Ainda que a Lei Complementar n. 35/1979, a chamada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, preveja em um dos incisos do seu artigo 35 que o juiz deve “tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários de auxiliares da Justiça”, nem sempre é o que se observa na prática. Confira cinco situações em que o Judiciário brasileiro foi, no mínimo, insensível:
Recentemente, um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18), em Goiânia (GO), recusou-se a ouvir a sustentação oral de uma advogada. A justificativa foi a roupa da profissional, que usava um vestido que deixava os ombros à mostra. Na visão do magistrado, a vestimenta não era adequada à situação.
“Nós temos um decoro forense a cumprir, e a atividade do advogado requer esse decoro. A senhora tem que estar à altura, na forma e aparência, do exercício desta atividade”, afirmou o juiz na ocasião.
O comentário causou mal-estar entre os presentes na sessão e rendeu nota do TRT-18 lamentando o ocorrido e manifestação de repúdio por parte das comissões da Mulher Advogada (CMA), Especial de Valorização da Mulher (CEVM) e Especial da Voluntária Advogada (Ceva), da Ordem dos Advogados do Brasil de Goiás (OAB-GO).
Em 2007, o caso do trabalhador rural Joanir Pereira causou comoção no Paraná. É que o juiz Bento Luiz de Azambuja Moreira, que atuava em Cascavel (PR), suspendeu a audiência de um processo em que Pereira era parte porque o homem usava chinelos. À televisão local, ele mostrou o único par de sapatos que possuía na época, que considerou velhos demais para ir ao Fórum. No dia da audiência, a mulher de Pereira afirmou que a família sequer tinha o que comer.
Já em junho deste ano, o magistrado, foi condenado a ressarcir a União em R$ 12,4 mil. Em 2010, o Estado teve de indenizar o lavrador pelo ocorrido na audiência. A União, contudo, pleiteou o ressarcimento da indenização, pois entendeu que o servidor agiu com dolo.
Há quatro anos, um juiz de primeiro grau de Erechim (RS) julgou improcedente o pedido de uma mulher pelo pagamento de danos morais por parte de uma instituição financeira. A gaúcha processou o banco por ter recebido uma mensagem grosseira do funcionário que a atendera, em que ele dizia a ter achado “tri- gata” e queria saber sobre a possibilidade de “rolar um sexo bom” com ela.
Para o juiz responsável pelo processo, se a autora da ação “ignorasse a mensagem que lhe desagradou e a deletasse, o caso estaria encerrado”. O magistrado também insinuou que a intenção da mulher com o processo era de conseguir algum benefício financeiro “com o fato do cotidiano de relações”.
Em segunda instância, a desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), repudiou a fundamentação da primeira instância e anotou que “ao juiz é dado – obviamente – o direito de seu livre convencimento frente às questões postas à sua apreciação. Porém, penso que a fundamentação da sentença desbordou dos padrões, e abordou a questão de forma extremamente grosseira, quiçá, discriminatória”.
Um juiz substituto do Espírito Santo se referiu a uma advogada, em 2014, como “preguiçosa”. Para o magistrado, que analisava um caso em que uma técnica de enfermagem cobrava várias verbas trabalhistas, a jurista não demonstrou “ânimo” suficiente na peça processual e foi negligente com a cliente.
Na época, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Espírito Santo (OAB-ES) afirmou que o magistrado foi “grosseiro e deselegante”, tendo faltado com o dever de tratar com urbanidade as partes que figuram no processo.
Aqui, o caso envolve um promotor de Justiça. No último mês de maio, um membro do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) protocolou representação na Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do estado contra a juíza Silvia Estela Gigena, que atua em Araraquara (SP). O motivo foi a concessão, por parte da magistrada em audiência de custódia, da liberdade a seis réus primários, além de ter pago lanches aos acusados.
Na ocasião, foram liberados homens que cometeram assaltos à mão armada e um rapaz detido com pinos de cocaína e R$ 525. Para o promotor que protocolou a representação, as pessoas deveriam permanecer detidas devido à gravidade dos crimes. Além da liberação dos presos, o promotor não concordou com outra atitude da juíza: o fornecimento de comida aos acusados. Ao chegar ao fórum, os homens reclamaram de fome e Silvia pediu que uma assessora lhes comprasse lanches, pagos com dinheiro da magistrada. Ao G1, a magistrada falou que o ato foi de “pura humanidade”.
O TJ-SP informou que os julgadores são independentes na tomada de decisões, “passíveis de interposição de recurso no caso de discordância das partes”. Já a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) manifestou solidariedade à juíza Silvia e disse não constatar nenhuma irregularidade em suas condutas.
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