da sua decisão em Roe versus Wade, o tribunal respeitou as liberdades dos americanos dos dois lados do debate sobre aborto. O órgão rejeitou o argumento de que a oposição ao aborto se apoiaria em animosidade contra as mulheres porque reconhece que há muitos outros motivos racionais para as pessoas serem contra aborto.
Esse caso não é diferente. Há muitos americanos que apoiam o casamento tradicional por motivos que não têm nada a ver com animosidade contra gays. Todos os americanos se beneficiarão quando a liberdade de expressão e a liberdade religiosa forem fortemente protegidas.
A decisão do tribunal no caso Masterpiece Cakeshop pode ajudar a nutrir mais diálogos sobre casamento para que todos nós possamos viver de acordo com as nossas consciências e em paz com os outros.
Emilie Kao é diretora do Richard and Helen DeVos Center for Religion & Civil Society na The Heritage Foundation.
Conteúdo originalmente publicado no The Daily Signal.
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