| Foto: Dorivan Marinho/ SCO/STF

A magistratura é uma das mais carreiras procuradas dentro do meio jurídico. O caminho até o cargo de juiz é longo, tarefa das mais árduas atingida por meio de concursos públicos disputados e com inúmeras exigências. Dados da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) mostram que, em média, os juízes prestaram até três concursos antes de serem aprovados para a função – com pelo menos três anos e meio de preparação para as provas. Mas existe um atalho – perfeitamente legal e previsto na Constituição Federal – que encurta bastante esse caminho para quem quer ser juiz, desembargador e até mesmo ministro de tribunais superiores: é o chamado quinto constitucional.

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A medida está no artigo 94 da Constituição Federal, e garante um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios a membros do Ministério Público e advogados. Na prática, 20% das vagas nos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho devem ser preenchidas sem a necessidade de concursos públicos. Os critérios não são muitos: 10 anos de exercício da profissão, notório saber jurídico e reputação ilibada. Já nos concursos públicos são pelo menos cinco etapas entre provas escritas e de títulos, além de avaliações psicológicas e físicas.

O quinto constitucional tem como objetivo "oxigenar" os tribunais, na medida em que traz julgadores com visões, muitas vezes, distintas dos magistrados de carreira. Em artigo para a Gazeta do Povo, a advogada Gísela Dias afirmou que o quinto "enriquece os tribunais".  Para a advogada, "o Direito não é só informação sobre as leis. Exige noção dos fatos, categorizá-los adequadamente, por isto que o brilhantismo das peças processuais não passa de um engodo quando a verdade processual se distancia realidade".

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O processo de escolha começa com uma lista sêxtupla formada ou pela OAB ou pelo Ministério Público, que se revezam para essa indicação. Como explica o advogado e professor da FGV-SP Luciano Godoy, a escolha final é do governador, se é um tribunal estadual, ou do Presidente da República, se o cargo é de âmbito federal. 

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“Quando a OAB escolhe seis, vai para o Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Regional Federal. Então o tribunal escolhe três desses seis, uma lista tríplice, que se for Tribunal de Justiça vai para o governador e se for um Tribunal Regional Federal vai para o presidente da República, que escolhe um dos três. Quando é o Ministério Público é a mesma coisa”, afirma Godoy.

Na prática, são muitos cargos providos por esse atalho. No Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o quinto vira terço, graças ao artigo 104 da Constituição, que garante que 11 dos 33 ministros sejam advogados ou oriundos do Ministério Público. Sem contar que desembargadores que entraram pelo “quinto” também podem ser escolhidos para o STJ – na prática, nessa corte, muito mais de 11 podem ser advogados ou ex-membros do Ministério Público.

O preenchimento dessas vagas se dá por ampliação de varas ou tribunais ou por vacância gerada por aposentadoria, exoneração ou morte dos titulares. Nos casos em que há número ímpar de vagas para o quinto constitucional a regra é a da alternância entre advogados e promotores. 

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“No TRF da 3ª Região [que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul] são 43 desembargadores. Um quinto disso dá quase nove vagas, por isso ficam quatro da advocacia e quatro do MP fixas, e uma que se alterna entre os dois”, explica Godoy.

Polêmicas com o quinto envolvem Lula

No dia 8 de julho de 2018, o desembargador Rogério Favreto, plantonista do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), mandou soltar imediatamente o ex-presidente Lula, que está preso na sede da Polícia Federal em Curitiba desde 7 de abril. A liminar de Favreto atendeu a pedido de habeas corpus apresentado pelos deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira no plantão de final de semana.

O então juiz titular da Lava Jato, Sergio Moro, porém, ordenou em despacho que isso não fosse feito. Ele ordenou à PF que aguardasse esclarecimentos, enquanto esperava uma orientação de como proceder, então solicitada ao desembargador João Pedro Gebran Neto, relator dos processos da Lava Jato na 8.ª Turma do TRF-4. O desembargador se manifestou e pediu a volta do processo a seu gabinete e que a Polícia Federal mantivesse preso o ex-presidente.

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Em nova reviravolta, Favreto reafirmou a decisão de soltar o ex-presidente, apontando não serem válidos os posicionamentos de Moro e Gebran Neto. No início da noite, o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, alegando conflito positivo entre dois desembargadores, decidiu que Favreto não tinha prerrogativa de conceder habeas corpus já solicitado e negado anteriormente ao mesmo tribunal, e confirmou a manutenção da prisão de Lula.

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O caso chama a atenção porque Favreto assumiu o cargo de desembargador após ter sido nomeado pela então presidente Dilma Rousseff, em junho de 2011, por meio do quinto constitucional. O magistrado foi filiado ao PT de 1991 a 2010, quando se desfiliou para trabalhar no governo federal, onde atuou como assessor jurídico da Casa Civil, chefe da Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e secretário nacional da Reforma do Judiciário. 

Diferenças e semelhanças

Uma vez aprovado em concurso público, o juiz precisa trabalhar por dois anos até que seu cargo seja considerado vitalício. Essa é uma das grandes diferenças entre estes e os juízes do quinto, que já contam com essa prerrogativa no momento da posse.

Outra distinção entre os dois caminhos aparece quando o assunto são os cargos de desembargadores. Os juízes de carreira passam cerca de 20 a 25 anos nas comarcas de primeira entrância antes de conseguirem uma promoção. Já quem é escolhido por um governador para compor o quadro de um Tribunal de Justiça pelo quinto já começa na carreira como desembargador.

Apesar de entrarem na magistratura por caminhos diferentes, juízes, desembargadores e ministros ascendidos pelo quinto constitucional têm as mesmas atribuições dos magistrados de carreira, admitidos por concurso público.

“Uma vez nomeados, tanto os juízes que vem da instância de baixo promovidos quanto os juízes que vem do quinto são iguais. Daí para adiante, todos têm as mesmas restrições, todos vão ter a remuneração semelhante, a mesma carga de trabalho”, afirma o advogado e professor da FGV-SP Carlos Ari Sundfeld.

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Impessoalidade e politização

Para Sundfeld, casos como o do desembargador Rogério Favreto são polêmicos, mas não se limitam a magistrados do quinto.

“Muitas vezes há desembargadores que fizeram carreiras como juízes de direito e que em algumas de suas decisões são acusados de terem sido movidos por uma politização, por vínculos políticos, por parentesco, por advocacia de filhos, relações de amizades. É um problema que não se limita ao quinto. Na hora que é uma decisão de alguém vindo do quinto as pessoas logo tendem a dizer que é porque tal juiz era advogado. A Justiça cresceu, a política partidária cada vez gera mais ações judiciais, e a Justiça talvez não esteja discutindo o suficiente os riscos, os problemas, as medidas. Eu diria que o quinto é o menor dos problemas”, avalia.

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Para o professor, problemas com a politização na escolha dos integrantes das listas da OAB e do Ministério Público acontecem em todo o país, mas são mais evidentes em estados menores, com menos vagas destinadas ao quinto.

“As vagas nos tribunais são poucas, raríssimas. Quando abre uma vaga para o quinto da advocacia é uma guerra de morte. Daí é muito difícil que o critério não seja contaminado quase que totalmente pela política partidária da mais pura. Depende muito da postura da OAB para compor a lista, da postura do tribunal para aceitar ou não os nomes da lista. No caso de estados muito pequenos, em que todo mundo se conhece, no próprio tribunal os juízes de carreira costumam ter relações sociais com o poder, com os partidos, é muito difícil evitar uma contaminação da política.”

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Medidas como o aumento de decisões monocráticas e o consequente esvaziamento do poder do colegiado têm inflado os casos de personalismo no judiciário, na avaliação do advogado. Estes temas deveriam, segundo Sundfeld, ser “repensados” pela Justiça.

“Será que não tem que incentivar mais a colegialidade? Mas para isso precisa enfrentar a questão do volume de processos. Por que nós não somos mais restritivos ao aceitar recursos, ações? A Justiça até hoje não tem sido muito simpática às medidas de restrição da litigiosidade, porque eles dizem ‘não, precisamos dar mais recursos, mais poder individual para os desembargadores ou ministros, e nós temos que atender a todas as demandas que nos chegam’. Será que deve ser assim mesmo? Eu acho que não. É preciso ter melhores funis. A discussão sobre imparcialidade é uma questão decisiva da Justiça, para a respeitabilidade da Justiça. O Judiciário não é insensível a essa questão, mas talvez não esteja fazendo o suficiente”, pontua.