Quando se lê a notícia de que um condenado progrediu para o regime semiaberto, a primeira reação, geralmente, é de revolta, especialmente quando envolve casos de grande comoção pública, como o de Anna Carolina Jatobá e Suzane von Richthofen. O que muitos não sabem, no entanto, é que o semiaberto não significa, necessariamente, que o detento poderá sair diariamente do presídio, retornando somente à noite.
Conforme previsto no Código Penal (CP), o condenado não reincidente que recebeu pena superior a quatro anos e não excedente a oito pode começar a cumpri-la em regime semiaberto. Os presos do regime fechado, condenados a pena superior a oito anos, podem progredir para a modalidade mais branda de encarceramento após cumprimento de 1/6 da pena e atestado de bom comportamento, emitido pelo diretor da unidade. No caso dos crimes hediondos, a exigência é de 2/5 da pena se o réu for primário e 3/5 se for reincidente.
Tanto o CP quanto a lei n. 7.210/1984, a Lei de Execuções Penais (LEP), preveem que, no semiaberto, a execução da pena deve ocorrer em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, como as Associações de Proteção e Assistência a Condenados (Apacs). O advogado René Ariel Dotti explica as diferenças entre penitenciárias comuns e as colônias.
“[Esses locais] também são fechados, cercados, mas, diferentemente das penitenciárias, os condenados podem dormir em aposentos coletivos, não em celas, e têm uma atividade interna. Em Piraquara, eles plantam”, afirma, referindo-se à Colônia Penal Agrícola do Paraná, localizada na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) e que atualmente abriga 930 presos.
Anna Carolina Jatobá, por exemplo, conforme informou a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo (SP), encontra-se em trabalho interno na própria instituição, na ala dedicada do semiaberto da Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, em Tremembé (SP).
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Professor de Processo Penal do Unicuritiba, Alexandre Knopfholz acrescenta que existe a previsão legal de que, eventualmente, é possível que o condenado realize um trabalho externo ou possa se ausentar da instituição a fim de frequentar cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. Isso, porém, é exceção. “A regra é a manutenção na colônia penal”, diz Knopfholz.
Caso o preso deseje realizar trabalho externo, cabe ao juiz da Vara de Execuções Penais (VEP) responsável decidir sobre a situação, que avalia pontos como a boa conduta carcerária do condenado.
Foi o que aconteceu com o deputado federal Celso Jacob (PMDB-RJ). Preso por falsificação de documentos e dispensa de licitação para a construção de uma creche em Três Rios (RJ), quando era prefeito da cidade, o político cumpre pena em regime semiaberto em Brasília (DF) e no dia 30 de junho voltou ao trabalho na Câmara dos Deputados, após obter autorização da Justiça. Nesses casos, é o magistrado que estipula o horário de saída e de chegada do preso, que deve sempre dormir no estabelecimento prisional – ainda que a fiscalização, segundo Knopfholz, seja difícil.
Aqueles que cumprem pena em regime semiaberto também têm direito a deixar a penitenciária nas saídas temporárias, que acontecem em datas festivas como Natal e Páscoa. Mas na visão do professor do Unicuritiba, o principal benefício destinado a esses presos é realmente o do trabalho, seja realizado dentro ou fora da instituição.
“Assim, eles conseguem a remição da pena, em que três dias de trabalho importam em um dia a menos na prisão”, explica. Ainda que a LEP preveja que os apenados pelo regime fechado também podem ser contemplados por esse instituto, a facilidade para trabalhar é bem maior para os do semiaberto.
Falta de estabelecimentos adequados
O grande problema do semiaberto no Brasil é que faltam estabelecimentos adequados para esse tipo de regime. Segundo o mais recente Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, há 67.296 vagas de semiaberto no país para 89.639 pessoas condenadas a cumprir essa modalidade de regime. Os dados são de junho de 2014. Já o Geopresídios, atualizado mensalmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que atualmente há 101 mil presos em regime semiaberto no Brasil.
O déficit acaba por gerar “gambiarras” jurídicas, como a criação de alas especiais em penitenciárias – instituições que deveriam ser destinadas apenas ao cumprimento de pena em regime fechado. Às vezes, até delegacias recebem condenados do semiaberto, conforme aponta o Geopresídios.
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No Paraná, por exemplo, onde há a Colônia Penal Agrícola do Paraná, em Piraquara, e a Colônia Penal Industrial de Maringá, 15 delegacias recebem presos do semiaberto. Esse tipo de estabelecimento penal, de acordo com Knopfholz, a rigor, nunca deveria receber presos. “Dadas as dificuldades que se enfrenta, o máximo que a gente poderia aceitar seria um preso em flagrante”, aponta.
O que também pode acontecer é, caso faltem vagas no semiaberto, a pessoa ir para prisão domiciliar e ser monitorada por tornozeleira eletrônica. O tema, todavia, não está pacificado na jurisprudência, ainda que em 2016 o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha aprovado a Súmula Vinculante 56, que prevê que “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso”.
Recentemente, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, negou pedido de habeas corpus que pretendia a prisão domiciliar, com monitoramento eletrônica, de um homem condenado pela prática de roubos. Ele progredira de regime, mas, no Rio Grande do Sul, onde cumpre pena, faltam vagas nos estabelecimentos que recebem presos do semiaberto. Para a Justiça, os crimes cometidos – roubos majorados – são de natureza grave, não tendo ainda o preso condições de ir para a domiciliar.
Fim do semiaberto é a solução?
Desde que o Movimento Brasil Livre (MBL) declarou apoio ao texto em junho passado, o Projeto de Lei 3.174/2015, encabeçado pela Bancada Gaúcha na Câmara dos Deputados ganhou holofotes. Um dos objetivos da proposta é o de extinguir o semiaberto no país. Ao Justiça & Direito, o deputado Afonso Motta (PDT-RS) afirmou que “o projeto foi apoiado por toda a Bancada Gaúcha em função da mobilização da sociedade civil, que vem buscando alternativas para soluções na segurança pública”.
Para René Dotti, a ideia, que considera um retrocesso, é “absolutamente incompatível com um sistema penitenciário que possa atender à dignidade da pessoa”. Já Paulo José de Palma, promotor do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o semiaberto tem, sim, seus problemas, mas acredita que a solução não seria extingui-lo. “Quem lida com execução criminal sabe que o semiaberto é imprescindível. No longo prazo, esse projeto não vai combater a reincidência criminal e vai colaborar para o aumento do encarceramento”, finaliza.
Colaborou: Mariana Balan.
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