A morte brutal do jogador Daniel Corrêa, no último dia 27, em São José dos Pinhais (PR), chocou o país. O empresário Edison Brittes, que assumiu a autoria do crime, está detido no Centro de Triagem da Polícia Civil, em Curitiba, enquanto Cristiana e Allana, sua mulher e filha, respectivamente, encontram-se presas preventivamente na penitenciária de Piraquara. Outros três suspeitos de participar do crime também estão presos.
A frieza com que o assassinato foi cometido levanta inúmeros questionamentos acerca da natureza humana. Mas o caso também ensina muito sobre a própria Justiça brasileira. Confira os cinco tópicos separados pelo Justiça:
Embora as autoridades já tenham descartado a tese, Edison Brittes afirmou, tanto em entrevista à imprensa quanto no depoimento que prestou à Polícia Civil, que matou Daniel porque o flagrou tentando estuprar Cristiana Brittes. O empresário disse que teria agido em “legítima defesa”.
A legítima defesa é uma das modalidades de excludente de ilicitude previstas no Código Penal (artigo 23). Trata-se, falando grosseiramente, de uma “autorização” para cometer um crime. Se for comprovado que um fato foi praticado em legítima defesa, sua ilegalidade vai ser retirada por força de lei.
Ocorre que, conforme já explicou à Gazeta do Povo o advogado e professor de Direito Penal Gustavo Scandelari, a palavra-chave para analisar um caso de legítima defesa é “proporcionalidade”. Isso porque o próprio Código Penal dispõe que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” (art. 25).
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A atualidade ou a iminência da agressão também são aspectos importantíssimos de ser analisados, pois legítima defesa não pode ser confundida com vingança. Não se pode esperar o agressor ir embora para agir posteriormente, assim como não é admissível que a vítima continue agredindo alguém que já parou de agredi-la, por exemplo.
No caso de Daniel, ainda que o jogador estivesse mesmo estuprando ou tentando estuprar Cristiana, a violência cometida por Brittes, que além de espancar o jovem cortou os genitais e o degolou, não seria razoável para que se configurasse a legítima defesa.
Atrelado ao suposto estupro cometido por Daniel contra Cristiana, o empresário, ao confessar o crime, disse que agiu “no calor do momento”. Ao tratar das causas de excludente de ilicitude, no entanto, o Código Penal deixa claro que “emoção ou paixão” não excluem a imputabilidade penal (art. 28, I).
O mesmo vale para a embriaguez, voluntária ou culposa, por álcool ou outras substâncias entorpecentes (art. 28, II) – a não ser que fique comprovado que a embriaguez era tamanha que levou o indivíduo à completa incapacidade de entender que o fato cometido era ilícito.
Quando um jovem completa 18 anos, é comum ouvir brincadeiras do gênero “cuidado que agora pode ser preso”. Foi exatamente o que aconteceu com Allana Brittes, filha de Cristiana e Edison, detida por suspeita de coação de testemunhas. A jovem comemorava sua maioridade na festa que levou Daniel à casa da família.
Se os fatos tivessem se desenrolado até as 23h59 do dia anterior ao aniversário de Allana, ela não responderia pelo crime. Pela lei brasileira, considera-se penalmente imputável – ou seja, capaz de se atribuir a autoria ou responsabilidade por alguma ação ilegal – o agente com 18 anos ou mais, inclusive se o crime foi cometido no dia de seu aniversário. Tal regra está prevista tanto na Constituição Federal (art. 228) quanto no Código Penal (art. 27) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104).
É o Estado, representado pelo Ministério Público, quem detém o direito de ação na esfera penal quando se trata de um homicídio doloso. O fato de haver um processo criminal em curso, porém, não impede que a família de Daniel, se assim desejar, ingresse com uma ação contra os Brittes na esfera cível, a fim de pleitear um eventual prejuízo financeiro que tenha decorrido da morte do jogador.
“Tudo o que o assassinato causou de prejuízo e danos na esfera cível pode ser pleiteado pela família. Se dependiam dele financeiramente, podem ajuizar uma ação reparadora. Se conseguirem comprovar que ele [Daniel] era o provedor da família, pode até ser requisitada uma pensão em caráter vitalício por aqueles que eram sustentados pelo jogador, inclusive para a filha que ele deixou”, afirma o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni.
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O também advogado criminalista Daniel Bialski explica que quando ocorre o trânsito em julgado – quando não há mais possibilidade de recurso – da condenação criminal, a indenização no âmbito cível é automática, ficando pendente de apuração apenas o quantum indenizatório. Mas se a família não quiser esperar até que se esgotem os recursos, podem ingressar com uma ação autônoma desde já, inclusive pedindo o bloqueio de bens da família Brittes que possam ser utilizados para cobrir indenização que a família de Daniel venha a ter direito.
“A indenização pode ser pedida de forma global. Porque o jogador provia a família, porque ele tinha um futuro. Além de hediondo, é um caso assustador. A violência com que as pessoas agiram assusta”, opina Bialski.
A família de Daniel Corrêa também pode pleitear indenização por danos morais pelo vazamento das fotos do cadáver, que circularam nas redes sociais, em especial nos aplicativos de mensagens instantâneas.
Segundo Bialski, “independentemente de a pessoa ter falecido, sua imagem ainda tem que ser preservada”. Nesse caso, pode-se ajuizar uma ação a fim de identificar o responsável pelo vazamento e requisitar sua responsabilização por ofender a honra do falecido.