Pelo menos sete casos de grande repercussão nacional e que dependem da palavra final do Supremo Tribunal Federal (STF) ficaram para julgamento em 2018. Alguns deles até foram previstos em pauta para as últimas sessões de 2017, mas não chegaram a ser finalizados.
A Gazeta do Povo fez o levantamento de alguns casos polêmicos que ficaram para 2018. Dois versam são sobre o funcionamento da política e das eleições, outros dois envolvem questões relacionadas à população LGBT. Há também a decisão sobre a adição de sabores aos cigarros, a descriminalização da maconha para uso pessoal e ainda a idade mínima para a entrada no ensino fundamental.
Se julgados em 2018 – afinal, cabe lembrar que um processo dura, em média, mais de 1300 dias para ser julgado no STF (pelo menos três anos) e que só o processo sobre a idade mínima já está por lá há 10 anos – muita coisa deve mudar no andamento da sociedade.
Eleições e política
Em tempos de Reforma da Previdência e com o governo federal sustentando, em propaganda, que a alteração da norma deverá reduzir privilégios, um benefício real que de fato pode ser reduzido em 2018 é o foro privilegiado para quem exerce função pública. Na verdade, já está claro que o foro vai mesmo ter um alcance menor, pois a maioria dos ministros do STF já votou ou antecipou voto que segue o entendimento do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que entendeu que os políticos só terão direito ao foro privilegiado se o crime do qual forem acusados tiver sido cometido no exercício do mandato e for relacionado ao cargo que ocupam. Faltam apenas três votos.
Hoje, o foro é amplo: qualquer crime cometido deve ser remetido aos tribunais superiores para julgamento, enquanto a pessoa exerce cargo eletivo (deputados federais, senadores) ou executivo (ministros e o presidente da República). Na prática, a medida é um impeditivo para o andamento de ações, já que o STF vive atulhado de processos. Segundo o quinto Relatório Supremo em Números, 36 mil autoridades no país têm direito ao foro e, só no STF, mais de 500 processos estão em tramitação contra agentes políticos. A cada três ações, duas sequer chegam a julgamento no tribunal, ou por "declínio de competência" (quando a ação é enviada para outro tribunal) ou por prescrição, já que a grande quantidade de processos impede que os temas sejam analisados com rapidez pela corte.
Sete ministros já votaram pela redução do alcance do foro, com apenas uma divergência parcial levantada por Alexandre de Moraes - o primeiro a pedir vista do processo. Ele considerou que a Constituição não permite identificar crimes conforme sua relação com o mandato e exemplificou sua tese com o caso de parlamentares que têm mandatos sucessivos: um crime cometido em mandato anterior poderia ser julgado no presente? Ao pedir vista - mais tempo para analisar a questão - Dias Toffoli considerou essa questão e as outras hipóteses que podem ocorrer em consequência da decisão.
O caso concreto que está em julgamento no STF é sobre a restrição de foro do prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinho Mendes (PMDB). Ele é ex-deputado federal, foi empossado como suplente de Eduardo Cunha na Câmara e renunciou para tomar posse na prefeitura. Marquinho responde a uma ação penal no STF por compra de votos. Como ele voltou a ser prefeito, o ministro Barroso pediu o retorno do caso à primeira instância da Justiça Eleitoral.
Outra iniciativa que pretende acabar com o foro privilegiado corre no Senado Federal. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 10/2013 tem como autor o senador Álvaro Dias (PODE) e pede a extinção do foro privilegiado, proposta que conta com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “É necessário repensar de imediato o modo como o foro de prerrogativa de função é aplicado. Da forma como está, não dá para continuar. A readequação é urgente, notadamente pelo momento que nosso país atravessa”, disse Claudio Lamachia, presidente nacional da OAB, em audiência recente no Conselho Federal da OAB.
No Brasil, ainda não é possível ser candidato sem filiação partidária, mas isso pode mudar. O STF tem em mãos o recurso do advogado Rodrigo Mezzomo contra decisões da Justiça que o impediram de candidatar-se nas últimas eleições à prefeitura do Rio de Janeiro por não fazer parte de partido. Quando o processo foi parar no STF, em junho último, as eleições já tinham passado e, por isso, e muitos juristas se perguntavam se o caso já não estaria prejudicado. Apenas os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio votaram que sim, estava. Prevaleceu o que entendeu o relator, ministro Luís Roberto Barroso: “é possível superar a questão da prejudicialidade para privilegiar a importância do tema e seu reflexo em casos similares”.
Em outubro, o recurso ganhou a chamada “repercussão geral” – instrumento que o Supremo usa como uma espécie de jurisprudência fixa, ou seja, o que ficar entendido para este caso, vale para todos os demais processos que vierem a ser julgados por lá com tema semelhante. Também em outubro a questão ganhou novo peso: a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, encaminhou parecer ao Supremo considerando possível a candidatura de pessoas não filiadas a partidos políticos.
O argumento de Mezzomo para essa proposta é que desde 1992 o Brasil é signatário da Convenção de São José da Costa Rica – e tratados internacionais têm força de lei, quando há a adesão de um país. A convenção, que tratava de Direitos Humanos, diz que “todos os cidadãos devem gozar do direito de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e por voto secreto”. Ou seja, não há menção aos partidos ou à filiação. Raquel Dodge, no parecer ao STF, considerou que, não havendo proibição constitucional, as candidaturas avulsas são possíveis.
O senador Cristovam Buarque (PPS/DF) é defensor da proposta. Para ele, “quando os partidos estão bem, nem se precisa de candidatura avulsa, pois as pessoas se sentem integradas a um ou outro partido. Quando estão mal, não se justifica proibir”. E sustenta que “se os partidos não são capazes de atrair quem quer militar na política, não podemos proibir. Hoje os partidos representam uma barreira”.
O que não está claro é o formato, o modelo, o operacional. Cristovam sugere: “não pode ser cada um apenas se apresentando como candidato à Justiça Eleitoral. Teria que ser uma pessoa se apresentando com uma lista de assinaturas, como fazem os partidos, mas com exigências menores. Talvez se conseguir 0,5% do eleitorado, um número mínimo”.
Fato: ainda que passe pelo Supremo, muita discussão deve acontecer em torno do tema e a regra dificilmente valerá para a votação de 2018, considerando-se que já passaram os prazos legítimos impostos pela lei para mudanças drásticas nas regras do jogo eleitoral.
Questões do grupo LGBT
É em 2018 que o STF deve dar a palavra final sobre o julgamento da ação que vai decidir sobre a possibilidade de transexuais alterarem o gênero no registro civil, mesmo que não tenham feito cirurgia de mudança de sexo. É um julgamento que, assim como o da candidatura avulsa, tem repercussão geral e, portanto, o que ficar decidido para este caso valerá para qualquer outro questionamento semelhante que chegue ao Supremo.
As consequências jurídicas de um sinal positivo da corte para o tema, porém, são muito complexas e podem brecar o entusiasmo de alguns. Com o registro civil um transexual vai se aposentar com a idade prevista para homens ou mulheres? Nas penitenciárias, um transexual biologicamente homem e sem cirurgia de alteração de sexo poderia ficar na penitenciária feminina? No esporte, competiriam com quem?
Embora o processo não tenha jurisprudência reconhecida no STF, em maio último o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou decisão sobre o assunto. O ministro Luis Felipe Salomão relatou a ação e, no voto, defendeu que a proibição do uso do nome fere vários direitos, dentre os quais o “direito fundamental à felicidade”. Também fez menções a exemplos internacionais, como o Reino Unido, onde se obtém a “certidão de reconhecimento de gênero”, que permite mudar a certidão de nascimento e atestar legalmente a troca de identidade da pessoa.
Salomão, no voto, destacou que a mutilação física que ocorre com a cirurgia é “extremamente traumática, sujeita a potenciais sequelas (como necrose e incontinência urinária, entre outras) e riscos (inclusive de perda completa da estrutura genital)”.
Menos de um mês após, começou o julgamento no Supremo Tribunal Federal, com relatoria do ministro Marco Aurélio. Ao abrir a sessão, ele enfatizou que “resta saber se, para ter-se a mudança do sexo é necessário ou não ter-se mutilação”. Diversos grupos LGBT pediram licença para se pronunciar na causa. Quem propôs a ação foi o Ministério Público Federal, ainda sob o comando de Rodrigo Janot.
Confira: Tudo sobre ideologia de gênero
Outra pauta sobre os direitos da população LGBT é o questionamento sobre a constitucionalidade das normas do Ministério da Saúde e da Anvisa que restringem a doação de sangue por homens homossexuais. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Isso após leitura do relator, Edson Fachin, que considerou que não há justificativa para a restrição – ele julgou que as normas impõem tratamento desigual ao grupo. No placar, outros três votos seguem o relator: os dos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber; enquanto que Alexandre de Moraes votou pela parcialidade da norma, entendendo que é possível a doação por homens que façam sexo com outros homens, desde que o sangue seja usado após teste imunológico.
Segundo a Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 34/2014 da Anvisa, homens que tiveram relações homossexuais, bem como suas parceiras, são considerados inaptos para doar sangue pelo período de 12 meses. A Anvisa, que é vinculada ao Ministério da Saúde, alegou que usa a orientação sexual como critério para seleção de doadores embasada em “evidências epidemiológicas e técnico-científicas visando o interesse coletivo na garantia máxima da qualidade e segurança transfusional do receptor de sangue”. De acordo com o órgão, isso demonstra que as diretrizes não possuem caráter discriminatório preconceituoso.
Para o Partido Socialista Brasileiro (PSB), autor da ADI, a norma acaba por tornar permanentemente inaptos para a doação sanguínea qualquer homem gay que possua mínima atividade sexual. O partido também lembra que a Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde já proíbe, de forma temporária, que pessoas promíscuas – ou seja, que possuem mais de um parceiro – doem sangue, independentemente de serem hétero ou homossexuais.
Confira como foram os debates ao redor desse tema durante o julgamento, nesta matéria do Justiça .
Cigarro com sabor ou de maconha
Uma discussão que se arrasta há pelo menos quatro anos e depende de decisão do STF é o julgamento sobre a adição de sabores ao cigarro. Pela Resolução de Diretoria Colegiada 14/2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o cigarro saborizado – aquele que pode conter frutas, vegetais e processados, adoçantes ou substâncias doces e temperos e ervas ou especiarias – passou a ser proibido no país. O produto agrada aos jovens e, por isso, especialistas apontam que muitas vezes o produto é a porta de entrada para o vício com outras substâncias. Aliás, é por causa do apelo aos mais jovens que a norma da Anvisa ganhou um forte aliado: a Organização Mundial de Saúde (OMS).
O organismo internacional sustenta que o Brasil foi o primeiro no mundo a proibir aditivos nos cigarros com a resolução de 2012. E que, nos anos seguintes, 33 outros países baniram produtos de tabaco com saborizadores. Por isso, caso o STF volte a permitir o comércio do também conhecido “cigarro de Bali” seria um retrocesso já que a medida interromperia “a bem-sucedida trajetória brasileira na redução do número de pessoas que fumam”. Segundo a entidade, o fumo é a principal causa evitável de mortes em todo o mundo, mata mais de 7 milhões de pessoas por ano, ao custo econômico de R$ 4,5 trilhões em tratamentos e perda de produtividade.
Outro reforço para evitar que o STF autorize definitivamente o cigarro com sabor foi uma carta enviada aos ministros pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2016. O documento usa dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares entre Adolescentes (Erica), feito entre 2013 e 2014 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela própria Fiocruz, que confirma que o cigarro com sabor é uma “isca” para o tabagismo: 18,5% dos jovens brasileiros entre 12 e 17 anos tinham experimentado fumar por causa do produto. Outro dado é que os adoçados representam um terço dos preferidos pelos jovens, enquanto que apenas 5% dos adultos fumantes consomem os desse tipo.
Desde 2013, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) conseguiu liminar da ministra Rosa Weber para continuar o comércio desse produto no país. O argumento foi que a proibição quebraria toda a cadeia produtiva do tabaco, já que a resolução tem alcance mais amplo do que o cigarro mentolado ou com cravo, preferidos pelos jovens, ao impedir a presença de açúcares.
O presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco e diretor da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Romeu Schneider, explica que a principal variedade de fumo produzida no país é o burley, que precisa de aditivos para ser consumido. “É possível fabricar cigarro apenas usando a variedade virgínia, no entanto ali só se pode usar a metade de cima do pé. Como não existe planta que só produza folhas da metade do pé pra cima, isso colocaria muitas dificuldades na nossa atividade. E o mercado não pagaria esse tipo de produto porque se tornaria muito prejudicado e o produtor teria que eliminar metade das folhas do pé”, argumenta. Para ele, a proibição levará também ao crescimento da atividade ilegal no país.
Favorável à descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha para consumo pessoal, o ministro Luís Roberto Barroso chegou a dizer que existe “tendência” do STF a ir nessa linha ao conceder habeas corpus a um réu primário processado por importar 14 sementes da planta para uso próprio. Apesar disso, apenas três ministros já votaram favoráveis no processo, relatado por Gilmar Mendes. Quando caiu nas mãos de Teori Zavascki, ele pediu vista. O julgamento começou em 2015, e Zavascki morreu em janeiro de 2017. Portanto, para voltar à pauta – o que deve ocorrer em 2018 – o processo depende da análise de quem ocupou aquela vaga, no caso, Alexandre de Moraes.
Leia também: Alexandre de Moraes vai tornar mais polêmico debate sobre drogas no STF
Mesmo que Alexandre de Moraes seja publicamente contra a comercialização legal da maconha – ele chegou a ir ao Paraguai para destruir mudas da planta quando era o ministro da Justiça do governo de Michel Temer –, não se sabe exatamente como ele votará no julgamento. Em março, em evento em São Paulo, Barroso disse não acreditar que Moraes fosse chegar ao Supremo com “posição carimbada” sobre o assunto, opinando que ele estudaria a questão.
O processo é mais um com repercussão geral reconhecida - o que valer para ele, vale para todas as demais ações que tratarem do assunto - e foi ajuizado por um detento de Diadema (SP), em cuja cela foram encontrados três gramas de maconha em 2009.
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Direito das crianças
Uma criança deve entrar com 5 ou 6 anos no ensino fundamental? O assunto gera discussões acaloradas e também foi parar no STF, com possibilidade de conclusão em 2018.
Hoje, crianças que completam 6 anos de idade após 31 de março devem ser matriculadas na educação infantil, segundo a Resolução 6, emitida pelo Conselho Nacional de Educação, em outubro de 2010. Alguns pais, porém, têm conseguido na Justiça que filhos com 5 anos, que completariam 6 anos entre 1º de abril e 31 de dezembro, possam ingressar no primeiro do ensino fundamental, amparados por uma interpretação estendida do artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/1996) que cita a idade de 6 anos, porém sem mencionar em que momento do ano a criança deveria completar essa idade.
Na ação em análise no STF, Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17, o ex-governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB) pede que apenas crianças com 6 anos completos sejam aceitas no primeiro ano do ensino fundamental.
O relator do caso no STF, o ministro Edson Fachin, votou por definir como constitucional a exigência de 6 anos. Ele acrescentou, por outro lado, que não caberia definir data específica em que a criança deveria completar a idade exigida no primeiro ano. “É constitucional a Lei 9.394/1996 no que fixa a idade de 6 anos para o início do ensino fundamental, inadmitida a possibilidade de corte etário obstativo de matrícula da criança no ano em que completa a idade exigida”, disse o ministro. A opinião foi seguida pelo ministro Alexandre de Moraes. Agora, a corte espera a apreciação de Luís Roberto Barroso, que pediu vista do processo.
Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é favorável à tese de André Puccinelli, de que a criança deveria ingressar ao ensino fundamental apenas com 6 anos completos, e não antes. Ele recorre à Sociologia da Infância, à Didática e à Neurociência para fundamentar sua opinião. “São áreas que normalmente não conversam, mas que fazem consenso”, embasa. “Isso é importante porque o processo de alfabetização é muito individual, há crianças que têm interesses diferenciados. Porém, numa política nacional, em escala, se você permite adiantar a alfabetização, normalmente você gera um processo traumático de aquisição cognitiva”, defende.
Ele também dá o recado para que os pais estejam tranquilizados quando identificam que os filhos nessa idade estão atrasados em relação a outras crianças: “é importante que os pais saibam que uma criança que não se alfabetiza de maneira precoce não tem maior nem menor capacidade cognitiva. Como a alfabetização se dá de formas diferenciadas pra cada criança, quando essa realidade é respeitada, a criança tem uma apropriação da capacidade de conhecimento maior”.
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