A Súmula Vinculante nº 13, editada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2008, firmou vedação à prática de nepotismo, tida por violação ao princípio constitucional da moralidade administrativa. O enunciado desautoriza tanto o nepotismo direto, assim considerado aquele em que a autoridade nomeia seu próprio parente ou pessoa ligada a outro agente público da mesma pessoa jurídica, quanto o nepotismo cruzado, determinado por designações recíprocas entre os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Observa-se, contudo, que o conteúdo sumular não contempla, expressamente, os cargos de natureza política, os quais “são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos”, conforme definiu a ementa da Reclamação 7590, que teve como relator o ministro Dias Toffoli.
À vista disso, o assunto gera dúvidas e incertezas no que tange à aplicação concreta do enunciado aos agentes políticos. Inclusive, a matéria, objeto do Recurso Extraordinário 1.133.118, teve repercussão geral reconhecida por unanimidade, em deliberação no Plenário Virtual do Supremo. Ou seja, a Corte irá definir se é inconstitucional a nomeação, para o exercício de cargo político, de familiares da autoridade nomeante.
Até lá, no entanto, cabe apreciar de que forma o STF tem se posicionado sobre o alcance das vedações insculpidas na Súmula Vinculante nº 13 aos cargos desta natureza, uma vez que da instabilidade interpretativa decorre a contrariedade ao princípio da segurança jurídica. Assim, distingue-se a presença de dois momentos na apreciação da matéria pela Suprema Corte.
Confira: Toffoli abre portas para o uso político do CNJ
Inicialmente, a questão girou em torno da qualidade dos cargos políticos exercidos por agentes de poder, ausentes da natureza essencialmente administrativa e que, devido a isso, não eram alcançados pelas vedações da Súmula Vinculante nº 13.
Com base nesse entendimento, em diversos julgados compreendeu-se pela ausência de manifesta vedação sumular para a indicação de parentes dos Chefes de Poder aos cargos de natureza política.
"A jurisprudência do STF preconiza que, ressalvada situação de fraude à lei, a nomeação de parentes para cargos públicos de natureza política não desrespeita o conteúdo normativo do enunciado da Súmula Vinculante 13.", resumiu a ementa do Recurso Extraordinário 825682, que teve como relator o ministro Teori Zavascki, em 2015.
Em um segundo momento, o STF passou a compreender que a questão demanda, além da análise estrita do conceito sumular, o exame do contexto fático e a qualificação do agente político para o exercício das atribuições. Diante disso, a recente jurisprudência do Supremo tem sido encaminhada no sentido de que a Súmula Vinculante não esgota as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, devendo ser utilizada como paradigma para resguardar a isenção do processo de escolha para provimento de cargos, inclusive de natureza política-administrativa.
Nesse sentido, o STF vem afirmando que o enunciado sumular não contempla exceção incondicional a tais cargos, sendo viável a nomeação de sujeitos que detenham relação parental com a autoridade nomeante apenas nos casos em que se demonstre a qualificação técnica e idoneidade moral necessárias ao exercício do cargo.
“O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante 13 a cargos públicos de natureza política, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral”, apontou a Reclamação 28024, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, em maio de 2018.
Leia também: Acúmulo de ações faz do STF um dos tribunais mais lentos do mundo
Assim, mesmo após o reconhecimento da repercussão geral prevalece o entendimento de que não incide, de modo direto, a Súmula Vinculante nº 13 nos casos que envolvem a investidura de cônjuges ou a nomeação de parentes em cargos públicos de natureza. Isso porque, segundo o ministro Gilmar Mendes, a legitimidade da nomeação nestes casos se dá “por conta mesmo da precariedade da nomeação e do grau de confiança da escolha”, observou o magistrado durante o julgamento da Reclamação 22339, que teve como relator o ministro Edson Fachin, em setembro de 2018.
Logo, à vista da jurisprudência indicada, verifica-se que a incidência da vedação ao nepotismo aos cargos políticos demanda uma análise casuística, fazendo-se necessário apreciar caso a caso para apurar se a nomeação está ou não em desacordo com o preceito sumular, levando-se em conta fatores como a qualificação técnica e a idoneidade moral do agente nomeado.
Ao que tudo indica, esse cenário não sofrerá alteração pelo julgamento da repercussão geral no Recurso Extraordinário 1.133.118. Muito embora o princípio da moralidade admita a interpretação do nepotismo em termos mais amplos, sendo compreendido como o vício de permitir o favorecimento de parentes e afins na gestão pública como um todo, os parâmetros até então fixados pela Suprema Corte para a legalidade da nomeação de agentes políticos dão conta de evitar a indicação pautada exclusivamente nos interesses particulares do administrador público.
* Camila Cotovicz Ferreira é advogada sócia e head do Consultivo Administrativo da Bonini Guedes Advocacia.