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Christian Edward Cyril Lynch, cientista político | Jonathan CamposGazeta do Povo
Christian Edward Cyril Lynch, cientista político| Foto: Jonathan CamposGazeta do Povo

Quem lê o nome de Christian Edward Cyril Lynch não imagina que se trata justamente de um brasileiro que tem se dedicado à estudar o pensamento político e jurídico do Brasil, este perfeito desconhecido. No início do ano, em parceira com José Vicente Santos de Mendonça, Lynch publicou o artigo Por uma história constitucional brasileira: uma crítica pontual à doutrina da efetividade, em que analisa a fobia à história que marca o neoconstitucionalismo, notadamente na sua vertente da doutrina da efetividade, cujo maior expoente é o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O neoconstitucionalismo é a grande teoria - e a retórica - por trás do ativismo judicial à brasileira. Para Lynch, que conversou com o Justiça & Direito, está na hora de superar as leituras simplistas da história constitucional brasileira que, nos anos 1980, representavam uma “tomada de posição política” contra o Regime Militar. O resgate da tradição constitucional brasileira poderia ser uma saída da “caixinha, um tanto viciada, das interpretações principiológicas ou filosóficas, que nos trouxeram a este verdadeiro labirinto que se tornou a aplicação do direito constitucional no Brasil”. 

Professor de pensamento político brasileiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Lynch é também pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa e um dos diretores do Instituto Brasileiro de História do Direito (IBHD). Ao Justiça & Direito, o professor disse que o neoconstitucionalismo virou “uma principiologia que – em um país que não tinha um passado de referência para limitá-la e em um momento de descrença na representação política e de exacerbação do papel supostamente cívico dos operados jurídicos – transformou a hermenêutica numa espécie de vale tudo”. 

Na íntegra da entrevista, Lynch explica como a história constitucional  poderia ser uma fonte de inspiração e uma agenda de estudos que ajude a resolver os impasses jurídicos e políticos do país, frutos, em parte, de uma tradição de “reformismo ilustrado” que vem operando para concentrar poderes no Judiciário e, ao mesmo tempo, colocando em risco sua legitimidade. “Um retorno ao positivismo jurídico, de forma mitigada, ajudaria a delimitar os limites de interpretação constitucional”, afirma.

Justiça: Por que Luís Roberto Barroso é “o constitucionalista brasileiro que mais teve e tem importância desde Rui Barbosa”? 

Lynch:  O período áureo do constitucionalismo brasileiro, até 1988, foi a Primeira República. Durante boa parte dela, o próprio debate político era reduzido ao debate de direito constitucional, porque o golpe militar que instaurou a República criou uma Constituição [a de 1891] que era todo o projeto do segmento americanista. O debate sobre as instituições acabou, o debate político que vinha do final do Império terminou. O negócio era saber praticar a Constituição e aí toda a discussão passou a se resumir a como interpretar aquela Constituição. 

Daí a visibilidade de Rui Barbosa e Pedro Lessa, que fizeram uma interpretação liberal-progressista daquela Constituição, enquanto outros – como Campos Salles e Epitácio Pessoa – faziam uma interpretação mais conservadora. Mas, depois de 1930, o prestígio do Direito Constitucional diminui muito, por uma razão simples: não há mais estabilidade constitucional no Brasil. Uma constituição dura três anos, outra dura oito, a outra dura dezoito. No caso da Constituição do Regime Militar, há até aqueles que dizem que ela mal existiu, que era uma Constituição meramente nominal. Então, mesmo o prestígio de um Afonso Arinos de Melo Franco, de um Pedro Calmon, de um Levi Carneiro nunca vai ser tão grande como o de Rui Barbosa. 

Mas e Barroso? 

Em 1988, enfim, nós temos uma Constituição que terá longevidade e um regime que será estável. O professor Luís Roberto Barroso foi o constitucionalista que, por vários motivos – nem sempre a notabilidade é só uma questão de mérito, embora ele inevitavelmente o tenha –, se afirmou como o mais popular, o mais lido e o mais repetido. Nesse sentido é que ele se torna o mais central dos constitucionalistas brasileiros. 

Que outras razões além do mérito você aponta para explicar isso? 

Ele se tornou ministro do STF: a autoridade doutrinária dele passa a ser respeitada também como produtora de jurisprudência. E o professor Barroso tem o que eu poderia chamar de “estrela”: tudo que ele fez foi muito bem pensado durante a carreira dele. Ele é um sujeito feliz, no sentido de que ele conseguiu planejar a carreira e a fortuna sorriu para ele. Também não se pode negar que ele tem uma coerência ideológica e doutrinária: você sabe o que ele pensa do ponto de vista político e doutrinário e ele ostenta essa coerência no seu projeto político para o Brasil. 

Você diz que, para o Barroso, “as constituições liberais brasileiras não teriam passado de mistificações, repletas de promessas, jamais honradas, de liberdade e de democracia”. Quando escreveu isso, Barroso era um historiador raso ou um jurista astuto?

Eu não colocaria nesses termos. Quando ele escreveu isso, havia um movimento de renovação do Direito Constitucional que queria galvanizar uma disciplina que estava praticamente morta. Setores progressistas – de um lado, socialistas e, de outro, liberais radicais e, naquela época, o próprio Raimundo Faoro, que o Barroso muito admirava – tinham a concepção de que a história inteira do Brasil era um grande engodo. Então, para você criar aquela disciplina, você tinha que romper com a história do Brasil inteira para fundar essa disciplina do zero. Evidente que isso não é uma posição puramente acadêmica: isso é uma tomada de posição política. Do ponto de vista científico, evidentemente, ela é eivada do mais profundo anacronismo, porque você estava olhando para trás e atribuindo aos últimos 200 anos o que estava acontecendo havia 20 anos – o tempo de duração do Regime Militar. Você simplesmente colocou no mesmo saco 150 anos de História do Brasil, o que de alguma maneira era muito cômodo, porque isso nos dispensava de conhecê-la. 

Isso se reflete na sua constatação de que “o neoconstitucionalismo brasileiro construiu-se deliberadamente contra nossa história constitucional”. Quais os reflexos disso no papel da disciplina e dos nossos tribunais hoje? 

Os reflexos são profundos. Uma coisa precisa ficar clara: essa rejeição da história constitucional foi em parte mimética de um movimento que tinha acontecido 20 anos antes na Alemanha, conduzido pelo Konrad Hesse. Na Alemanha, havia uma tradição muito forte que vinha do século XIX de interpretação historicista e politizada da Constituição. Isso era antigo: essa tradição lança os fundamentos da filosofia hegeliana e depois gera a escola histórica do direito. Mas, no Brasil, nada disso nunca aconteceu. Nunca houve hegemonia de interpretação histórica da Constituição. Os livros de história constitucional eram poucos; os bons, então, mais raros ainda. A história constitucional brasileira era uma perfeita desconhecida. 

O que havia, na verdade, era uma visão ideologizada da história nacional e uma visão muito negativa do passado brasileiro como um todo – não que a história do Brasil seja um mar de rosas. O fato de o Brasil se ver como um país atrasado e periférico, como todos os outros países latino-americanos, faz com que esses países tenham uma impressão muito negativa do seu processo de formação nacional. Aí se procura atribuir os males do presente aos males da formação nacional. Por exemplo, um clássico do pensamento social brasileiro, escrito por volta de 1900, do Manuel Bonfim: “América Latina – Males de Origem”. Há uma infinidade de títulos assim na América Latina. 

Essa postura é muito deletéria, porque sempre se supõe que você deveria ter sido algo que você não é: a colonização do Brasil foi católica, mas deveria ter sido protestante; o Brasil tinha de ter sido colonizado pelos ingleses, mas foi pelos portugueses; o Brasil teve escravos negros, mas devia ter tido mão de obra livre europeia; o Brasil deveria estar em clima temperado, mas está nos trópicos. Tudo isso faz com que o passado seja mal estudado e mal conhecido. Esse é um mal que só pode ser combatido superando o complexo de inferioridade. 

E como isso aparece no neoconstitucionalismo? 

Quando você replica a fórmula do Konrad Hesse, de rejeição do passado, em um contexto completamente diferente do contexto da Alemanha, você gera o que eu chamo de “poluição intelectual”: você cria um obstáculo epistemológico à compreensão da realidade. Dada a influência imensa, em muitos casos benéfica, da contribuição do professor Luís Roberto Barroso na disciplina do Direito Constitucional, essa parte da contribuição dele, de desprezo pela história, da suposição de que a história constitucional não existe, isso se tornou um verdadeiro obstáculo para o desenvolvimento da disciplina de história constitucional. Nossa intenção foi fazer uma crítica a esse aspecto da obra do professor Barroso. 

Qual a importância de se conhecer a história constitucional brasileira? 

O conhecimento da história constitucional brasileira, de uma forma realista, tanto para o bem, quanto para o mal, teria um efeito bastante benéfico sobre os julgamentos dos tribunais. No passado, nós tínhamos uma hegemonia do positivismo jurídico, que continha a atuação dos juízes dentro de determinados limites, mas, ao mesmo tempo, se caracterizada por uma análise muito formalista da norma. 

O que veio depois foi a chegada do neoconstitucionalismo e uma espécie de principiologia que – em um país que não tinha um passado de referência para limitá-la e em um momento de descrença na representação política e de exacerbação do papel supostamente cívico dos operados jurídicos – transformou a hermenêutica em uma espécie de vale-tudo. Isso gerou uma enorme insegurança jurídica. 

Isso ajudou a criar as condições da tão falada “judicialização da política”? 

O mal não é a judicialização da política. Com uma Constituição como a nossa, grande e prolixa, foi uma intenção do constituinte de 1988 querer disciplinar a vida social amplamente. Mas, ao querer fazer isso, você criou as condições para essa judicialização ser desejada. O mal não está na judicialização da política, mas no ativismo judiciário, que reside no fato de juízes e procuradores se investirem na qualidade de salvadores do país, numa espécie de tenentismo, através do qual eles se investem da qualidade de representantes autênticos da sociedade brasileira contra uma política corrompida, ineficaz ou em crise. 

Nesse caso, você interpreta a lei de acordo com o seu alvedrio, na hora de decidir ou na hora de decidir quem você vai investigar. Isso gera enorme insegurança política. Tudo isso é um pouco criado pelos excessos da filosofia do direito na forma de interpretação da Constituição pelos tribunais. Pensar em uma espécie de originalismo mitigado, na interpretação de uma Constituição recente e progressista como a brasileira, não seria uma má ideia. Um retorno ao positivismo jurídico, de forma mitigada, ajudaria a delimitar os limites de interpretação constitucional, vinculando-a à vontade efetiva do constituinte, e restaurando a segurança jurídica.

Mas o Barroso enfatiza também, em várias ocasiões, que as cortes constitucionais têm, entre seus papeis, a função “iluminista” de fazer “avançar a história”. Como um historiador reage a essa arrogância racionalista? 

Esse é um tema delicado. Em países que se percebem como periféricos e atrasados, como o Brasil, as instituições passam a ter um valor relativo: elas só servem na medida que produzem progresso ou desenvolvimento, no sentido de reduzir o descompasso entre aquilo que é percebido como atraso e aquilo que é percebido como desenvolvido. As instituições têm que produzir modernidade. Sempre que parece que essas instituições não estão produzindo modernidade, você tem uma espécie de deslegitimação das instituições e, quase inevitavelmente, aparece algum grupo, geralmente dentro do próprio Estado, que se investe de uma posição de vanguarda e que se atribui o papel de salvar o país – esta vanguarda seria a verdadeira representante do interesse público, o lócus da defesa do bem comum, contra os falsos representantes do povo. Isso acontece em várias épocas. 

Essa crise de representação geralmente é identificada com o legislativo, porque, em geral, o parlamento é o lugar que mais tem a cara do país e que mais reflete o país como ele é: atrasado, analfabeto, oligárquico, hierárquico. E nós não gostamos de ver o país como ele é. Nós temos uma percepção difusa de que o Executivo é que tem que enquadrar sempre o Congresso, que é visto como o lugar do atrasado. 

Esse processo é tributário de uma concepção de despotismo ou reformismo ilustrado: em países atrasados, deve haver um poder acima dos outros que empurre os demais. O Poder Moderador, na época do Império, se investiu do poder de construir o Estado Nacional. Depois, foram os militares, que fazem a República: eram os cidadãos fardados que se consideravam guardiães da República. Essa ideia legitima o movimento tenentista na época de 1920 e justifica as seguidas intervenções do Exército na vida política brasileira até o golpe de 1964: os militares precisavam salvar o país do comunismo e garantir a segurança nacional. 

Depois que os militares desaparecem, aparecem setores do Ministério Público e da Magistratura que arrogam essa posição de vanguarda iluminista. Isso não é novidade, sobretudo considerando que o Ministério Público foi incentivado, a partir de 1988, a essa missão, desvinculada do Estado, de representar a sociedade civil sem ser eleito. Mas, ao mesmo tempo, o Ministério Público é uma burocracia de carreira que não dá satisfação para essa sociedade. Como muitas coisas que o professor Barroso fala, isso de “vanguarda iluminista” tem uma carga de excelentes intenções a respeito da coisa pública no Brasil, mas contém também uma dose de ingenuidade. 

Mas muitas vezes a retórica da “vanguarda iluminista” é mobilizada nas decisões envolvendo direitos de minorias e em questões morais. O STF está discutindo legalizar o aborto e legalizou o casamento homossexual. Isso não seria impensável em outras épocas constitucionais? 

Sim. Nesses casos, houve uma posição de “vanguarda iluminista”, sem dúvidas. O problema é o seguinte: como você garante o controle qualitativo do exercício dessa vanguarda? Seria preciso tomar algumas medidas de precaução, como limitar o mandato dos ministros do Supremo. Um ministro não pode ficar lá por quarenta anos e se tornar irresponsável. Nós estamos vendo, diariamente, um exemplo de um ministro do STF que se comporta de maneira frontalmente contrária às determinações da Loman [Lei Orgânica da Magistratura] e que é virtualmente irresponsável. Ele age absolutamente, não há quem o controle, tanto pela posição que ele ocupa, quanto pelo corporativismo que existe no STF. 

Hoje, quando se fala na judicialização da política, ou em ativismo judicial, logo se levanta o alerta do reverso: a politização da Justiça. Nossos juízes, no passado, viviam isolados da política? 

Eles não viviam isolados, eles viviam sujeitos à política. Até algumas décadas atrás, o sistema era oligárquico: os juízes que ocupavam os postos de maior notoriedade e importância no Poder Judiciário eram não só juízes, eram pessoas bem relacionadas e, muitas vezes, políticos que eram juristas, mas que haviam perdido no voto. Às vezes, o critério de nomeação para o STF era semelhante ao que hoje existe no TCU: o sujeito tinha perdido no voto e era nomeado para lá. Na Primeira República, o Supremo vai ganhando importância, mas esse processo foi castrado na reforma constitucional de 1925. Aí o Supremo vai perdendo importância. Alguns grandes juristas até foram nomeados para lá, mas eles podiam ter independência, porque o Supremo não tinha poder. 

O que aconteceu é que a percepção da importância dos ministros do Supremo só foi descoberta recentemente, as nomeações antes eram feitas sem consciência da centralidade do STF para a política nacional. Isso se viu recentemente, por exemplo, na nomeação do ministro Alexandre de Moraes, que foi estratégica e tinha finalidades políticas claras. Injunção política você precisa para ocupar qualquer cargo importante de qualquer sistema político do mundo. A diferença é que antes esses juízes estavam sujeitos à política, eles obedeciam ao curso da política, e agora isso se inverteu, e os juízes, de alguma maneira, passaram eles mesmos a se tornar atores hegemônicos do processo político, de forma totalmente desconcertada, sem critério de controle e cada um decidindo da própria cabeça. Isso, aliás, é algo que já se sabe: o que nós temos não é um STF, mas 11 ministros que decidem livremente, inclusive com direito à obstrução: se o ministro tem direito de pedir vista e depois nunca mais devolver o processo, para suspender o julgamento de uma causa pública para responder a pressões políticas, isso é inteiramente antiético. O pedido de vista virou uma espécie de obstrução parlamentar. 

Em suma, o excesso de poder dado ao STF, misturado com excesso de trabalho, está gerando uma politização da justiça que está sendo muito negativa para a imagem do STF, imagem que é mais do nunca indispensável para ser resguardada em um momento de imensa crise das instituições. A última instituição que pode se deixar levar por essa imagem de ilegitimidade seria o STF. 

O artigo de vocês termina com um convite a uma agenda de resgate da história constitucional brasileira. Mas parece que vocês já têm alguma intuição do que é que encontraríamos aí. Qual o impacto dessa agenda nesses problemas que você aponta? 

Por exemplo, quando você estuda pensamento constitucional brasileiro, você descobre que questões referentes à suposta inefetividade da Constituição estavam sendo discutidas desde, pelo menos, 1857. A maldição histórica não está na história, está no desconhecimento da história. Se você estuda história e percebe que aquilo que você atribui a algo moderno e recente, na verdade vem desde muito, isso nos dá condições de efetivamente superar o problema. A questão da inefetividade da Constituição é comentada, por exemplo, pelo Marquês de São Vicente, por Alberto Torres, por Oliveira Viana, por todos os constitucionalistas brasileiros. E aí você tenta descobrir qual é a causa da inefetividade da Constituição e você descobre que é pelo fato de que, no Brasil, as instituições não são feitas para coincidirem com o país, mas para mudar o país. Mas não dá para mudar o país do dia para a noite e surge a sensação de inefetividade que, na verdade, é um efeito planejado. 

Outro ponto digno de atenção é uma questão da Primeira República, quando nós já temos uma estrutura institucional semelhante à atual – Congresso, Presidência, Supremo. Muitos dos conflitos que se instauram sobre a estrutura de governo e a administração na Primeira República são muito semelhantes aos que nós temos hoje. Há a interpretação liberal-progressista da Constituição, feita por Rui Barbosa e Pedro Lessa, aliás muito semelhante à feita pelo professor Luís Roberto Barroso, contra uma interpretação conservadora da Constituição. Os liberais apostam no papel profilático do STF. O Rui Barbosa, em um discurso de 1914, praticamente diz que o STF tem que exercer o papel de Poder Moderador da República. E você tem aqueles que eram contrários, porque isso provocaria uma politização da Justiça: se os juízes se imiscuíssem na Justiça, você teria, na verdade, a perda da Justiça. Várias dessas discussões têm um sabor completamente moderno. 

Outro ponto interessante: no Império, quando você observa o comportamento da magistratura, no início do Segundo Reinado, você vê tentativas de introdução, pelos próprios chefes da magistratura, do controle de constitucionalidade, a partir das descrições que o Tocqueville já tinha feito em “Democracia na América”, numa tentativa de garantir o poder da corporação. Então você vê novamente que o tema da vanguarda ou da defesa do interesse público vem sempre acompanhado da defesa de certos interesses políticos. Por exemplo, dois dias depois do golpe militar que instaura a República, a segunda ou terceira providencia do governo provisório é aumentar o soldo dos militares. Ou seja, os guardiães cobram caro. Isso não é quase idêntico ao que estamos discutindo hoje sobre os supersalários do Ministério Público e da Magistratura? 

E não é só isso. A história constitucional também ajuda em problemas mais miúdos. Existem certos dispositivos constitucionais que não mudaram de 1891 para cá: seria muito interessante na hora de pensar a aplicação desses dispositivos constitucionais consultar as obras doutrinárias mais antigas – Carlos Maximiliano, João Barbalho, Afonso Arinos, Rui Barbosa. Existe muita coisa a ser abordada para tentar nos fazer sair dessa caixinha, um tanto viciada, das interpretações principiológicas ou filosóficas, que nos trouxeram a este verdadeiro labirinto que se tornou a aplicação do direito constitucional no Brasil. A história pode ser um remédio ao vale tudo do neoconstitucionalismo.

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