Ativistas pelos direitos dos animais não conseguiram exigir que uma fazenda gaúcha, que realizava aulas de anatomia comparada com porcos, aves e peixes em atividades de recreação, fosse obrigada a pagar danos morais coletivos por supostamente “desconstruir valores éticos e morais” ao dissecar os animais em frente de crianças e adolescentes. A decisão é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Na fazenda funcionam uma empresa de turismo rural e um “criadouro conservacionista”, local previsto na legislação brasileira para acolher animais abandonados ou vítimas de crueldade, que precisam da proteção humana por terem perdido a capacidade de viver sozinhos na natureza. Os bichos mortos nas aulas de dissecação (porcos, aves e peixes) são utilizados para alimentar os animais silvestres recolhidos no criadouro.
Para o Movimento Gaúcho de Defesa Animal e para a ONG União Pela Vida (UPV), em ação iniciada em setembro de 2006, a fazenda expunha “crianças e adolescentes à atividade que contraria valores bioéticos”, ao exibir os órgãos internos de um suíno e relacionar com o corpo humano, o que, para elas, contribuiria “para o processo de dessensibilização do ser humano para com a vida animal”.
Além da aula de anatomia comparada, os representantes das ONGs consideraram que permitir o contato dos humanos a esses animais silvestres seria ilegal por submeter os bichos a “sacrifícios desnecessários”. Na ação, eles pediam ainda que o Ibama fosse responsabilizado de forma solidária por essas ações.
O juiz de primeira instância considerou que todas as atividades desenvolvidas na fazenda estavam de acordo com a legislação brasileira, com exceção das aulas de dissecação, que, de acordo com Lei 11.794/1998, devem ser ministradas apenas em instituições de ensino, e por isso decidiu proibi-las. Por outro lado, entendeu que não existia a “crueldade” apontada pelas ONGs, já que o abate realizado segue o previsto nas normas internacionais.
O mero sacrifício “de animais de produção destinados ao consumo”, apontou, não poderia ser encarado como “imoral, ilegal ou antiético”, como defenderam os ativistas. “A humanidade em sua evolução imemorial desenvolveu a capacidade de criar muitas espécies de animais sob seu controle, atividade ainda hoje imprescindível à alimentação humana”, escreveu na sentença.
“Observe-se que a aplicação dos corpos em atividade pedagógica, notadamente a exposição dos órgãos internos, não é o objetivo primordial do sacrifício do animal, mas sim uso da oportunidade com a intenção de ampliar o conhecimento humano. Não há imoralidade ou contrariedade ética nesse agir”, anotou, acrescentando que não ficou demonstrado que a atividade tenha gerado trauma nos alunos.
“Dito isso, é exagero presumir que as crianças”, ao interpretar uma foto apresentada pelas entidades, “estivessem se divertindo com o corpo do animal, vilipendiando-o no sentido de demonstrar insensibilidade ao sacrifício. Pode-se interpretar de diversas maneiras a expressão daquelas crianças, inclusive de que estão satisfeitas com o aprendizado e com a atividade extraclasse, em ambiente rural cada vez menos acessível, e em grupo”.
Recurso
As entidades autoras recorreram então ao TRF-4, pedindo que a decisão de primeira instância fosse revista para condenar a fazenda a pagar indenização por danos morais coletivos. A desembargadora federal Vânia Hack de Almeida interpretou que a sentença de primeira instância estava correta e votou por sua manutenção: as aulas devem ser proibidas, mas sem a indenização. Para ela, os autos demonstram que a fazenda não violava a legislação, pois sacrificava apenas animais domésticos, para consumo “sem crueldade, maus-tratos, feridas ou mutilações quando do abate”. O voto foi seguido pelos outros desembargadores da 3ª Turma do tribunal.
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