Deve-se exaltar a grande conquista, em âmbito jurídico, representada pela Lei nº 11.340/2006, que subsidia o combate à violência doméstica praticada contra a mulher – em regra, a parte mais frágil nas relações de coabitação. A partir dela, que já foi considerada pela Organização das Nações Unidas como uma das três melhores legislações mundiais do gênero, foram instituídas as medidas protetivas de urgência, que têm como objetivo prevenir ou interromper a ação do agressor. A tutela é fundamental para que se coíba a repudiante prática de crimes desta natureza, mas nem sempre é justo o pleito de quem se diz vítima nessa seara.
O homem contra quem é feito pedido de medidas protetivas, por exemplo, pode vir a ser responsabilizado por uma acusação sem fundamento. Pelo caráter emergencial delas, há previsão expressa de que “poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado” (art. 19, § 1º). Portanto, nas hipóteses em que se constata risco iminente à integridade da mulher (periculum in mora), o magistrado pode imediatamente impor as medidas.
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Isso significa que qualquer pessoa pode ser enquadrada como agressora com a simples comunicação à polícia de um hipotético crime (geralmente ameaça, crimes contra a honra ou lesões leves). Nestes casos, tem-se levado em conta preponderantemente o desejo da vítima – mesmo que desacompanhado de testemunhas ou quaisquer outros elementos de prova – para deferir com celeridade as medidas requeridas, cerceando-se a liberdade do acusado ao proibi-lo, por exemplo, de frequentar determinados lugares ou de se aproximar da queixosa.
A presteza do procedimento é essencial à efetividade da lei, mas também propicia a supressão de garantias e a prática de injustiças: cancela-se o ônus da prova (que deve ser de quem acusa e não de quem se defende) e ignora-se o contraditório (já que o registro do Boletim de Ocorrência pela vítima, por si só, costuma ser visto como prova suficiente).
Embora a Lei Maria da Penha não discipline o procedimento de defesa, seu art. 13 determina a aplicação das normas dos códigos de processo civil e penal. A Lei nº 12.403/2011 produziu importantes modificações no CPP quanto às medidas cautelares, estabelecendo que “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias” (art. 282, §3º). O CPC também é incisivo sobre a necessidade de contestação (art. 802), inclusive quanto às medidas provisionais (art. 889), que se assemelham às protetivas.
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“Certo é que as medidas protetivas devem vigorar somente enquanto necessárias para efetiva proteção da vítima, podendo ser alteradas ou restabelecidas quando necessário, de acordo com as particularidades do caso concreto e atentando para os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de se evitar excessos, nos termos do art. 19, § 3º, da Lei nº. 11.340/2006 (...)” – TJPR – 1ª C. Criminal – AC 1195077-1 – Rel. Des. BENJAMIM ACACIO DE MOURA E COSTA – DJ 14.10.14.
É indiscutível a importância dos mecanismos de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher previstos na Lei Maria da Penha. Mas, como nem sempre a justiça criminal é acionada por meio de verdades, não se pode concordar com o deferimento automático de medidas protetivas pautadas exclusivamente na palavra da vítima – sob pena de se converter um diploma legal democrático em um instrumento de mitigação gratuita da dignidade e da liberdade de cidadãos inocentes.
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