Promotores do Ministério Público de São Paulo entraram com uma ação, nesta segunda-feira (29), contra o bloco carnavalesco “Porão do DOPS 2018”, com evento marcado para 10 de fevereiro, em São Paulo. De acordo com eles, a iniciativa enaltece o crime de tortura com homenagens a Carlos Alberto Brilhante Ustra e Sérgio Paranhos Fleury, que foram respectivamente comandante do DOI-CODI e delegado do DOPS durante a ditadura militar. A ação não pretende proibir a realização do bloco, mas sim o enaltecimento ou divulgação de tortura. As informações são do Ministério Público Estadual de São Paulo.
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Na página do evento no Facebook, os organizadores preveem “cerveja, opressão, carne, opressão e marchinhas opressoras”. Entre as músicas, uma das mais famosas é a canção que tem por refrão “feminista, eu não me engano, seu pai chora no banho”. Até a manhã desta terça-feira, 760 pessoas confirmaram presença no evento e outras 1,6 mil manifestaram interesse em participar.
De acordo com a petição inicial da ação, a promotoria recomendou aos responsáveis pelo bloco que cessassem qualquer modalidade de divulgação que implicasse em propaganda ou apologia de tortura, especialmente suprimindo as imagens dos torturadores e modificando a alusão ao porão do DOPS na denominação do evento. Os organizadores informaram na ação que não atenderiam à recomendação.
Na ação, os promotores pedem que os réus deixem de divulgar o bloco carnavalesco e seus eventos, bem como outras manifestações de apoio ou elogio à tortura, em especial, que sejam condenados a remover da divulgação do bloco carnavalesco, em todos os meios e mídias, as expressões “Porões do DOPS” e a menção a imagens ou símbolos que remetam à tortura, bem como a nomes e imagens de notórios torturadores.
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Pedem, ainda, a condenação dos réus ao pagamento, em caso de descumprimento das obrigações, de multa correspondente a R$ 50 mil por dia a ser recolhido ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados.
Além da ação, a promotoria requisitou à Polícia Civil a instauração de inquérito policial destinado à apuração de crime de apologia da tortura.
Outro lado
Em vídeo postado no Facebook, um dos organizadores do evento, Douglas Garcia afirmou ter sido chamado à uma delegacia para dar esclarecimentos. Em sua defesa, pede pelo respeito à liberdade de expressão e lembra que outros blocos, que elogiam regimes que mataram milhares de pessoas, podem sair livremente nas ruas sem censura, como ocorre com o Bloco Soviético, em cidades como Belo Horizonte e Brasília.
“Todo mundo sabe que essa movimentação do MP de SP é uma atitude política e ideológica, não jurídica”, afirmou. Ele explicou ainda que o evento vai mudar de lugar e só as pessoas inscritas saberão onde será. Acrescentou também que o evento só será cancelado se houver uma decisão judicial.
Apologia a crime?
Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, em que a Suprema Corte defende a liberdade de expressão em casos extremos, a ponto de tolerar alguns discursos de ódio, no Brasil o tema é bastante controverso.
O Código Penal traz, em seu artigo 286, o crime de incitação ao crime — “Incitar, publicamente, a prática de crime” — e, em seu artigo 287, o crime de apologia ao crime ou a fato criminoso — “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”. Esses dispositivos ganharam fama no país quando, entre 2008 e 2011, o Ministério Público Federal passou a acionar a Justiça para impedir a realização de “Marchas da Maconha” nas capitais brasileiras — embora não se possa comparar o peso dado ao uso de drogas na legislação brasileira ao crime de tortura, como se verá abaixo.
No caso das marchas, o argumento incisivo era que essas manifestações faziam apologia de um crime (previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas). No entanto, a nossa Constituição, como a norte-americana, também protege a liberdade de expressão:
Art. 5º (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Por isso, em 2011, no caso da marcha da maconha, o STF decidiu, por unanimidade, que a realização estava protegida pela liberdade de expressão e de reunião. O relator do caso, ministro Celso de Mello, argumento que “o debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”.
Já o crime de tortura teria de ser analisado de forma diferente. O mesmo artigo 5º da Constituição, no inciso III, prevê que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, tornando a apologia a esse delito uma atitude muito mais grave. Sem contar que a tortura poderia ser interpretada como uma desobediência a uma das cláusulas pétreas. No inciso IV ao artigo 60º da Constituição coloca-se, entre os temas que não podem ser submetidos a mudanças na lei, qualquer proposta que tenda a abolir os direitos e garantias individuais.
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