O candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) registrou hoje (14) sua candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e divulgou seu plano de governo, um extenso documento de 81 páginas chamado “O Caminho da Prosperidade”. Lamentavelmente, nesse espaço todo, não há uma única menção ao problema do aborto ou à defesa da vida humana desde a concepção. Considerando que o país está no meio de uma discussão judicial e política sobre isso, e que a América Latina se tornou a bola da vez das pressões internacionais pela legalização do aborto, a ausência é injustificável. Mas ainda dá tempo de correr atrás do prejuízo.
É verdade que, recentemente, Bolsonaro já se declarou contrário a mudanças na atual legislação, que não pune abortos em caso de gravidez decorrente de violência sexual e em caso de risco de vida à mãe – o Supremo Tribunal Federal criou ainda uma terceira hipótese, em 2012, para o caso de fetos anencefálicos. O capitão da reserva já disse também que vetaria a legalização do aborto, se fosse presidente e o Congresso aprovasse a medida, mas também afirmou que, se o Congresso derrubasse o veto, não teria o que fazer. Formalmente, é verdade. Politicamente, nem tanto.
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Além disso, em uma entrevista à IstoÉ Gente no ano 2000, Bolsonaro disse que o aborto “tem de ser uma decisão do casal”. Essa declaração, que resvala num relativismo moral inaceitável, juntamente a outras propostas de controle de natalidade defendidas pelo candidato, acende um alerta para todos os defensores da vida sobre as verdadeiras convicções de Bolsonaro acerca do valor da vida humana. Agora, sem nenhuma menção ao tema em seu plano de governo, essas suspeitas se renovam.
Mas, independentemente das convicções íntimas de Bolsonaro, o candidato do PSL concorre com forte apoio de lideranças evangélicas, como o senador Magno Malta (PR), que recentemente discursou na audiência pública do STF sobre aborto, falando pela Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família. Isso é relevante para pensar a agenda em defesa da vida nos próximos anos no país, quando o Congresso pode ter de enfrentar uma decisão do STF na ADPF 442 que legalize o aborto até a 12ª semana de gestação. Embora o “Centrão” esteja coligado com Alckmin, seu alinhamento moral é mesmo com Bolsonaro.
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Caso as pressões pela legalização do aborto avancem (e vão avançar), será positivo contar com um Poder Executivo – e um presidente - empenhado em defender a vida desde a concepção, em aliança com o Congresso. Não custa lembrar o exemplo do atual presidente da Argentina, Maurício Macri: em campanha, o candidato afirmou que em seu governo não haveria mudanças na legislação sobre aborto, para logo após eleito não só não se opor à tramitação do projeto de lei como até incentivá-la.
Pior ainda, a ausência de menção ao tema no plano de governo trai o despreparo de Bolsonaro em diagnosticar e enfrentar as pressões que se opõem à vida na atual conjuntura. No final do plano, há menção a um “novo Itamaraty”, mas sobressaem ali a necessidade de acordos bilaterais e o desejo de alinhamento às democracias ocidentais. Esses pontos são importantes, é inegável, mas não se pode ignorar que a burocracia do Itamaraty é entusiasta da ambígua agenda da “saúde sexual e reprodutiva” em organismos internacionais, onde age praticamente sem controle, alinhando-se ao poderoso lobby do aborto, enquanto o mundo político e a população ficam alheios aos bastidores.
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Apesar de todos os seus problemas, o governo de Donald Trump, dos Estados Unidos, tem agido com força na arena internacional para fechar a torneira de recursos para o lobby do aborto ao redor do mundo, e o Brasil deveria estar atento à possibilidade de construir uma aliança internacional a favor da vida.
Seja porque Bolsonaro realmente não acredita no inestimável valor de toda vida humana e na dignidade que lhe é intrínseca, seja porque sua campanha não está ciente dos desafios e oportunidades para a agenda da vida, no Brasil e no mundo, fato é que o silêncio sobre o aborto e a defesa da vida em seu plano de governo é um balde de água fria em quem gostaria de ver uma candidatura conservadora consistente no Brasil. Seria positivo se o candidato suprisse essa falta, posicionando-se com mais firmeza e clareza sobre esses temas nesses dois meses de campanha.