A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou-se na quinta-feira (27) contrária a mudanças na legislação sobre o aborto. O posicionamento é uma resposta à convocação da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora da ADPF 442. A ação, ajuizada pelo PSOL, pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. No documento de 48 páginas enviado à relatora, a AGU afirma, a partir de jurisprudência do próprio STF, que o tribunal não poderia se comportar como “legislador positivo”, o que implicaria uma violação da separação dos poderes. Na manifestação, a AGU afirma ainda que não existe, no Brasil, “um suposto direito constitucional da mulher ao aborto”. A Câmara, o Senado e o presidente Temer também já se manifestaram contrariamente às mudanças.
Leia mais: Defesa da vida desde a concepção
Para a AGU, o que pedido quer não é a interpretação da Constituição, mas uma inovação legislativa, contra a vontade do Congresso, pela via judicial: “na espécie, o pedido formulado pelo requerente não é de mera interpretação do texto legal em vigor, mas de efetiva criação de uma nova hipótese de excludente de tipicidade, consistente na fixação de um prazo no qual a realização do aborto passaria a ser admissível. Trata-se, como se nota, de verdadeira inovação legislativa, com o estabelecimento de um período de licença: para a realização do aborto, em substituição à explícita decisão legislativa de manter a tipificação penal de tal conduta”.
O documento da AGU traz citações de debates da constituinte brasileira, para mostrar que os deputados constituintes escolheram deixar a regulação do aborto para a legislação ordinária, e não para a Constituição. “A ausência de disposição constitucional a respeito do aborto não derivou de suposto descuido ou omissão dos parlamentares. Tem-se, na verdade, uma clara decisão do Poder Constituinte originário no sentido de delegar, ao legislador infraconstitucional, a competência para dispor sobre o tema, mantendo, desse modo, a vigência da legislação pré-constitucional”, escreve a AGU.
Ademais, desde a promulgação da Carta de 1988, o aborto tem sido objeto de reiterados debates pelo Congresso Nacional, o qual, como dito, não permaneceu inerte sobre a matéria
A AGU argumenta ainda que as decisões passadas do STF que liberaram a pesquisa com embriões fertilizados in vitro (ADI 3510) e introduziram a hipótese dos fetos anencefálicos entre os casos não puníveis de aborto (ADPF 54) não flexibilizaram a proteção da vida desde a concepção.
Segundo o texto, na decisão da ADI 3510, o STF “preocupou-se em não permitir que o procedimento de fertilização fosse utilizado com o objetivo de produzir embriões para pesquisa. Demonstrou, assim, o reconhecimento de um núcleo essencial de direitos fundamentais para os embriões in vitro”. Ademais, a AGU lembra que o tribunal reconheceu expressamente que o caso dos embriões fertilizados in vitro não poderia ser precedente para o aborto.
Já em relação à ADPF 54, a AGU afirma que o tribunal não fez uma escolha entre os direitos do feto e os direitos da mulher, porque, na verdade, reconheceu apenas que o feto anencefálico não possui expectativa de vida. “O fundamento utilizado para permitir a interrupção da gravidez foi a completa ausência de potencialidade de vida do feto anencefálico, conclusão que não pode ser estendida, por óbvio, à questão suscitada na presente arguição”, diz o documento.