“A “ciência” pode nos dizer quando a vida começa, desde que já saibamos o que procurar. A biologia empírica por si só não pode nos dizer isso. Quando estabelecermos um parâmetro metafísico sobre a vida, aí sim a embriologia empírica poderá nos dizer se as condições relevantes são cumpridas”.
Muitos ativistas pró-vida gostam de alegar – como o senador Marco Rubio fez recentemente – que a questão de quando a vida humana começa é resolvida pela “ciência”. Nesse ensaio, argumentarei que essa alegação não é exatamente falsa, mas é incompleta.
A pesquisa biológica deve embasar qualquer julgamento filosófico sério acerca da existência da vida humana, mas o início da vida humana é fundamentalmente uma questão de metafísica, não de biologia empírica. Portanto, uma resposta adequada a essa questão exige considerarmos não apenas o que pensamos saber sobre a embriologia empírica contemporânea, mas também um corpo filosófico robusto sobre o que é a vida e em que ponto se pode considerar que um ser humano específico existe. Isso, por outro lado, exige reconhecermos algo muito importante sobre a relação entre as diversas ciências, não apenas as empíricas, como a biologia, mas também a ciência especulativa da metafísica.
O contexto dos comentários do senador Rubio é instrutivo. Ele despertou a revolta da opinião pública ao questionar a influência humana nos aspectos deletérios da mudança climática. O senador se afundou ainda mais ao chamar de hipocrisia a postura de seus críticos em relação a sua confiança na “ciência estabelecida” porque eles duvidam que a embriologia empírica contemporânea seja capaz de determinar que a vida humana começa na concepção. Ele disse a Sean Hannity que a “ciência está estabelecida, não é nem mesmo um consenso, é uma unanimidade que a vida humana começa na concepção”.
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A resposta negativa a Rubio da grande mídia tem sido previsível, sendo o argumento do senador supostamente derrubado no Washington Post e no New York Times. No Post, a manchete declara de modo atrevido: “Marco Rubio exigiu que as pessoas analisassem a ciência do aborto. Então fizemos isso”. E, é claro, o que eles “encontraram” foi um caso clássico de viés de confirmação. Eles começam invocando de forma falsa a “definição científica de gravidez” como começando com a implantação do embrião. Como eu defendi recentemente aqui, isso é um equívoco total. A questão moral do aborto se refere ao assassinato de uma criança, não ao fim da gravidez. Até mesmo uma cesárea coloca fim à gravidez, mas isso não a torna ruim.
O artigo do Post aponta que há uma distinção entre a gravidez e o começo da vida (sem explicar por que o autor citou a gravidez), mas conclui que “na questão de quando a vida começa (...) os especialistas em ciência com os quais falamos não apresentaram nenhum consenso”. O valor do ato então é desconsiderado como uma mera “questão filosófica”, pois “se alguém argumentar que a vida começa na implantação, é difícil encontrar um argumento moral contra os métodos contraceptivos que previnem que isso aconteça”. E, é claro, muitas bobagens sucedem essas alegações falsas, mas isso não faz delas interessantes ou plausíveis.
É nesse ponto que seria uma boa ideia dar um passo para trás. Na verdade, há aspectos verdadeiros dos dois lados, mas eles estão se confundindo, seja de modo deliberado ou por ignorância. Fundamentalmente, acredito que perguntas importantes estão sendo feitas no contexto geral.
Na verdade, o Post e o Times estão corretos na medida em que apontam que a moralidade do aborto é uma questão filosófica, e não científica. No entanto, nenhum deles reconhece realmente quais são as questões filosóficas importantes, muito menos como respondê-las.
Ciência, Filosofia e a Verdade Objetiva
Por que tantos ativistas pró-vida gostam de alegar que a “ciência” pode provar quando a vida humana começa? A resposta é simples: eles querem invocar a autoridade considerável da “ciência” contemporânea na nossa sociedade, uma autoridade que é resultado da alegação quase incontestada dos cientistas de uma “verdade objetiva”. Em contrapartida, como a desconsideração do Post aos comentários do senador Rubio deixa claro, questões filosóficas são geralmente consideradas sem resposta, meros jogos intelectuais, que não podem ser uma fonte de conhecimento genuíno.
Resumindo, já que quase todo mundo – da esquerda e da direita – concorda que a “ciência” é “objetiva”, ter o peso da “ciência estabelecida” do lado de uma pessoa se tornou praticamente o único trunfo nos calorosos debates sobre políticas públicas. É exatamente isso que está acontecendo nas discussões sobre mudança climática, e é por isso que a esquerda gosta tanto de invocar essa mesma autoridade. Por muitos motivos, esse apelo à autoridade é tão equivocado nesse contexto quanto no debate sobre aborto; apesar de as descobertas da ciência empírica obviamente serem relevantes nos dois contextos, elas não são o último argumento para determinar quais políticas públicas devem ser adotadas para esses casos.
Na verdade, o Post e o Times estão corretos na medida em que apontam que a moralidade do aborto é uma questão filosófica, e não científica. No entanto, nenhum deles reconhece realmente quais são as questões filosóficas importantes, muito menos como respondê-las. Em outro lado, muitos ativistas radicais de políticas climáticas não conseguem perceber que a questão de a atividade humana ser ou não uma causa da mudança climática é uma questão separada do que devemos (ou podemos) fazer – se é que existe algo – em uma perspectiva de políticas públicas.
Frente a tudo isso, na questão do aborto, a ciência empírica claramente tem algo importante a nos dizer. A embriologia empírica pode buscar determinar quando certas condições são cumpridas para indicar a presença de um organismo biológico específico. No campo do empirismo, embriologistas como Maureen Condic alegaram que a grande maioria das evidências sugere que essas condições são cumpridas na concepção.
Isso está bom até aí, mas não nos diz realmente quando a vida começa. Na verdade, determinar quais critérios são os corretos para assegurar que um ser vivo existe não é uma questão empírica. Em vez disso, a resposta de um indivíduo para essa questão será formada com base no seu entendimento do que é um ser vivo – ou seja, a sua metafísica da vida.
William Carroll apontou que “a mudança de não vivo para vivo não pode ser uma transição observável, já que a mudança ocorre de uma vez, instantaneamente”. Sendo assim, esse tipo de mudança instantânea está além do escopo da biologia empírica.
A Metafísica da Vida
Em realidade, as questões sobre a existência não são – e não podem ser – questões “científicas”, simplesmente porque não é sobre isso que a ciência empírica trata. De modo geral, a ciência empírica trata sobre mudança física ao longo do tempo. No entanto, como William Carroll apontou, “a mudança de não vivo para vivo não pode ser uma transição observável, já que a mudança ocorre de uma vez, instantaneamente”. Assim, esse tipo de mudança instantânea está além do escopo da biologia empírica. Em vez disso, essa mudança é uma mudança substancial; ela envolve uma transformação ontológica que ocorre não apenas na matéria, mas também na forma (usando os conceitos de matéria e forma aristotélicas).
Além disso, a biologia empírica por si só não pode determinar o que é a vida, justamente porque a vida é o objeto próprio da biologia. A ciência da biologia – ou seja, o logos (conhecimento) da bios (vida) – começa seu estudo a partir dos seres já vivos. Como uma ciência especial (um corpo de conhecimento organizado sobre um tópico específico), o escopo da biologia é predeterminado pelo conjunto dos seus princípios fundamentais. Nesse caso, os princípios pressupõem a existência de seres vivos.
O modo de pensamento aristotélico sobre a ordem de conhecimento nos permite ver que cada uma das ciências menores tira seus princípios das ciências maiores. Então, por exemplo, a engenharia tira seus princípios da física e, de modo específico, um engenheiro não pode responder perguntas sobre princípios da física. Isso, é claro, não impede que um engenheiro também se torne físico. Ainda assim, na medida em que ele se tornar físico, ele não atuará mais como engenheiro e a sua ciência não será mais a engenharia.
Esse é um aspecto que leva a muita confusão. De modo geral, um profissional específico, por exemplo, um biólogo, também pode participar de uma reflexão filosófica sobre a filosofia da biologia, mas na medida em que faz isso, não o faz como biólogo, mas como filósofo. E se ele não tomar o cuidado de manter essas coisas separadas, pode cair facilmente no erro dos artesãos que Sócrates analisou e explicou na sua Apologia. O problema deles não era que não sabiam nada – eram mestres nos seus ofícios –, mas o de pensar que, porque sabiam seu ofício, eram sábios em outros assuntos. Muitos cientistas contemporâneos que entram em debates filosóficos sofrem do mesmo mal. Eles tendem a confundir os pressupostos das suas ciências com uma verdade universal sobre a natureza das coisas.
Nossas convicções: Defesa da vida desde a concepção
Desse modo, todas as ciências especiais são subordinadas em seus princípios e devem proceder sob as premissas estabelecidas pela mais alta ciência, a metafísica – a ciência do ser. Em relação à biologia, por exemplo, a metafísica deve estabelecer o que pode ser considerado um ser vivo. Uma vez que isso é determinado, as descobertas da biologia empírica podem e devem informar os julgamentos relacionados à existência de um ser vivo. No final, entretanto, tais julgamentos são fundamentalmente filosóficos, não biológicos.
Talvez seja desnecessário dizer, mas a metafísica da vida é uma questão altamente controversa. Na visão tradicional, entretanto, podemos dizer que o que separa fundamentalmente os seres vivos dos não vivos é o fato de que apenas os seres vivos têm um bem. Então é correto dizer sobre os seres vivos que as coisas podem ir bem ou mal para eles, porque isso só pode acontecer se houver o fundamento em algum bem pré-existente. De modo geral, dizer que as coisas vão bem para um ser vivo significa dizer que ele exercita os poderes atribuídos a ele enquanto ser vivo (o que tradicionalmente tem sido chamado de poderes da causalidade “imanente”). Isso, então, é o que separa os seres vivos dos não vivos: a presença de poderes como absorver e metabolizar nutrientes do ambiente, crescer e se recuperar de ferimentos, se reproduzir, etc. Apenas os seres que fazem esses tipos de coisas são vivos.
Uma vez que estabelecermos um parâmetro metafísico de vida, a embriologia empírica poderá nos dizer se as condições relevantes são cumpridas.
Quando a vida começa?
Então, de um ponto de vista metafísico, quando a vida começa? Quando existe um organismo (isto é, uma substância) que manifesta esses poderes de causalidade imanente. Quando a vida humana começa? Quando existe um organismo (substância) com esse perfil, do tipo especificamente humano.
É aqui que as descobertas da biologia contemporânea entram em cena. Na concepção, um novo ser vivo passa a existir exercendo esses poderes, e podemos nos certificar disso observando as suas atividades. Além disso, uma vez que esse tipo de ser vivo (um zigoto) se desenvolve regularmente (embora não necessariamente em todos os casos) para se tornar um adulto maduro, podemos saber que é um ser humano, um organismo do tipo especificamente humano. Então, sim, há uma noção de que a “ciência” pode nos dizer quando a vida começa, desde que já saibamos o que procurar. Entretanto, a biologia empírica por si só não pode nos dizer isso.
Para voltar à alegação pró-vida de que a “ciência” pode nos dizer quando a vida começa, eu acredito que podemos considerar que isso é uma verdade condicional, levando em conta que se entenda que a biologia não está nos dizendo o que é a vida, mas sim se podemos observar certos sinais que apontam a presença de poderes de causalidade imanente. Em outras palavras, uma vez que estabelecermos um parâmetro metafísico de vida, a embriologia empírica poderá nos dizer se as condições relevantes são cumpridas.
Para passar de pesquisa empírica em embriologia para uma afirmação moral de que o aborto é errado, é necessário muito mais trabalho filosófico. Esse trabalho pode ser (e tem sido) feito, mas é importante reconhecer que tipo de trabalho é e quanto esforço é necessário. Deveríamos buscar seguir o conselho de Sócrates de cortar a realidade nos seus nós, esclarecendo os limites das diversas ciências, incluindo a metafísica, a ética e a biologia.
Mathew Lu é professor assistente de Filosofia na Universidade de St. Thomas em St. Paul, MN.
Publicado em português com permissão. Original em Public Discourse: Ethics, Law and the Common Good.
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