Nossas Cortes Superiores confundem ainda mais aquilo que já está fora de ordem. Recentemente, em decisão liminar, o STJ suspendeu a execução provisória de pena restritiva de direitos para um condenado em segunda instância. O interessante é que a decisão cita precedentes do mesmo tribunal e do STF, segundo os quais a execução antecipada só é permitida para a pena privativa de liberdade. Algo soa muito estranho. Se não é permitido executar provisoriamente a pena mais branda, o mesmo deveria valer para a sanção mais grave, pois a liberdade é um dos direitos fundamentais mais caros ao ser humano.
As penas restritivas de direitos são sanções alternativas à pena privativa de liberdade (por exemplo, trabalho em instituição de caridade, pagamento de cestas básicas, proibição de frequentar determinados lugares etc.). Sua aplicação é permitida, nos crimes dolosos, quando a pena final do condenado não ultrapassar quatro anos e o fato não envolver violência ou grave ameaça. Para os crimes culposos, não há restrições legais para sua utilização. Em tais situações, o juiz deve converter a pena de prisão em outra medida menos gravosa ao condenado, podendo negar tal benefício somente em casos excepcionais. Essa regra segue uma política criminal de redução de danos a quem praticou crime sem maior gravidade, já que a prisão seria uma sanção muito severa, com enorme prejuízo ao sentenciado.
Leia também: Conflito de jurisdição: entenda a questão jurídica envolvendo o habeas corpus de Lula
O critério legal da conversão da pena de prisão em restritiva de direitos considera que os crimes dolosos, praticados sem coação e com pena não superior a quatro anos, e os crimes culposos, não são reprováveis a ponto de merecer a pena de prisão. Devido à menor reprovação do ato ilícito, menos rígida deve ser a sanção. Nesse sentido, os danos causados ao condenado são menores, o que aumenta a probabilidade de a pena atender ao seu objetivo de ressocialização. Assim, pode-se afirmar que as penas restritivas de direito são menos gravosas ao condenado que a pena privativa de liberdade e, portanto, eventuais anos causados são revertidos com maior facilidade.
Pela lógica da preservação das liberdades no Estado democrático de direito, se a pena menos grave, que oferece menos danos ao condenado, deve aguardar o trânsito em julgado para sua execução, o mesmo tratamento deve ser aplicado à pena de prisão, cujos efeitos são mais gravosos. Além do argumento jurídico-constitucional – a Constituição Federal declara, com todas as letras, que ninguém pode ser considerado culpado antes de condenação transitada em julgado – há um fundamento lógico, segundo o qual deve-se aguardar a condenação definitiva para executar qualquer pena, pois sempre que houver recurso, existirá a chance de reverter decisão desfavorável. Danos maiores dificilmente são revertidos.
Há, ainda, mais um imbróglio. O STJ, em decisão liminar no HC 458.501/MG, de 12 de julho de 2018, por exemplo, suspendeu a execução antecipada da pena restritiva de direitos e autorizou o início da pena privativa de liberdade. O fundamento da decisão é o art. 147 da Lei de Execução Penal: “Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares”. Reconheceu-se, portanto, que a execução da pena alternativa está condicionada ao trânsito em julgado da condenação. Em outras palavras, não é suficiente a condenação em segunda instância. Até aí, tudo bem, pois a decisão está de acordo com a lei. O problema está na execução antecipada da pena de prisão.
Diz o art. 283 do Código de Processo Penal que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Ora, a lei determina que a pena de prisão exija o trânsito em julgado da condenação, ou seja, não basta a condenação em segundo grau. Para completar, o texto constitucional estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Leia também: Clima chuvoso de Curitiba aborrece Lula. Ele pode pedir para mudar de cidade?
É necessário estabelecer uma regra jurisprudencial de acordo com a legislação e a Constituição Federal. Os tribunais não podem descumprir a lei por puro pragmatismo, como se a ilegalidade fosse resolver os problemas da impunidade. Cumpre-se a lei para executar a pena restritiva de direitos após o trânsito em julgado, mas ignora-se a legislação para antecipar a prisão do condenado em segunda instância. A execução antecipada de qualquer pena é ilegal e inconstitucional. A presunção de inocência é cláusula pétrea que não pode ser revogada sequer por emenda constitucional, muito menos por súmulas ou decisões judiciais.
* Advogado criminalista, doutor em direito penal (USP) e professor do Instituto de Direito Público de São Paulo
Justiça do Trabalho desafia STF e manda aplicativos contratarem trabalhadores
Parlamento da Coreia do Sul tem tumulto após votação contra lei marcial decretada pelo presidente
Correios adotam “medidas urgentes” para evitar “insolvência” após prejuízo recorde
Milei divulga ranking que mostra peso argentino como “melhor moeda do mundo” e real como a pior
Deixe sua opinião